Leon Tolstoi - Guerra e Paz
Leon Tolstoi - Guerra e Paz - Prestígio Editorial - 03 volumes - 1349 páginas - Publicação 2002 - Tradução de Gustavo Nonnenberg, com base na versão francesa.
Leon Tolstoi (1828-1910) escreveu um dos romances mais completos e marcantes da literatura universal, talvez só comparável à Ilíada ou Odisséia, na sua grandeza épica. Embora Guerra e Paz não consiga alcançar o nível de aprofundamento psicológico obtido pelo autor em Ana Karenina, por outro lado, poucas vezes um povo recebeu um legado artístico tão apaixonado. O romance compreende o período de 1805 a 1813, descrevendo, em retrospectiva histórica, a campanha de Napoleão na Áustria, a invasão da Rússia, a tomada de Moscou e, finalmente, a trágica retirada das tropas francesas durante o inverno russo. A narrativa tem início durante um período de paz, onde Tolstoi destaca com ironia a futilidade da sociedade russa da época, nos salões de baile de São Petersburgo onde, apesar da ameaça de guerra imposta pelo avanço de Napoleão na Europa, a aristocracia local, sob forte influência cultural do inimigo, insistia em falar francês.
Pedro Bezukhov, um dos personagens principais do romance, é uma expressão do alter ego de Tolstoi. Filho ilegítimo de um nobre russo, foi educado no exterior e retorna para a Rússia ao mesmo tempo em que passa a ser o único herdeiro de uma grande fortuna. Entretanto, Pedro não consegue se adaptar ao meio nobre em que é forçado a conviver e busca incessantemente um sentido espiritual e filosófico para a sua vida. Pedro não é guiado pela razão e, na maior parte das vezes, acaba tomando atitudes intempestivas com base em seu estado emocional, como, por exemplo, quando acaba sendo convencido a se casar com a bela e vazia Helena Kuriaguine ou mesmo quando decide assassinar Napoleão durante a invasão de Moscou.
O príncipe André Bolkonski, embora sendo o melhor amigo de Pedro Bezukhov, tem uma personalidade contrastante, pois enquanto Pedro é simples e até mesmo ingênuo no trato das questões práticas da vida, André tem uma mente pragmática e é extremamente devotado ao país. Ele participa das batalhas principais da campanha da Rússia como ajudante de ordens do velho general Kutuzov, personagem histórico e que, segundo Tolstoi foi o maior responsável pela libertação da Rússia devido à sua estratégia militar de humildade e paciência que conseguiu finalmente derrotar Napoleão.
Tolstoi descreve as batalhas de Austerlitz e Borodino com rigor de detalhes para concluir que a conquista ou derrota não está no desenvolvimento de planos lógicos e detalhados pelos generais, mas sim na sucessão de eventos incontroláveis que forçam os estrategistas, muitas vezes interessados apenas em suas próprias carreiras, a mudar as táticas de acordo com a lei do acaso. Neste contexto, Tolstoi apresenta uma visão desmistificada de Napoleão e do imperador russo Alexandre I. Napoleão, principalmente, é sempre caracterizado como um líder arrogante e ambicioso.
Os personagens femininos são muito bem construídos em Guerra e Paz, a exemplo da jovem e encantadora Natacha Rostov, cuja autenticidade na busca da própria felicidade fará com que seja corrompida pela sociedade, traindo o amor sincero de André Bolkonski. Natacha se arrependerá de seu erro no decorrer do romance.
A tradução indireta do francês é sempre um limitador para a originalidade da prosa russa o que, no caso desta edição, foi ainda mais comprometido por uma revisão final decepcionante. Mesmo assim, a obra de Tolstoi consegue elevar-se como um dos maiores clássicos já escritos pelo homem em homenagem aos povos, coisas do século XIX.
Comentários
Até hoje ainda não descobri exatamente a finalidade deste espaço, mas acho que já fazemos coisas demais em nossas vidas com base em objetivos práticos.
Acho que o único objetivo por aqui é não perder o contato com as coisas e pessoas que eu gosto, principalmente a nossa família, por mais estranho e contraditório que isto possa parecer.
Obrigado pela visita e volte sempre!
Mas mais uma vez, não posso deixar de parabenizá-lo pelo belo trabalho que você apresenta neste espaço. Acho que já há condições de pensar seriamente em publicar algo com base no material deste blog.
Certos romances modernos, como por exemplo as obras de Virginia Woolf e William Faulkner, para citar apenas dois exemplos, são muito mais difíceis de ler e compreender, apesar do menor número de páginas.
Obrigado pelo elogio, fico muito contente de encontrar os amigos por aqui.
Enfim... uma beleza de resenha. Como sempre.
Grata pela visita, e aquela coisa toda.
PS: estou lendo Neve e coloquei lá no Lady, a capa da ediçao americana, pois a nossa... sinceramente... o livro não merece.
PS2: E vou aproveitar o embalo pra reler este danado por estes dias.
Gostaria de ler a sua resenha quando acabar de ler "Neve". Achei muito diferente de "Meu Nome é Vermelho", mas sem dúvida o gênio de Pamuk também está presente, mais político e contemporâneo, contudo sempre poético.
ótima resenha. Leon Tolstoi é um daqueles escritores que precisam ser lidos. Uma das leituras ditas universais e eternas.
bjs.
JU Gioli
Bem... entra em minha infindável lista para os próximos meses (anos).
O filme, Lady, passou na Net e eu perdi.
Porém eu amo muito Tolstoi. Tenho um livro de cabeceira desse gênio intitulado "Pensamentos para uma vida feliz", onde o escritor reuniu pensamentos das maiores obras da literatura, religião e filosofia. Para cada dia do ano, um prazer que encanta o espírito.
Ofereço a você e seus leitores, um dos pensamentos de hoje - 17 de abril:
'SEM UMA CLARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DA VIDA, SEM FÉ, SERÁ POSSÍVEL A QUALQUER UM, A QUALQUER MOMENTO, REPUDIAR O BEM E COMEÇAR A ADORAR O MAL.'
Beijo Kovacs.
Kovacs vc já fez resenha do Corcunda de Notre Dame?
Estou com vontade de comprar e queria ver a resenha primeiro.
Abraço
Uma ocasião escrevi para um tradutor dele - de uma outra obra, Calendário da Sabedoria - para saber quem era aquele autor que ele citava e do qual eu não conseguia ter nenhuma referência. (Estava curioso, ou sou curioso, não consigo saber, ainda.) Ouvi como resposta que a biblioteca de Tolstoi (aproximadamente 50.000 volumes) era um trabalho à parte daquele da tradução. Que precisaria uma vida para consultá-la e fazer referências; o tradutor desanimou. É um professor de literatura de uma universidade do Canadá.
Esse é o homem, cuja lembrança você despertou com suas acolhedoras, sensíveis e precisas palavras. Obrigado. Abraços.
O movimento de milhões de homens do ocidente para o oriente e depois do oriente para o ocidente. A forma como esses homens pilharam, destruiram e se trucidaram não pode ser atribuída apenas à vontade de Napoleão ou Alexandre I.
Eu é que agradeço a oportunidade de destacar mais este ponto de Guerra e Paz, pois este espaço é insuficiente para uma obra tão completa e complexa.
Um dia crio coragem e encaro este monstro...
A sua resenha deu uma animada.
Abraços
Vossos leitores aguardam novas crônicas e análises literárias.
Já se passaram mais de 2 semanas de artigo mais recente.
Está de férias do Mundo de K??
Indignado, subscrevo-me.
Halevy.
A sua indignação é motivo de grande incentivo. Obrigado pela cobrança!
Enquanto não acho o Dai, estou neste endereço tentando um recomeço difícil (mão direita quebrada). Com a esquerda eu vou levando como posso.
Sê bem vindo :)
Beijo.
http://carva1.wordpress.com/
Beijo e tudo de bom, nobre Kovacs!
Já li "Os Miseráveis" e adorei.
Bjos.