Ana Cristina Cesar
Ana Cristina Cesar - Correspondência Incompleta - Instituto Moreira Salles e Aeroplano Editora - 314 páginas - Publicação 1999 - Organização de Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda
Este livro reúne uma seleção de cartas trocadas entre a poeta e tradutora Ana Cristina Cesar (1952-1983), ou simplesmente Ana C., e suas amigas e professoras Clara de Andrade Alvim, Heloisa Buarque de Hollanda, Maria Cecilia Londres Fonseca e Ana Cândida Perez entre 1976 e 1980, quando Ana Cristina fazia na Universidade de Essex, o seu mestrado em "Theory and Practice of Literary Translation". Os textos demonstram uma relação forte de amizade, tanto no plano intelectual e artístico quanto afetivo.
O trecho que selecionei abaixo é de uma carta para Ana Candida Perez, com quem Ana traduziu do inglês, poemas de autoras contemporâneas como Sylvia Plath e Katherine Mansfield e onde ela própria admite achar cartas e biografias mais arrepiantes que a própria literatura. Nesta carta encontramos um pouco de todo o universo de Ana Cristina: a paixão pela literatura e muitos planos para o futuro, o amor de menina pela vida e também, infelizmente, o gosto amargo da depressão que acabaria levando-a ao suicídio em 1983 com apenas 31 anos.
Tua carta me consola, me aquece, sinto uma paz e não quero dizer nada, quero ficar quieta com esse calor e mais nada. Te sinto perto e terna. As teorias recuam, assim como uma sitaxe meio delirante que às vezes me ataca a cabeça em mania. Fico horas no meu quarto e gostando e inventando coisas para fazer. Entrei numa de literatura, é o meu brinquedo. Depois da Emily Dickinson, estou em fase de Katherine Mansfield, leio tudo, inclusive biografias ordinárias (que leio arrepiada, I must confess que para dizer a verdade estou achando cartas e biografias mais arrepiantes que a literatura) e fico sonhando com essa personagem. Também escrevo um caderno, quero fazer um livro que é prosa, que é quase um diário, que conta grandes coisas se passando nos quartinhos. Penso na Grécia incessantemente, e como por destino caiu nas minhas mãos a poesia do Cafavis, numa bonita tradução espanhola. Vou à Grécia sim, mas não antes e sim depois da invasão turística. Medito na paixão que não está doendo. Não estou com pudor de virar uma "literata" porque é assim que afago e cuido da paixão. Sendo assim não vou ficar "literata". Muitos sentimentos passaram, acho que talvez o que mais incomode, porque é muito insinuante, seja uma certa vergonha de perder o controle sobre o desespero. Escrevi uma carta rasgada para [...] e não tive resposta. Depois de três semanas passei dias elaborando um cartão que aliviasse o meu pathos. Agora não estou derramando, esse pathos é meu, e sinto que fiz uma viagem e voltei. Entrei numa do tal título, estou fazendo os trabalhos sem sofrimento, é muito bom ficar ocupada - a não ser que faça sol, mas esse recuou por uns dias. Às vezes tenho grandes ânsias de outras terras, mas não gosto de viajar para nowhere sem ninguém à vista. Estou transando leve com o Chris de quem reclamei. Aliás não era dele que eu devia estar reclamando e sim da minha depressão, meu corpo querendo outra coisa. Estamos transando leve, moramos na mesma casa. Ele é bonito como um Apolo e tem duas coisas que gosto num homem, uma certa brutalidade, uma fraqueza que me dá a segurança de eu poder dizer o que me passa na cabeça, e um gosto pela sacanagem, um olho sacana, uma coisa meio devassa. O mais engraçado é que tudo isso era absolutamente insuspeitado, me espanto. Mas de leve. Estávamos cada um pro seu lado, em andares diferentes, e naturalmente vamos cada um pro seu lado, esse é um pressuposto de leveza (...).
Este livro reúne uma seleção de cartas trocadas entre a poeta e tradutora Ana Cristina Cesar (1952-1983), ou simplesmente Ana C., e suas amigas e professoras Clara de Andrade Alvim, Heloisa Buarque de Hollanda, Maria Cecilia Londres Fonseca e Ana Cândida Perez entre 1976 e 1980, quando Ana Cristina fazia na Universidade de Essex, o seu mestrado em "Theory and Practice of Literary Translation". Os textos demonstram uma relação forte de amizade, tanto no plano intelectual e artístico quanto afetivo.
O trecho que selecionei abaixo é de uma carta para Ana Candida Perez, com quem Ana traduziu do inglês, poemas de autoras contemporâneas como Sylvia Plath e Katherine Mansfield e onde ela própria admite achar cartas e biografias mais arrepiantes que a própria literatura. Nesta carta encontramos um pouco de todo o universo de Ana Cristina: a paixão pela literatura e muitos planos para o futuro, o amor de menina pela vida e também, infelizmente, o gosto amargo da depressão que acabaria levando-a ao suicídio em 1983 com apenas 31 anos.
29/05/1980
Candida, darling,Tua carta me consola, me aquece, sinto uma paz e não quero dizer nada, quero ficar quieta com esse calor e mais nada. Te sinto perto e terna. As teorias recuam, assim como uma sitaxe meio delirante que às vezes me ataca a cabeça em mania. Fico horas no meu quarto e gostando e inventando coisas para fazer. Entrei numa de literatura, é o meu brinquedo. Depois da Emily Dickinson, estou em fase de Katherine Mansfield, leio tudo, inclusive biografias ordinárias (que leio arrepiada, I must confess que para dizer a verdade estou achando cartas e biografias mais arrepiantes que a literatura) e fico sonhando com essa personagem. Também escrevo um caderno, quero fazer um livro que é prosa, que é quase um diário, que conta grandes coisas se passando nos quartinhos. Penso na Grécia incessantemente, e como por destino caiu nas minhas mãos a poesia do Cafavis, numa bonita tradução espanhola. Vou à Grécia sim, mas não antes e sim depois da invasão turística. Medito na paixão que não está doendo. Não estou com pudor de virar uma "literata" porque é assim que afago e cuido da paixão. Sendo assim não vou ficar "literata". Muitos sentimentos passaram, acho que talvez o que mais incomode, porque é muito insinuante, seja uma certa vergonha de perder o controle sobre o desespero. Escrevi uma carta rasgada para [...] e não tive resposta. Depois de três semanas passei dias elaborando um cartão que aliviasse o meu pathos. Agora não estou derramando, esse pathos é meu, e sinto que fiz uma viagem e voltei. Entrei numa do tal título, estou fazendo os trabalhos sem sofrimento, é muito bom ficar ocupada - a não ser que faça sol, mas esse recuou por uns dias. Às vezes tenho grandes ânsias de outras terras, mas não gosto de viajar para nowhere sem ninguém à vista. Estou transando leve com o Chris de quem reclamei. Aliás não era dele que eu devia estar reclamando e sim da minha depressão, meu corpo querendo outra coisa. Estamos transando leve, moramos na mesma casa. Ele é bonito como um Apolo e tem duas coisas que gosto num homem, uma certa brutalidade, uma fraqueza que me dá a segurança de eu poder dizer o que me passa na cabeça, e um gosto pela sacanagem, um olho sacana, uma coisa meio devassa. O mais engraçado é que tudo isso era absolutamente insuspeitado, me espanto. Mas de leve. Estávamos cada um pro seu lado, em andares diferentes, e naturalmente vamos cada um pro seu lado, esse é um pressuposto de leveza (...).
Comentários
Não tenho este livro, tenho alguma coisa de Ana C. adquirida ou recebida como presente há muito tempo. Sempre gostei. Conheço também algumas das traduções que ela fez de S. Plath, as duas tinham muito em comum.
Abraços
um abraço,
clara lopez
Que pena que ela não conseguiu vencer a depressão, para as pessoas muito sensíveis deve ser mais difícil enfrentar a dureza do mundo.
Um abraço e bom fim de semana.
A Ana deixou um vazio abissal....Me sinto próxima, muito próxima.
A coragem de viver apaixonadamente....
Tem esse livrinho aqui na estante, lógico! Com a carinha dela....
A Ana Cristina eh um capitulo a parte. Essa carta eh belissima. Meu chapa, essa mulher tinha uma capacidade de nos transportar para outros mundos onde as palavras, mesmo descrevendo coisas absolutamente mundanas, tem uma leveza quase que similar ah dos sonhos.
Grande Abraco, Chico
Quanto a Luiz Fernando Vieira ainda não conheço, mas já entrou na eterna lista dos meus futuros próximos livros.
Li as traduções dela, e certamente começarei sua obra pelas cartas. Obrigado pela dica, meu caro amigo. Um grande abraço.
A observação no comentário é precisa: "As cartas mostram a vida em estado puro, sem roupa, sem preparo". Acho que poderia resumir assim as cartas de Ana Cristina.
um abraço,
clara lopez
Estava lendo a postagem sobre Ana Cristina César e Sylvia Plath, temáticas do meu projeto da pós-graduação.
Sempre que puder abra a sua cartola de conhecimento para nós.Abraço, Fernanda