Regina Taccola - Um cisne na noite

Literatura contemporânea brasileira

Regina Taccola - Um cisne na noite - Editora Jaguatirica - 82 Páginas - Imagem de capa de Nico Frey - Projeto gráfico e diagramação: 54 Design - Lançamento: 27/03/2019.

Um cisne na noite é o terceiro livro de contos da médica psicanalista Regina Taccola, depois dos elogiados: Uma Tarde Embalada pelo Mar (Editora Frutos, 2016) e Vida Louca (Editora Chiado, 2017), novamente a autora nos leva a um mergulho na zona do inconsciente ao resgatar as suas próprias memórias afetivas e vivências no bairro em que cresceu, Ipanema. Disputado ponto turístico e um dos polos artísticos e culturais mais famosos do Rio de Janeiro, a região, assim como todo o país, não tem conseguido escapar da insegurança provocada pelos altos índices de criminalidade e violência.

A paisagem urbana do Rio apresenta uma realidade que não pode ser ignorada. Após décadas de políticas públicas inadequadas as comunidades carentes ocupam territórios densamente povoados e sem condições básicas de infraestrutura ao lado de áreas privilegiadas da cidade, universos tão próximos e distantes. Os extremos de pobreza e riqueza, acentuados pela desigualdade econômica e social, estão presentes nos contos que podem ser lidos como crônicas porque relatam, com muita poesia, a vida possível que ainda acontece, apesar de tudo.

A ficção pode ajudar a refletir sobre o mundo em que vivemos. A epígrafe deste livro, muito bem escolhida por sinal, é um poema da polonesa Wislawa Szymborska, A alegria da escrita, que nos fala com tanta beleza sobre o poder do escritor e da mágica da literatura: "Um pestanejar vai durar quanto eu quiser, e se deixar dividir em pequenas eternidades [...] "Sem meu querer nem uma folha cai, nem um caniço se curva", uma forma linda de descrever o divino trabalho de criação do autor que pode extrapolar os limites da arte, quando guarda "O poder de preservar a vingança da mão mortal", como afirma a última e surpreendente frase do poema.

Na verdade, ao utilizar diferentes épocas em suas narrativas, Regina Taccola, mostra como o cotidiano do bairro foi afetado em relação a um tempo em que ainda existiam casas em Ipanema, um tempo em que até mesmo "os ladrões eram mais ingênuos". No conto "O 94", uma casa representa a passagem do tempo, quando os parentes "morrem ou apenas partem" e os herdeiros vendem a antiga propriedade que se torna uma academia de ginástica, nada mais representativo deste bairro em constante transformação, nem sempre para melhor.
"A casa está viva. Jardineiras onde vicejam flocos de todas as cores, muito bem cuidadas, enfeitam as janelas. Delicadas papoulas abrem pétalas de seda quase transparentes, a rodear os fícus. Ela gosta de pisar nos pequenos frutos que as árvores distribuem pelo chão e escutar seus estalinhos. A casa é um sobrado de dois andares. Seu quarto, no segundo andar, dá vista para o pequeno retângulo de cimento, a área de serviço. A cama encosta-se na parede recortada pela janela. No verão a trepadeira de jasmins que circunda esse janelão se enche de pequenas estrelas, o perfume invade seus sonhos e a faz suspirar." (p. 69)
Neste seu livro mais recente, o olhar da autora também está atento a outras regiões do Brasil como o interior de Minas Gerais (Viagem a Minas) ou Amazonas (A moça) e até mesmo do exterior, seja na África (Safari) ou na linda região do Mediterrâneo na Itália (Aconteceu em Anacapri). Um dos contos mais bonitos é o que empresta o título ao livro, Um cisne na noite, descrição de um caso de sonambulismo muito peculiar ocorrido em Belo Horizonte em 1956, quando algumas "escapadelas noturnas" da jovem Antonieta, caminhando pelos telhados das casas, "com seus 15 anos e seu olhar de infinito" colocam em risco a própria segurança e, principalmente, os bons costumes da cidade.
"Vagava, felina, pelos telhados das casas, depois desceu pelos galhos de um flamboyant florido, provocando intensa chuva de flores vermelhas. Algumas ficaram presas em seu cabelo. Olha no travesseiro, ainda pode ter alguma esmagada lá. [...] Dizem que andando sobre os tetos das casas o vento colou sua camisola branca de rendinhas no corpo e exibiu-lhe os seios. Sem a menor noção de perigo, caminhava como quem sonha naquela madrugada cheia de bêbados. O vento leste, caprichoso, desenhou a camisola como asa, era um cisne na noite." (pp. 49 e 50)

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Comentários

sonia disse…
K, acho que foi essa foto da moça andando pelos telhados com uma camisola branca que vi na revista Manchete e me lembro até hoje. Tinha apenas 11 anos e fiquei impressionadíssima com esse "cisne branco". Era uma foto em branco e preto.
Abraço, Sônia

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