O céu e o inferno de William Blake

The Virgin Hushing the Young John the Baptist (1799) - William Blake
The Virgin Hushing the Young John the Baptist (1799) - William Blake

William Blake (1757-1827) foi um tipo raro de artista que, por meio de visões místicas, tanto em suas poesias quanto ilustrações, inventou uma realidade própria com um senso de moralidade e religiosidade que ainda hoje desafia o nosso entendimento. Os livros eram sempre ilustrados pelo próprio William Blake que os imprimia por meio de um processo de prensagem desenvolvido por ele e denominado "Impressão Iluminada" para colecionadores privados ou para livreiros de Londres (ler postagem do Mundo de K sobre "O Livro de Urizen"). As ilustrações também eram feitas para obras clássicas como "O livro de Jó" da Bíblia e "A Divina Comédia" de Dante Alighieri. A verdade é que seus próprios livros e textos nunca foram apreciados na época, sendo considerados como estranhas criações de uma mente perturbada.

A "The William Blake Gallery", localizada em São Francisco, EUA, é a primeira galeria no mundo dedicada unicamente à sua obra (com exceção do espaço criado pelo próprio Blake em 1809 em Londres e que fechou no mesmo ano por não ter vendido um único trabalho). Assim como ocorreu com outros grandes artistas incompreendidos em seu tempo, as obras de Blake acabaram influenciando as gerações futuras, por exemplo abrindo as portas da percepção de Aldous Huxley e chegando até Jim Morrisson, um caso raro de poesia do século XVIII que se transformou em inspiração no Rock. Isto prova que o legado artístico de William Blake continua atual e, por isso, alcança hoje altos valores no mercado de arte. Clique aqui para ter acesso ao catálogo da exposição na versão pdf.

Satan Smiting Job with Sore Boils (1826) - William Blake
Satan Smiting Job with Sore Boils (1826) - William Blake

Em "O Matrimônio do Céu e do Inferno" (1790-3), uma "sequência de paradoxos" que mais parece um evangelho ao contrário em algumas partes, deve ter sido incompreensível para os leitores da época. Neste livro temos um dos poemas mais importantes na história da literatura, criado por um homem que podemos chamar de profeta ou louco, místico ou imoral, como se queira. "Proverbs of Hell" ("Provérbios do Inferno" em tradução de Ivo Barroso) é uma obra enigmática que José Antônio Arantes definiu muito bem no trecho abaixo, parte da apresentação da edição de 1995 da Iluminuras: 
"Blake parece nos desprezar, quando na verdade apenas nos provoca. Suas ideias, misturadas a arquétipos — valores espirituais e etapas do desenvolvimento do espírito —, se expressam em paradoxos, visando a subversão dos conceitos cristãos em nós enraigados, atraindo-nos para sua convicção de que a dicotomia (Bem = Alma = Céu; Mal = Corpo = Inferno) é causa da infelicidade humana. Apenas a integração dessas duas faces seria a fonte da felicidade plena. O recurso usado por ele foi privilegiar a imaginação e relegar a segundo plano a razão, limitadora do Gênio Poético." (pág. 11) - "O Matrimônio do Céu e do Inferno" e "O Livro de Thel" - Editora Iluminuras
Provérbios do Inferno
(William Blake, tradução de Ivo Barroso)

Na semeadura aprende, na colheita ensina, no inverno desfruta.

Conduz tua carroça e o arado sobre os ossos dos mortos. 

O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.

A prudência é uma solteirona rica e feia cortejada pela incapacidade.


Quem deseja e não age, procria a pestilência.


O verme perdoa o arado que o cortou.


Enterre-se no rio aquele que ama as águas.


Um tolo não vê a mesma árvore que um sábio vê.


O homem cuja face não brilha jamais se tornará um astro.


A Eternidade está de amores com as produções do tempo.


A abelha diligente não tem tempo para lástimas.


As horas da insensatez são medidas pelo relógio, mas as da sabedoria relógio algum pode marcar.


Todo alimento sadio se consegue sem armadilha ou rede.


Pássaro algum voa alto demais se o faz com as próprias asas,


Um corpo morto não refuta injúrias.


O ato mais sublime consiste em colocar alguém antes de si.


A Loucura é o manto da velhacaria.


A Vergonha é o manto do Orgulho.


As prisões são erguidas com as pedras da Lei e os Bordéis com os tijolos da Religião.


O orgulho do pavão é a glória de Deus.


A luxúria do bode é a generosidade de Deus.


A fúria do leão é a sabedoria de Deus.


A nudez da mulher é a obra de Deus.


O excesso de tristeza, ri; o excesso de alegria, chora.


O rugir dos leões, o uivar dos lobos, o estrondo do mar tempestuoso, e o gládio destruidor são porções de eternidade grandes demais para o olhar humano.


A raposa condena a armadilha, e não a si mesma.


Alegrias fecundam, tristezas procriam.


Que o homem use os despojos do leão e a mulher o tosão das ovelhas.


Ao pássaro o ninho, à aranha a teia, ao homem a amizade.


O tolo egoísta e sorridente; o tolo carrancudo e triste serão ambos considerados sábios se servirem de exemplo.


O que hoje está provado não passava ontem de imaginação.


O rato, o camundongo, a raposa, o coelho espreitam as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante espreitam os frutos.


A cisterna contém: a fonte transborda


Um pensamento enche a imensidade,


Fala sempre o que pensas e os vis te evitarão.


Tudo o que é crível é uma imagem da verdade.


A águia perdeu todo o seu tempo se deixando ensinar pela gralha.


A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.


De manhã, pensa; de dia, age; de tarde, come; de noite, dorme.


Quem permite que o imponhas é porque te conhece.


Assim como o arado obedece a palavras, assim Deus recompensa as preces.


Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.


Espera veneno das águas paradas.


Só se sabe o que é bastante depois de se saber o que é demais.


Escuta a censura dos tolos! É um privilégio de reis!


Os olhos do fogo, as narinas do ar, a boca da água, a barba da terra.


O fraco em coragem é forte em astúcia.


A macieira nunca pergunta à faia como crescer, nem o leão ao cavalo como abater sua presa.


Quem recebe agradecido produz colheita abundante.


Se outros não tivessem sido tolos, nós é que o seríamos.


A alma do doce deleite jamais será maculada,


Quando vês uma Águia, vês uma porção do Gênio. Ergue tua cabeça!


Como a lagarta escolhe as folhas mais belas para lançar seus ovos, assim o padre lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.


Criar uma pequena flor exige o trabalho de séculos.


A blasfêmia, distende; a bênção, afrouxa.


O melhor vinho é o mais velho, a melhor água a mais nova.


As preces não aram! Os louvores não colhem.


As alegrias não riem! As tristezas não choram!


A cabeça Sublime, o coração Pathos, o sexo a Beleza, as mãos e os pés Proporção.


Assim como o ar ao pássaro e o mar ao peixe, seja o desprezo ao desprezível.


O corvo gostaria que tudo fosse preto, a coruja que tudo fosse branco.


Exuberância é Beleza.


Se o leão fosse aconselhado pela raposa, acabaria astuto.


O Progresso constrói estradas retas, mas as estradas tortuosas sem Progresso são os caminhos do Gênio.


Antes matar um infante no berço do que acalentar desejos reprimidos.


Onde o homem falta, a natureza é estéril.


A verdade não deve ser dita para ser apenas compreendida, e não acreditada.


Bastante! Ou demais.

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