José Saramago - A Viagem do Elefante

Literatura portuguesaJosé Saramago - A Viagem do Elefante - Editora Companhia das Letras - 256 páginas - Publicação 2008 - Revisão Carmen S. da Costa.

Um novo lançamento de José Saramago e todos nós, pobres leitores compulsivos ou talvez dependentes de sua prosa caudalosa, podemos nos transformar imediatamente em seres humanos mais felizes, reconhecer a marca inconfundível do autor, tendo a certeza de ler um dos maiores pensadores do nosso tempo e, segundo Harold Bloom, o maior ficcionista da atualidade.

Apesar de deixar bem clara a minha idolatria por Saramago, único autor laureado com um prêmio Nobel em língua portuguesa, é certo que não esperava um clássico romance histórico no mesmo nível e complexidade de "Memorial do Convento" ou "História do Cerco de Lisboa", pois esta seria uma tarefa praticamente impossível para qualquer autor contemporâneo, mesmo para José Saramago que, afinal, já está com 86 anos e a saúde bastante debilitada. De fato, este "A Viagem do Elefante", classificado pelo próprio autor como conto, foi escrito durante os sete meses em que lutou pela própria vida e a dedicatória para sua eterna companheira Pilar del Rio não deixa dúvidas sobre a gravidade deste período: "A Pilar, que não deixou que eu morresse".

Mesmo na situação em que foi escrito, no ambiente de um hospital, este livro é uma deliciosa fábula que carrega a tradicional ironia e humor de Saramago sobre um de seus temas prediletos: a eterna fragilidade humana. A narrativa trata da absurda viagem de um simpático elefante chamado Salomão em pleno século XVI que, por idéia de dom João III, rei de Portugal, influenciado por sua esposa Catarina da Áustria, decide presentear o Arquiduque austríaco Maximiliano II com um elefante. Assim nasce a saga épica do pobre paquiderme que teve de percorrer mais de metade da Europa, incluindo uma parte dos Alpes, devido a um capricho real.

José Saramago, como sempre, não parece nem um pouco interessado em fazer as pazes com a igreja católica, pelo contrário, em suas habituais digressões sobre o homem e a religião reflete sobre as incoerências na relação entre o homem, sua fé e os intermediários, uma relação nem sempre razoável como pode ser atestado pelos casos do cura de aldeia que tenta exorcizar o elefante Salomão (levando uma boa lição) e do padre representante da Basílica de Santo Antônio em Pádua que exige um milagre fabricado, pois segundo ele: "Lutero, apesar de morto, anda a causar grande prejuízo à nossa santa religião (...)".

O ambíguo indiano e cornaca, ou tratador de Salomão, é o protagonista secundário da narrativa, pois está claro que Salomão é o principal. Através das peripécias desta personagem, que tenta satisfazer as exigências reais, eclesiásticas e militares antes e durante todo o trajeto de Lisboa até Viena é que Saramago consegue desnudar a falta de bom senso dos homens para alcançar seus objetivos e ambições. O pobre Salomão acaba se tornando o elemento mais racional da caravana e conquistando a simpatia dos leitores. O vídeo abaixo foi publicado no blog da Fundação Saramago sob o título de "uma metáfora da vida humana", acho que esta definição, do próprio Saramago, resume bem o sentido do livro.



Comentários

Letícia Alves disse…
Gostei do post sobre o livro. Recentemente eu li Todos os Nomes, e gostei muito! Foi meu primeiro Saramago (li emprestado), apesar de ter Ensaio sobre a cegueira que eu ganhei e ainda não li.
Mas, claro, que vou ler, pois me encantei pela escrita de Saramago em Todos os nomes. Vale a pena!
Beijos!
jugioli disse…
Este ainda não li, estava envolvida com o "Ensaio sobre a cegueira" mas esta anotado como próxima leitura.
Gostei do filme, mas a leitura foi fundante sobre a minha reflexão sobre o ensaio, mostrando a incapacidade humana de lidar com o desconhecido, entre o ver e o não ver, entre o vício e a virtude, reconhecer que as sombras existem, e que a maldade humana e sua fragilidade estão sempre presentes.

bjs.

Ju
Garota D disse…
Acordei com Saramago na cabeço hoje. Pensei em escrever sobre "Intermitências da Morte". Acabei mudando de idéia porque estava com o tempo curto e este autor merece um post decente. Fiquei feliz de que você tenha lido minha mente. Não li "A viagem do Elefante", mas assim como os demais livros de Saramago, eles está na minha lista!
Anônimo disse…
Olá Kovacs tem um "selo" para você no porentreletras

Abraços Literários.
Marcos Miorinni
Anny disse…
Kovacs:
Uma bela indicação.
Obrigada!

Bjs
Anny
Caro Kovacs,

É sempre bom ler o que é escrito sobre Saramago. Seu texto sobre 'A Viagem do Elefante' está muito bom. Nunca será demais escrever sobre a obra do mestre português.

Abraços.
Pedro
Ricardo Duarte disse…
Kovacs,
Eis mais uma falha no meu currículo: nunca li Saramago. Pretendo corrigir isso em breve com História do Cerco de Lisboa, que está na pilha a ler e do qual, pelo visto, você gostou, não?
Alexandre Kovacs disse…
Tempestade, por coincidência "Todos os Nomes" também foi o meu primeiro romance de Saramago, desde então já li quase todos os seus livros. Se eu fosse você iniciava o "Ensaio sobre a Cegueira" amanhã mesmo. Brincadeira, mas é um autor realmente fantástico!
Alexandre Kovacs disse…
JU Gioli, escrever sobre a fragilidade humana é mesmo uma característica da obra de Saramago. Especialmente no "Ensaio sobre a Cegueira", onde ele escreve sobre o que há de melhor e pior no homem.
Alexandre Kovacs disse…
Garota D, com relação ao romance "Intermitências da Morte" também considero uma fábula maravilhosa e criativa. Ver a resenha da edição online da revista "New Yorker". Não consegui colar o hiperlink aqui, mas é só buscar pelo interessante título em inglês: "Death Takes a Holiday"!
Alexandre Kovacs disse…
Marcos, muito obrigado pela gentileza. Gosto muito de fazer amizades por aqui e conversar sobre literatura. É a melhor recompensa pelo esforço em manter este espaço.
Alexandre Kovacs disse…
Anny, você vai gostar com certeza. Eu garanto, pode comprar!
Alexandre Kovacs disse…
Pedro, muito obrigado pelo comentário gentil, especialmente vindo de um amante da literatura. A sua publicação sobre este livro também ficou ótima.
Alexandre Kovacs disse…
Ricardo, "Memorial do Convento" e "História do Cerco de Lisboa" são os melhores romances históricos já escritos. Na verdade essas obras ultrapassam muito esta simples classificação.

Especificamente sobre "história do Cerco de Lisboa" recomendo que você complemente a leitura com o seguinte estudo crítico: "Roami, Gerson Luiz - No limiar do texto - literatura e história em José Saramago - Selo Universidade Nº 183 - Annablume Editora".

Não há espaço aqui para maiores detalhes sobre este romance, vale uma resenha especial e detalhada. Vou esperar a sua!
Anônimo disse…
Olá! Estou honrada em ter você acompanhando meu blog, seja bem -vindo!!!
Adorei o espaço de cultura e bom gosto aqui, vou virar freguesa...rsrs

Abraço!
Caro Kovacs, com certeza lerei o "Viagem..." prontamente, pois tuas resenhas sao uma ordem. Por acaso acabei de ler no domingo o Todos os Nomes. Depois te digo o que pensei.
Alexandre Kovacs disse…
Clarinha, obrigado pela visita e comentário gentil, seja bem-vinda por aqui. Não há como não acompanhar um blog com um título criativo como "troxeste a chave?".
Alexandre Kovacs disse…
Caro Chico, que tal uma resenha sua sobre "Todos os Nomes"? Seria ótimo para que eu lembrasse um pouco mais este romance já lido há uns bons dez anos atrás...
Anônimo disse…
Kovacs, tua descrição do livro nos dá uma vontade imensa de lê-lo, é tão rica e detalhada. Saramago é um gênio da literatura, um orgulho para a língua portuguesa.
Obrigada por ter visitado o Jardin durante minhas férias.
Um abraço.
Críssia Paiva disse…
Olá Kovacs!

Já havia lido algo a respeito deste livro, mais superficialmente, mas confesso que seu post me deixou intrigada para me adentrar mais uma vez no delicioso e delicado universo de Saramago.

Um abço
ARMANDO MAYNARD disse…
Quero, e ajudado agora com seu estímulo, dando mais gosto a obra já consagrada deste grande escritor português, ler sepecificamente este romance, ou melhor, como ele o chama, conto, do grande, pesado e sabido Salomão. Recentemente a obra do Saramago despertou muita curiosidade, ajudada pelo filme do Fernando, fazendo com que muito mais gente passasse a conhecê-lo. Vamos todos beber mais esta criação, deste que é uma fonte inesgotábel de imaginação. Um cético incorrigível, que ver a vida como uma comédia de enganos.
Estar aqui presente
Com estas palavras
Luzentes brilhantes…
É como flutuar
Em águas calmas
E no fundo ver diamantes

Um bom fim-de-semana
Inundado de paz…

O eterno abraço…
Alexandre Kovacs disse…
Maria Augusta, o "Le Jardin Éphémère" recebeu muitas visitas em sua ausência. Aguardamos agora muitas postagens criativas, como sempre. Seja bem-vinda.
Alexandre Kovacs disse…
Corydora, uma chance de mergulhar mais uma vez no universo de Saramago. Uma recomendação sem possibilidade de erro.
Alexandre Kovacs disse…
Armando, conforme comentei é uma obra sem a complexidade de outros romances de Saramago, mas que vale a leitura sem dúvida. Todo o sarcasmo ou ceticismo, como você bem destacou, está presente neste livro. Boa definição a sua: "uma comédia de enganos".

Com relação a Fernando Meirelles é um brasileiro que nos deixa muito orgulhosos, sempre.
Alexandre Kovacs disse…
Manzas, obrigado pelo bonito comentário. As letras, por vezes, bem que parecem diamantes, um jardim de diamantes. Seja bem-vindo por aqui!
Barros (RBA) disse…
Kovacs,
Com certo atraso, trago agora minha admiração pelo belo trabalho que você nos presenteia. Sua resenha está excelente como sempre.
Já li alguns livros de Saramago e como vc bem sabe também sou seu fã. A lista de livros a ler só aumenta, mas um dia eu chego lá.
Iza disse…
Essa noite sonhei que o nosso querido Saramago estava na casa de uma pessoa que eu conheço aqui conversando comigo. Lembrei de vc que é tão fã quanto eu.
Um abraço
Anônimo disse…
Kovacs, quem vos fala é Rafael Reinehr, do condomínio de blogs d'O Pensador Selvagem. Seu nome foi fortemente aventado como convidado a participar de nossa rede de blogs.

Realizo este primeiro contato para verificar seu interesse para então lhe explicar mais detalhadamente a proposta.

Deixo à disposição o e-mail contato arroba opensadorselvagem ponto org e aguardo seu contato.
Alexandre Kovacs disse…
Barros, obrigado pelo incentivo e fico feliz que tenha gostado! Obrigado pela visita sempre bem-vinda.
Alexandre Kovacs disse…
Izabella, somos todos fãs de Saramago com certeza! Obrigado pela visita e também pela lembrança.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Rafael Reinehr, primeiramente gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho na rede "O Pensador Selvagem", tenho acompanhado de perto vários blogs da minha área de interesse e sempre fico muito satisfeito com o conteúdo publicado.

O simples fato de ter o meu nome cogitado para participar já me deixa muito orgulhoso, mas infelizmente não conseguirei manter o nível de qualidade dos outros participantes, devido ao tempo necessário.

Entrarei em contato de qualquer maneira, mas já deixo aqui o meu agradecimento pelo convite.
Alexandre Kovacs disse…
PreDatado, também sou um leitor compulsivo de Saramago e concordo que está aquém de outras obras do mesmo autor, mas ainda assim muito superior ao atual nível de qualidade da literatura contemporânea.
Isabel Pinheiro disse…
Prezado Kovacs, há algum tempo eu não fazia a ronda pelos blogs amigos e vi que vou precisar de um bom tempo para me atualizar em seus posts! Que bom, é sempre bacana encontrar uma produção extensa esperando pela gente.
E, olha, até eu que tenho "medo" do Saramago fiquei com vontade de ir devorando tudo depois de ler "A viagem do elefante". O Salomão é mesmo apaixonante! Um abraço, Isabel
Alexandre Kovacs disse…
Isabel, fico feliz com a sua visita, pois é uma leitora voraz e será sempre bem-vinda por aqui. Que bom ter gostado deste Saramago!

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