Alex Xavier - Não vai dar tempo

Literatura brasileira contemporânea
Alex Xavier - Não vai dar tempo - Editora Patuá - 136 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação de Leonardo Mathias - Lançamento: 2022.

Grandes nomes da literatura brasileira tiveram origem em redações de jornais e revistas: Machado de Assis, Lima Barreto, Rubem Braga, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes, João Ubaldo Ribeiro e Luis Fernando Verissimo, para citar apenas alguns.  O texto jornalístico, por mais interessante que seja, já nasce predestinado a uma breve existência nos meios de comunicação impressos ou digitais, além da ameaça de se tornar precocemente datado, devido à velocidade do noticiário atual.

A mais recente antologia de contos do jornalista e escritor Alex Xavier apresenta uma ideia genial, todas as 21 narrativas são construídas no limite entre a ficção e a realidade e conforme a divisão das editorias tradicionais de um jornal, por exemplo: Carta do leitor, Brasil, Política, Internacional, Ciência, Negócios, Cinema, e assim por diante; uma homenagem ao jornalismo com personagens e situações comuns deste universo: o motorista boa-praça que indica os melhores bares, o fotógrafo que não perde a imagem, a pressão para fechamento da edição, o improvável romance entre o meteorologista e a astróloga, as opiniões absurdas dos leitores, tudo isso na era da fake news.

"O Planalto não comentará as caluniosas afirmações de parte da imprensa a respeito do discurso do presidente. O que ele tinha para dizer já foi muito bem dito ontem na Assembleia Geral da ONU. [...] Aliás, o Planalto contesta que o presidente falou o que foi ouvido no vídeo de transmissão ao vivo, pois, como todos sabem, as imagens são editadas e, com as atuais tecnologias de manipulação de rostos e vozes, nem podemos afirmar com total segurança ser mesmo o presidente dizendo a frase, que foi mal traduzida, mal interpretada, mal resumida, mal analisada e mal utilizada e, mesmo se tivesse saído da boca dele, não teria nada de errado. Para terminar com essa controvérsia de uma vez por todas, esperando que os jornalistas presentes tenham a competência de respeitar a estrutura deste comunicado, o presidente não disse o que disseram que ele disse." - Trecho do conto "Falou e disse", Seção Política (pp. 26-7)

Os contos são extremamente bem-humorados, mesmo que este humor seja um tanto nervoso, ácido ou carregado de ironia, mas não é culpa do autor – ou do jornalista – se nem sempre a matéria é simples e agradável e a ficção tem dificuldade para competir com os absurdos frequentes do noticiário, exigindo cada vez mais técnica, imaginação e originalidade. Mesmo assim, Alex Xavier emociona o leitor com um lirismo inusitado em algumas passagens, sejam elas de origem real ou imaginária como, por exemplo, em "Por onde anda?" no qual um repórter esportivo tenta reencontrar um obscuro craque do passado com um final surpreendente.

"Para um menino de 12 anos, só se podia tremer diante de Ivan, o Terrível. Radialista, meu pai me levou ao Maracanã para ver Zico, Nunes e Junior. Acabamos embasbacados pelo futebol de um jovem atacante paraguaio de 1,90 m, olhos maiores do que o rosto, nariz fino e profundas saboneteiras nos ombros. Após empatar duas vezes o jogo contra o nosso Flamengo, ele atuou no gol do Sportivo Luqueño na última meia hora porque o goleiro deles foi expulso e o clube já havia feito as substituições permitidas. Mesmo estabanado, defendeu cinco bolas espíritas. E na disputa por pênaltis realizou outros três milagres. Mais tarde, conseguimos ir até a entrada do vestiário dos visitantes, e Iván Sanabria ficou emocionado quando aquele garotinho gaguejou ao pedir seu autógrafo na camisa rubro-negra. Ele retornou ao seu país com propostas do Brasil e eu fui para casa sonhando ser jogador." - Trecho do conto "Por onde anda?", Seção Esporte (p. 73)

Um livro afiado e maduro que prende o leitor desde o início com textos que confirmam a conexão entre jornalismo e literatura, uma escola muito bem representada por escritores brasileiros de todas as épocas que, de alguma forma, iniciaram suas carreiras na louca correria para o fechamento de pautas em uma redação. De qualquer forma, como afirma o protagonista de "Tudo que você precisa fazer para não fazer nada", um dos contos mais divertidos desta antologia: "Vai dar tempo, sempre dá. Desconheço um jornal ou revista que tenha chegado às bancas com página em branco porque o repórter não conseguiu entregar a matéria."

"Todo mundo precisa de um bar para chamar de seu, daqueles que você sente ciúmes se mais alguém se considera frequentador. O meu segundo lar era conhecido como Leitão, um boteco camuflado entre imóveis sem função na Barra Funda, em uma rua de três quadras que começava sob um pontilhão habitado por mendigos e terminava em um terreno baldio usado como depósito por catadores de papelão. Bem numa esquina, a porta se ocultava atrás de um poste com uma placa de proibido estacionar, o "E" apontado para baixo. Além dos cabos da rede elétrica, saía dele um emaranhado de gatos, fios para todos os lados, como um desenho de criança. Nenhum nome na fachada. Nada que sugerisse um bem-vindo. Era perfeito." - Trecho do conto "Seu nome gritava vingança", Seção Bares (p. 80)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Formado em Jornalismo em 1997, o paulistano Alex Xavier trabalhou nas redações da revista Veja São Paulo e do jornal O Estado de São Paulo e colabora, como freelancer, com muitos outros veículos em diversas áreas. Como escritor de ficção, lançou o livro O Teatro da Rotina (2018, Patuá) e participou das coletâneas Não Pretendia Criar Discórdia (2017, Giostri), Eros Ex Machina (2018, Alink), Era de Aquária (2019, Oito e Meio), Ruínas (2020, Patuá), Isolamento (2020, Caos e Letras), Kriptovisões do Futuro (Alink, 2020) e Mundo-Vertigem (Alink, 2020). 

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Não vai dar tempo de Alex Xavier

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