Paulina Chiziane - Balada de amor ao vento

Literatura africana contemporânea
Paulina Chiziane - Balada de amor ao vento - Editora Companhia das Letras - 176 Páginas - Capa e imagem de Angelo Abu - Lançamento: 2022.

Balada de amor ao vento, romance publicado originalmente em 1990, marcou a estreia da moçambicana Paulina Chiziane na literatura. Ela, que foi na época a primeira mulher a publicar um livro em Moçambique, também foi a primeira africana a ser distinguida com o Prêmio Camões em 2021. A obra da autora discute as dificuldades e desafios da condição feminina, sujeita aos aspectos políticos, culturais e religiosos da sociedade moçambicana, fortemente patriarcal, criticando a prática de poligamia no país. A descrição lírica da natureza está sempre presente, acompanhando e simbolizando os prazeres e frustrações dos personagens, construindo assim uma prosa poética que, de forma semelhante aos romances de seu conterrâneo Mia Couto, contrasta com a dura realidade de um país que foi devastado pela guerra de libertação e os conflitos civis posteriores à independência.

Nesta espécie de romance de formação feminino, a protagonista-narradora Sarnau relembra os encontros e desencontros amorosos de sua vida desde a adolescência na vila de Mambone, às margens do rio Save, onde conheceu o jovem Mwando – que estudava no colégio católico e queria ser padre –, por quem se apaixonou perdidamente: "Emudecemos de repente. As mãos encontraram-se. Veio o abraço tímido. Trocamos odores, trocamos calores. Dentro de nós floresceram os prados. Os pássaros cantaram para nós, os caniços dançaram para nós, o céu e a terra uniram-se ao nosso abraço e empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas."

"Tudo começa no dia mais bonito do mundo, beleza característica do dia da descoberta do primeiro amor. Todos os animais trajavam-se de fartura, a terra era demasiado generosa. Na aldeia realizava-se a festa de circuncisão dos meninos já tornados homens. Jovens dos lugares mais remotos estavam presentes, pois não há nada melhor que uma festa para a diversão, exibição e pesca de namoricos. Eu estava bonita com a minha blusinha cor de limão, capulana mesmo a condizer, enfeitadinha com colares de marfim e missangas. Coloquei-me na rede para ser pescada, e por que não? Já era mulherzinha e tinha cumprido com todos os rituais." (p. 11)

A relação entre Sarnau e Mwando dura muito pouco porque ele decide abandoná-la em troca de um casamento financeiramente vantajoso arranjado pela família. Depois de muito sofrimento e uma tentativa frustrada de suicídio, a felicidade parece voltar a sorrir para Sarnau quando é escolhida pela rainha Rassi para ser a esposa de seu filho Nguila, futuro rei dos Zucula. Contudo, ela logo irá decobrir que a condição de rainha não é garantia de felicidade para uma mulher que precisa conviver com a inveja e a solidão decorrentes da tradição da poligamia: "Não ligues importância às amantes que tem; respeita as concubinas do teu senhor, elas serão tuas irmãs mais novas e todas se unirão à volta do mesmo amor. Sarnau, ama o teu homem com todo o coração."

"Abri com violência a porta do meu quarto. Meu Deus, acode-me! Caí de olhos apavorada, duas gotas de água rasgaram verticalmente o meu rosto enquanto os lábios tentavam dissimular um sorriso forçado, Sarnau, nem todos os sorrisos são alegrias, nem todas as lágrimas são tristezas. Meu marido está ao lado de outra mulher mesmo na minha cama, sorriem, suspiram envoltos nas minhas capulanas novas, meu Deus, eu sou cadáver, eu gelo, abre-te terra, engole-me num só trago, Sarnau, o teu homem é o teu senhor. Quando ele dormir com a tua irmã mais nova mesmo debaixo do nariz, fecha os olhos e a alma, porque o homem não foi feito para uma mulher. Os caprichos de um homem são mais inofensivos que os efeitos das ondas no mar calmo." (p. 58)

Em uma sociedade machista e poligâmica, cabe à mulher cumprir o papel de serva obediente e escrava dócil, conforme o conselho de uma tia no dia do seu casamento: "Sarnau, o lar é um pilão e a mulher o cereal. Como o milho serás amassada, triturada, torturada, para fazer a felicidade da família. Como o milho suporta tudo, pois esse é o preço da tua honra." Ao longo das muitas reviravoltas do romance, acompanhamos as escolhas e renúncias de Sarnau que precisará correr todos os riscos para encontrar formas alternativas de sobreviver às duras tradições impostas às mulheres e encontrar um resto de amor possível, resgatando assim a sua dignidade. 

"Nestes últimos tempos vejo mulheres a sucederem-se umas atrás das outras e agora somos sete. Que poderes tem um só homem para amar cinco, sete mulheres jovens e fortes? A chegada da Phati, a quinta esposa do meu marido, veio transtornar toda a nossa vida e eu morri completamente no coração daquele homem. Já passam dois anos que não come a minha comida, que não me oferece uma carícia. Essa Phati, essa Phati, não sei que espécie de tatuagens ela tem no baixo-ventre para transtornar desta forma um homem a ponto de esquecer-se dos seus deveres. Essa vaca tenta brincar comigo, pensa que o filho será eleito herdeiro, mas engana-se. Hei de ter um filho varão, e só esse é que vai governar este território." (p. 80)

Literatura africana contemporânea
Sobre a autora: Paulina Chiziane nasceu em 1955, em Moçambique e cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo, anteriormente chamada Lourenço Marques. Depois de publicar alguns contos na imprensa, estreou como romancista com Baladas de amor ao vento, em 1990. Também é autora de Ventos do Apocalipse, O sétimo juramento, O alegre canto da perdiz e Niketche: uma história de poligamia, que a Editora Companhia das Letras publicou. Em 2021, tornou-se a primeira mulher africana a ser distinguida com o Prêmio Camões, a mais prestigiosa honraria conferida a escritores lusófonos, instituído pelos Governos de Portugal e do Brasil em 1988.

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