Yukio Mishima - Confissões de uma máscara

Literatura japonesa
Yukio Mishima - Confissões de uma máscara - Editora Companhia das Letras - 200 Páginas - Tradução do japonês de Jaqueline Nabeta - Capa de Silvia Ribeiro - Lançamento: 2021.

Yukio Mishima (1925-1970) levou ao limite a relação entre literatura e realidade, tendo cometido o suicídio ritual dos samurais, seppuku, conhecido vulgarmente no ocidente como harakiri em uma cerimônia completa que foi concluída com a sua decapitação por um assistente. Ele é considerado, juntamente com Yasunari Kawabata (prêmio Nobel de 1968) e Junichiro Tanizaki, um dos grandes nomes da literatura japonesa moderna. O primeiro sucesso de Yukio Mishima foi Confissões de uma máscara, lançado em 1949, romance de teor autobiográfico no qual um jovem homossexual tenta se convencer de que pode mudar as suas opções sexuais e a própria essência para atender aos padrões de comportamento da rígida sociedade japonesa.

Narrado em primeira pessoa, este torturado romance de formação está inserido no contexto de uma nação dominada pela morte e o desepero, durante e após a Segunda Grande Guerra. O autor utiliza um tom confessional raramente alcançado na literatura para descrever a solidão de um protagonista, pressionado pela família para que se comportasse como um menino, iniciando, desde muito cedo, uma representação que não o agradava: "Foi a partir dessa época que comecei a compreender vagamente o mecanismo segundo o qual o que parecia ser uma representação aos olhos das pessoas era para mim expressão da necessidade de retornar a minha própria essência, ao passo que o que parecia a todos o meu jeito natural de ser era, na realidade, uma encenação." 

"Eram as tropas militares que passavam em frente de casa, retornando do treinamento. Soldados gostam de crianças, e eu ficava sempre na expectativa de ganhar deles cartuchos vazios. Mas como minha avó me proibira de aceitá-los, dizendo que eram perigosos, a essa expectativa acrescia-se certa alegria furtiva. A marcha surda das botas pesadas, os uniformes sujos, as armas formando uma floresta sobre os ombros, eram suficientes para fascinar qualquer criança por completo. Porém, o que fazia com que me sentisse daquela maneira, motivando-me veladamente a querer ganhar os cartuchos, era apenas o cheiro do suor dos soldados. O suor dos soldados – um odor como a brisa do mar, como o ar da orla marítima, torrado da cor do ouro –, aquele cheiro golpeou minhas narinas e me embriagou. Talvez essa tenha sido minha primeira lembrança de um odor. É lógico que não havia aí nenhuma relação direta com prazeres sexuais, mas o cheiro do suor foi aos poucos despertando em mim o anseio tenaz e sensual por coisas como o destino dos soldados, a natureza trágica de sua profissão, suas mortes, os países distantes que veem..." (pp. 17-18)

As opções sexuais do protagonista, Kochan, são muito claras, inclusive para ele, quando ainda na escola se apaixona platonicamente por um colega mais velho ou ainda pelas escolhas estéticas desde a infância, contudo não concretiza nenhum relacionamento com outros homens, sempre envolvido em dissimulações ou máscaras para evitar as escolhas: "Na minha infância eu lia todo tipo de conto de fadas que me caísse nas mãos, mas não gostava das princesas. Só gostava dos príncipes. E sobretudo daqueles que eram assassinados, ou os quais o destino reservava a morte. Amava todos os jovens que eram mortos." 

"Fazia mais de um ano que eu sofria o tormento de ser uma criança provida de um curioso brinquedo. Tinha treze anos de idade. O brinquedo aumentava de volume à menor oportunidade, sugerindo que, dependendo de como eu o utilizasse, poderia ser algo muito prazeroso. Mas em nenhuma parte se viam escritas instruções de uso, e por isso, quando ele tomava a iniciativa de brincar comigo, era inevitável que eu não soubesse o que fazer. [...] Resovi então atentar para suas inclinações com mais imparcialidade. E ao observá-lo desse modo, percebi que o brinquedo já possuía um gosto defiido e inconfundível, ou seja, obedecia à sua própria ordem. A natureza desse gosto combinava lembranças interligadas e acrescidas às de minha infância: jovens com seus corpos à mostra vistos em praias no verão, nadadores na piscina dos jardins externos do Santuário Meiji, o rapaz moreno que se casara com minha prima, heróis valentes de várias histórias de aventuras. Até aquele momento, eu misturava indiscrinadamente esse tipo de gosto com outro, estético, de natureza poética." (pp. 33-34)

A predileção pelas imagens masculinas é acrescida também por uma tendência aos temas de violência e sadismo, como os desenhos de jovens samurais rasgando seus ventres, cenas de batalhas sangrentas nos livros de história, lutadores de sumô e assim por diante, até que uma reprodução de 'São Sebastião', de Guido Reni, demonstrando um jovem de rara beleza, amarrado a uma árvore com as mãos cruzadas no alto e o olhar de profunda tranquilidade, apesar das setas que rompiam sua carne rígida, provoca a primeira ejaculação do protagonista, e também o início do "desajeitado e impremeditado mau hábito".

Apesar de todas as evidências em contrário, Kochan se convence de que existe a remota possibilidade de uma vida "normal" conforme os padrões da sociedade e as exigências familiares e dá início a uma relação com Sonoko, irmã do melhor amigo. A situação se complica quando o inocente namoro leva a um potencial pedido de casamento, despertando uma crise pessoal no protagonista que precisa definir até quando pode manter essa incômoda máscara.

"E logo uma outra voz, sombria e insistente, ridicularizava-me. Havia nela uma honestidade quase febril, um sabor humano que eu jamais experimentara até então. Bombardeou-me com rápidas e sucessivas lanças. É amor? Está bem. Mas você sente desejo por mulheres? Não estaria se iludindo, dizendo a si mesmo que somente nela não tinha nenhum 'interesse vil', tentando esquecer-se de que você nunca sentiu desejo por mulher nenhuma? será que está qualificado a usar o adjetivo 'vil? Teve alguma vez o desejo de ver uma mulher nua? Já imaginou, pelo menos uma vez, Sonoko nua? Você, que é especialista em fazer analogias, já deve ter percebido por que um homem da sua idade quando vê uma jovem mulher não consegue deixar de imaginá-la nua, certo? Por que digo estas coisas? Tente perguntar ao seu coração. Que tal uma pequena correção na sua analogia? A noite passada, antes de pegar no sono, você não se entregou a um velho hábito? Pode dizer que é como uma prece, se quiser. Uma insignificante cerimônia pagã que todos praticam. Um sucedâneo não é tão desagradável de usar quando a gente se acostuma, certo? Sobretudo se se trata também de um calmante de pronto efeito. Mas com certeza não foi em Sonoko que você pensou, foi? [...]" (pp. 136-7)

Literatura japonesa
Sobre o autor: Yukio Mishima (1925-1970) era o nome artístico de Kimitake Hiraoka, que nasceu em Tóquio em 1925, onde teve uma infância problemática marcada por eventos que mais tarde influenciariam fortemente a sua literatura. Autor prolífico de contos, peças e ensaios, mas ganhou notoriedade como romancista. Autor de obras centrais da moderna literatura japonesa como O Pavilhão Dourado (Ler aqui resenha do Mundo de K) conquistou fama mundial ao lado de Yasunari Kawabata (prêmio Nobel de 1968) e Junichiro Tanizaki.

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