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Mostrando postagens de abril, 2021

Constança Guimarães - Como se a gente conseguisse medir o tamanho do escuro

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Constança Guimarães - Como se a gente conseguisse medir o tamanho do escuro - Editora Urutau - 122 Páginas - Capa e Diagramação de Victor Prado - Lançamento: 2020. No livro de Constança Guimarães as memórias são pontos de partida para o fazer poético e, ao costurar ficção e realidade com muita sensibilidade, ela me faz lembrar da polonesa Wislawa Szymborska quando, por exemplo, dá vida aos objetos da casa: "a mesa redonda / que fica na varanda / do apartamento onde moro / pequena ela / tem uns três palmos de diâmetro / medi / nem tão pequena se pensar bem // é redonda a mesa e quase alta / pelo que entendo de altura de mesa / que é quase nada / ela alcança / o meio da minha coxa / se estou de pé // a mesa tem três pernas e é velha / não vale discussão // ela é velha [...]" Ou ainda quando destaca as pequenas epifanias do cotidiano que podem passar despercebidas para quem não é poeta: "comprei aquela saia marrom / era um dia nublado / saio da loja com a sacola na mão / tã

André Mellagi - Interfaces

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André Mellagi - Interfaces - Editora Patuá - 112 Páginas. Projeto gráfico, diagramação e capa de Luyse Costa - Lançamento: 2019. André Mellagi nos apresenta uma antologia de contos sobre desaparecimentos e desencontros, isolamento e inadequação. Enfim, tudo aquilo que vivenciamos em um mundo idiotizado pelas redes sociais, no qual permanecemos conectados e, contudo, cada vez mais solitários. Os personagens aqui buscam algum tipo de ilusão para as suas próprias desesperanças, um alívio qualquer que os faça esquecer por algum tempo da rotina, mesmo sabendo que, na manhã de uma quarta-feira de cinzas, "todos dormem e os gritos das úlceras ainda adormecem no tique-taque de bombas-relógio",  uma tentativa de fugir de  uma vida cujo único objetivo é sobreviver. Com base em uma variedade de técnicas, o autor surpreende pela forma e conteúdo. Em  Interfaces ,   conto que empresta o título ao livro, uma sequência de parágrafos em terceira pessoa, sem qualquer diálogo, conecta os perso

Kátia Borges - A teoria da felicidade

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Kátia Borges - A teoria da felicidade - Editora Patuá - 156 Páginas - Capa, projeto gráfico e diagramação de Alessandro Romio - Lançamento: 2020. Os nossos autores e autoras souberam construir uma sólida tradição na arte de escrever crônicas com uma habilidade inata de expressar opiniões sobre os mais variados temas, alguns bastante complexos, de forma leve e bem-humorada. Como já comentei por aqui, a crônica é um texto que, normalmente, por mais interessante que seja, já nasce predestinado a uma breve existência nos meios de comunicação impressos ou digitais, além da ameaça de se tornar precocemente datado, devido à velocidade do noticiário atual, principalmente no campo político, onde novas publicações mudam as expectativas e opiniões polarizadas do grande público em poucos dias ou até mesmo horas, infelizmente nem sempre com o devido embasamento. A seleção de crônicas neste mais recente lançamento de Kátia Borges é voltada para temas mais pessoais a partir da experiência de vida da

Rebecca Solnit - Recordações da minha inexistência

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Rebecca Solnit - Recordações da minha inexistência - Editora Companhia das Letras - 264 Páginas - Capa de Tereza Bettinardi - Tradução de Isa Mara Lando - Lançamento: 2021. A escritora, historiadora e ativista norte-americana Rebecca Solnit se tornou mundialmente conhecida a partir do sucesso de público e crítica do seu livro de 2017:   Os homens explicam tudo para mim . Neste best-seller, que se tornou um importante marco na defesa do feminismo, ela descreve um episódio cômico no qual um homem passou uma festa inteira falando de um livro que “ela deveria ler” , sem lhe dar chance de dizer que, na verdade, ela era a autora. Este ensaio acabou inspirando a expressão "mansplaining" , geralmente creditada a ela, que significa explicação condescendente feita por homens para mulheres supostamente menos qualificadas. As motivações e consequências da publicação deste que é considerado hoje um dos clássicos do pensamento feminista contemporâneo, assim como muitas outras passagens da

Vanessa Vascouto - Terra dentro

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Vanessa Vascouto - Terra dentro - Editora Reformatório - 96 Páginas - Capa de Eduardo Kerges Design e editoração eletrônica: Negrito Produção Editorial - Lançamento: 2020. O romance, ou novela, de Vanessa Vascouto, tem como cenário  uma região rural, não situada no tempo e espaço, onde ocorre  uma história de amor com desfecho trágico. Contudo, mais importante do que a sinopse da trama, é a experiência literária proposta pela autora, ou seja, a forma como a narrativa é conduzida em primeira pessoa e alternadamente entre três irmãos, assim como a construção de cada uma dessas vozes a partir de uma linguagem que demonstra ritmo e expressão próprias, utilizando para isso elementos da prosa, poesia e dramaturgia.  Rita "não bate bem" devido a um trauma do passado, apesar de ser a mais sensível entre os irmãos. A sua narrativa é feita na forma de fragmentos ou delírios em contraponto a uma goteira constante na casa (tic, tic, tic) que representa a decadência e a passagem do tempo

Natércia Pontes - Os tais caquinhos

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Natércia Pontes - Os tais caquinhos - Editora Companhia das Letras - 215 Páginas - Capa: Ale Kalko​ - Imagem de capa: Falconeira, de Julia Debasse, 2013, acrílica sobre linho, 140 x 78 cm. Reprodução de Rafael Salim - Lançamento: 2021. Certamente você já conheceu ou, até mesmo, conviveu com um acumulador compulsivo, uma pessoa que não consegue se desfazer de coisas supostamente inúteis, tais como embalagens de presentes, caixas de papelão, jornais, revistas, agendas e calendários velhos, copos de geleia ou requeijão usados e toda sorte de objetos que, aos poucos, passam a dominar os ambientes da casa. Lúcio, um dos personagens do recém-lançado romance de Natércia Pontes, sofre deste tipo de distúrbio psíquico, mais conhecido como transtorno do colecionamento.  Lúcio convive com as duas filhas jovens, Abigail e Berta, em um apartamento próximo à praia em Fortaleza que se transformou em uma espécie de aterro sanitário, onde todos dividem o espaço com as quinquilharias e os insetos. O rom

Jozias Benedicto - Aqui até o céu escreve ficção

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Jozias Benedicto - Aqui até o céu escreve ficção - Editora Patuá - 172 Páginas Projeto gráfico e diagramação de Leonardo Mathias - Lançamento: 2020. Lendo a deliciosa autoficção de Jozias Benedicto nesta antologia de contos – obra vencedora do Prêmio Literário 2018 do Governo do Maranhão –, me ocorre um sentimento de melancolia ao perceber que as nossas melhores lembranças são sempre o resultado de um pouco de fantasia, uma adaptação do que realmente aconteceu, como na famosa autobiografia de  Gabriel García Márquez, Viver para contar , citada por Antonio Carlos Lima no prefácio deste livro: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la." Assim, já não precisamos saber o que é verdade ou ficção, mas isso importa verdadeiramente? Acho que não. Os contos são inspirados, em sua maioria, na infância e juventude do autor na cidade de São Luís do Maranhão, mas é importante ressaltar que se tratam de memórias nada confiáveis. Afinal, n