André Luiz Pinto - migalha
André Luiz Pinto - migalha - Editora 7Letras - 72 Páginas - Posfácio de Tarso de Melo - Coordenação Editorial: Isadora Travassos - Lançamento: 2019.
A poesia de André Luiz Pinto reflete a estranheza e o desconforto de uma época sem heróis, um mundo globalizado, contudo estéril de ideias e ideais. Fazemos parte, querendo ou não, de uma geração que pensa construir uma "revoluçao sem sair da poltrona", por meio de uma rebeldia que se limita a postagens de repúdio nas redes sociais. E assim ficamos, cada vez mais conectados, ironicamente solitários e isolados, ou alguém ainda duvida disso?
Esta é a dolorosa matéria-prima com a qual o poeta escolheu trabalhar: a insignificância e a violência de um tempo sem esperança, opção que fica clara em um estilo minimalista de versos curtos, mas que o leitor não se engane com a pretensa simplicidade, a surpresa vem quando menos se espera, como no poema que empresta o título ao livro: "Fiz como você pediu / cortei o poeta / em versos / e os espalhei / em um prédio abandonado / numa caixa d'água vazia / pra ninguém saber".
Ironia? Sem dúvida, mas sem cicuta.
Cada um sonha com a revolução que merece
Revolução sem sair da poltrona.
Amor em não sair do lugar.
Um post em repúdio à ação da polícia.
Sonho (apenas sonho) com muitas formas de rebeldia.
Politizado sim, "Está verde e amarelo / como vômito e pus" e sempre com um olhar crítico sobre a sociedade, "De que adianta abrir persianas / se a paisagem se esquadrinha por grades?" ou ainda no poema Sugestão: "Depois de levar o filho ao zoológico, não esqueça de o levar também a uma prisão. / Assim o garoto terá uma visão completa das espécies esquecidas.", mas, por vezes, a abordagem do poeta se torna pessoal, na urgência da superação necessária "para curar a vida", como no poema abaixo.
Pensa que está livre, sossegado
no entanto só depois descobre
a casa foi construída na areia
Os fantasmas serão encarados, sozinho
em meio à maré cheia
Despedidas não te livram do fracasso
emoções não marcam hora.
A razão talvez seja: entender que acabou
e que a saudade pode ser saudável
e que superar pode ser necessário
para curar a vida
O caráter hermético demanda algumas vezes mais de uma leitura para completa percepção dos poemas que parecem se acomodar, vencido o desconforto inicial do leitor. Não é uma poesia fácil, longe disso, tanto na técnica aplicada quanto na escolha dos temas. Afinal, por que devemos ler livros assim? Não sei responder a esta pergunta, mas continuo lendo e só posso garantir que é um belo exemplo de literatura.
Os latidos
dos cães pela rua
a neblina que cobre a cidade
De que adianta abrir persianas
se a paisagem se esquadrinha por grades?
Com a cidade cercada por nuvens
talvez seja mais simples
é o frio que continua queimando
o mofo que chega no quarto
nódoas de vazio
Sobre o autor: André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Vila Isabel, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC. Casado com Cristina Melo, pai de Tales Melo da Rocha. É autor de: Flor à margem (1999), Um brinco de cetim / Um pediente de de satén (Maneco, 2003), Primeiro de Abril (Hedra, 2004), ISTO (Espectro Editorial, 2005), Ao léu (Bem-te-vi, 2007), Terno Novo (7Letras, 2012), Mas valia (Megamíni, 2016), Nós os Dinossauros (Patuá, 2016).
Esta é a dolorosa matéria-prima com a qual o poeta escolheu trabalhar: a insignificância e a violência de um tempo sem esperança, opção que fica clara em um estilo minimalista de versos curtos, mas que o leitor não se engane com a pretensa simplicidade, a surpresa vem quando menos se espera, como no poema que empresta o título ao livro: "Fiz como você pediu / cortei o poeta / em versos / e os espalhei / em um prédio abandonado / numa caixa d'água vazia / pra ninguém saber".
Ironia? Sem dúvida, mas sem cicuta.
Cada um sonha com a revolução que merece
Revolução sem sair da poltrona.
Amor em não sair do lugar.
Um post em repúdio à ação da polícia.
Sonho (apenas sonho) com muitas formas de rebeldia.
Politizado sim, "Está verde e amarelo / como vômito e pus" e sempre com um olhar crítico sobre a sociedade, "De que adianta abrir persianas / se a paisagem se esquadrinha por grades?" ou ainda no poema Sugestão: "Depois de levar o filho ao zoológico, não esqueça de o levar também a uma prisão. / Assim o garoto terá uma visão completa das espécies esquecidas.", mas, por vezes, a abordagem do poeta se torna pessoal, na urgência da superação necessária "para curar a vida", como no poema abaixo.
Pensa que está livre, sossegado
no entanto só depois descobre
a casa foi construída na areia
Os fantasmas serão encarados, sozinho
em meio à maré cheia
Despedidas não te livram do fracasso
emoções não marcam hora.
A razão talvez seja: entender que acabou
e que a saudade pode ser saudável
e que superar pode ser necessário
para curar a vida
O caráter hermético demanda algumas vezes mais de uma leitura para completa percepção dos poemas que parecem se acomodar, vencido o desconforto inicial do leitor. Não é uma poesia fácil, longe disso, tanto na técnica aplicada quanto na escolha dos temas. Afinal, por que devemos ler livros assim? Não sei responder a esta pergunta, mas continuo lendo e só posso garantir que é um belo exemplo de literatura.
Os latidos
dos cães pela rua
a neblina que cobre a cidade
De que adianta abrir persianas
se a paisagem se esquadrinha por grades?
Com a cidade cercada por nuvens
talvez seja mais simples
é o frio que continua queimando
o mofo que chega no quarto
nódoas de vazio
Sobre o autor: André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Vila Isabel, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC. Casado com Cristina Melo, pai de Tales Melo da Rocha. É autor de: Flor à margem (1999), Um brinco de cetim / Um pediente de de satén (Maneco, 2003), Primeiro de Abril (Hedra, 2004), ISTO (Espectro Editorial, 2005), Ao léu (Bem-te-vi, 2007), Terno Novo (7Letras, 2012), Mas valia (Megamíni, 2016), Nós os Dinossauros (Patuá, 2016).
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