Caixa comemorativa – Vinte anos do Nobel de José Saramago

Literatura portuguesa
Caixa comemorativa – Vinte anos do Nobel de José Saramago - Editora Companhia das Letras - 488 Páginas - Capa e projeto gráfico: Claudia Espínola de Carvalho - Lançamento: 19/12/2018.

Em comemoração aos 20 anos do Prêmio Nobel de Literatura para José Saramago, a Companhia das Letras lançou uma caixa comemorativa composta por dois livros: O diário inédito do autor (Cadernos de Lanzarote VI), escrito durante o ano em que receberia o Nobel de literatura, 1998, e o livro do jornalista Ricardo Viel (Um país levantado em alegria), também uma espécie de diário, mas neste caso de cunho jornalístico, sobre os bastidores da premiação e as repercussões em Portugal e no mundo.

Os livros se complementam porque justamente nos dias que sucederam à notícia de que José Saramago era o primeiro (e até hoje único) autor em língua portuguesa a ser agraciado com o Nobel de Literatura, desde a sua criação em 1901, a avalanche de compromissos, entrevistas e outras solicitações, fizeram com que, neste período, o autor não tivesse o devido tempo para atualizações no seu diário.

De qualquer forma, o lançamento é oportuno e não oportunista, como alguns poderiam imaginar, já que o pensamento humanista de José Saramago parece se tornar cada vez mais lúcido e necessário em uma época de globalização que leva ao "pensamento único" ou como tão bem descrito nas palavras do próprio autor em certo trecho do diário: "Vivemos já no tempo do 'pensamento zero', que é pior que o 'pensamento correto'. Que haja pessoas a pensar? Não duvido. Simplesmente ninguém lhes dá atenção..."

Literatura portuguesa
José Saramago - Cadernos de Lanzarote VI 
Foto da capa: Sebastião Salgado (Lanzarote, 1996)

O nome da série de diários é uma referência à ilha de Lanzarote, do arquipélago das Canárias, onde Saramago viveu desde 1993, em uma espécie de exílio voluntário, após a censura em Portugal do seu romance mais polêmico: O Evangelho segundo Jesus Cristo, até sua morte em 2010, aos 87 anos. No início de 2018, oito anos depois de sua morte, foram encontrados em um antigo computador os textos inéditos do ano de 1998, quando Saramago recebeu o prêmio Nobel de literatura. 

Neste último caderno de Lanzarote, Saramago escreve suas reflexões sobre crítica literária, posições políticas, sua vida em Lanzarote com a mulher, Pilar del Rio e responde a cartas de leitores e amigos, assim como comenta alguns trechos de seus próprios romances, no meu entendimento as melhores partes do diário.

Sobre O Evangelho segundo Jesus Cristo: "Uma leitora alemã, Maria Schwenn, de Offenbach, escreve-me para dizer que ao ler em 'O Evangelho segundo Jesus Cristo' a frase: 'Homens, perdoai-lhe porque ele não sabe o que fez', sentiu desejo de imitar o Raimundo Silva da 'História do cerco de Lisboa', mudando de lugar o 'não', para ficar assim: 'Homens, não lhe perdoeis, porque ele sabe o que fez'. Como se verifica, Maria Schwenn foi muito mais longe do que eu, pondo na boca de Jesus as palavras que são provavelmente a conclusão lógica do romance e que o autor não se atreveu, ou, melhor dizendo, nem tal coisa lhe passou pela cabeça. Não há dúvida de que certos leitores, de tão bons que são, dariam escritores ótimos, capazes realmente de descer ao fundo das coisas. A partir de agora, remate cada leitor o livro como melhor lhe parecer." (pp. 90 e 91)

Sobre Todos os nomes: "[...] Penso que cometemos um erro grave quando esquecemos os nossos mortos, crendo que essa é uma maneira de negar a morte. Também tentamos negar a velhice quando retiramos os velhos da vida afetiva e social. Nesse momento começamos a esquecê-los. Como está escrito em 'Todos os nomes', só o esquecimento é morte definitiva. Aquilo que não foi esquecido continua vivo e presente." (p. 206)

Sobre Ensaio sobre a cegueira: "Alguns leitores disseram-me ter sentido a presença do mal durante a leitura desse livro. Não creio que um simples romance possa chegar a tanto. E é perigoso falar do mal como algo exterior que tivesse sido posto no mundo com a missão única de nos atormentar para ver o que valemos, se lhe resistimos ou se nos deixamos levar por ele. Em meu entender, mal, bem, Deus, Diabo, todas essas supostas potências benignas e malignas que têm povoado a imaginação dos povos como presenças efetivas, só na nossa cabeça é que habitam, não têm realidade fora dela, ou só a têm como consequência dos nossos atos, isto é, são os nossos atos que põem no mundo a maldade, e às vezes (valha-nos isso) a bondade." (pp. 208 e 209)

Literatura portuguesa
Ricardo Viel  - Um país levantado em alegria
Foto da capa: Daniel Mordzinski (Paris, 1998)

Neste livro, o jornalista Ricardo Viel relembra dia a dia os procedimentos da Academia Sueca antes do anúncio, os bastidores da premiação, a grande festa em Portugal e algumas das mensagens mais interessantes que chegaram de todo o mundo de escritores, políticos e leitores.

Embora o nome de Saramago estivesse entre os favoritos para o Nobel já há algum tempo, a notícia da premiação o pegou de surpresa, longe da família, em uma sala de embarque no aeroporto de Frankfurt. "Não esperava como não o esperei em todos os anos anteriores. Até lhe direi mesmo mais, à medida que os anos vão passando e o prêmio não é atribuído, a esperança de vir a tê-lo vai diminuindo", declarou o autor. 

"No dia 8 de outubro de 1998, minutos depois de receber a notícia de que o Prêmio Nobel de Literatura lhe havia sido atribuído, José Saramago viu-se só, num imenso corredor de um aeroporto. Estava longe da companheira, muito distante da sua casa, do jardim onde passava os finais de tarde rodeado dos cães, e foi invadido por uma 'solidão agressiva' que nunca havia sentido. 'Deram-me o Nobel, e o quê?', diz que pensou, naquele momento, o escritor português. E percebeu que a alegria vinda com a notícia fora encoberta pelo fato de não ter com quem partilhar aquela conquista." (p. 15)

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