André Balaio - Quebranto

Literatura brasileira contemporânea
André Balaio - Quebranto - Editora Patuá - 128 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação de Luyse Costa - Lançamento: 2018.

Quando escrevemos sobre o gênero de terror ou sobrenatural é impossível não citar o atormentado mestre Edgar Allan Poe (1809-1849), o escritor que melhor soube representar o fascínio exercido pela morte e o nosso medo ancestral do desconhecido. Já na escola fantástica dos argentinos Borges e Cortázar, o assombro ocorre em situações comuns do cotidiano quando os contornos entre real e imaginário se confundem, surpreendendo o leitor. 

Nos treze contos desta antologia do pernambucano André Balaio ocorre uma fusão entre esses estilos. O autor parte de um texto de cunho regionalista, inclusive com citações a lendas urbanas populares no Recife, para tratar de sentimentos universais. O conto de abertura, por exemplo, "O lado de lá" (vencedor do prêmio Off FLIP 2016), já deixa explícito o caráter humanista e original que será desenvolvido no decorrer do livro. O leitor se depara com um parágrafo tecnicamete perfeito e que não oferece a menor pista sobre o desdobramento sobrenatural, contudo cumprindo a função básica de apresentar os personagens principais e suas características de personalidade com precisão e originalidade, requisitos de qualquer texto, independente do gênero literário.
"Quitéria ohava a réstia da lua nos cabelos brancos de Felício enquanto tentava acalmar o juízo. De que jeito? As ideias passavam pela porta, embolavam nos matos e atravessavam a cerca para o sítio do vizinho Clementino, amigo do casal há décadas que costumava visitá-los para um pouco de prosa, uma xicara de xá e um pedaço de bolo. Era viúvo há um ano e, desde então, estava muito diferente. Pedia água e a seguia até a cozinha, tocava sua mão fina ao segurar o copo, dizia coisas bonitas como na novela. Uma vez, foi só o marido ir ao banheiro para ele sussurrar, sou louco por você. Quitéria baixou os olhos. Que doidice, homem, perdeu o tino?" - Trecho do conto "O lado de lá" (p. 11)
Em "Quebranto", a narrativa é ambientada em uma fazenda onde a protagonista Lorena se faz passar por jornalista – com intenções que ficarão claras posteriormente – para ganhar a confiança do proprietário, um homem duro e dominador que mantem os funcionários e a própria filha sob o domínio do medo. Aqui o gênero fantástico funciona como uma alegoria para mostrar os sentimentos violentos dos personagens quando a vida do fazendeiro irá depender de uma consulta à Maria Altéia, uma velha que dizem ter mais de cem anos e que "desfaz mau olhado e quebra feitiço".
 "A voz guiou a vista de Lorena para cima, para um galho da árvore, onde se agarrava a velhinha miúda de vestido branco e cachimbo na boca que desceu pelo tronco com a rapidez de uma onça e esticou o braço à frente com a mão de pele grossa emborcada que a jovem, sem jeito, beijou. Não devia ter nem um metro e meio. Puxou Lorena pela mão e a fez sentar numa cadeira de vime, passeou lentamente o cachimbo pelo rosto e o cabelo da moça e riu da careta que ela fez por conta do fedor, foi para a cabeceira da mesa onde, em pé, com os punhos fechados apoiados na m adeira envelhecida, virou o rosto seco e vincado para a jovem. Foi nesta hora que Lorena percebeu como eram brancas as pupilas de Altéia e que um muco escorria de suas narinas." - Treho do conto "Quebranto" (p. 60)
Já "O resto é silêncio" tem como cenário um centro urbano, Recife, no qual personagens comuns são colocados em situações extremas devido aos sentimentos de cobiça e ódio. O conto, inspirado em Hamlet de William Shakespeare, tem como base o sentimento de vingança do protagonista Alberto que é transmitido pelo fantasma do pai assassinado quando lhe informa as verdadeiras condições de sua morte, considerada como acidente na época. Todos estão ligados por um destino trágico do qual não conseguem escapar.
"Na antessala, Alberto ouve sons de teclas pressionadas com força. Ao abrir a porta do velho gabinete, vê um homem sentado em seu lugar à frente do computador e percebe, apesar da escuridão, que é grisalho e usa bigodes, uma fisionomia familiar. Por um segundo, esquece que Doutor Alberto morreu, acende a luz com a esperança de que seja ele vivo. Não vê ninguém, mas ainda ouve cada vez mais alto o som do teclado. A luz se apaga sozinha e fica congelado na escuridão com o interminável tec tec tec. Vai à tela acesa do computador e vê a frase: estão rindo de você. Estão rindo de você. Estão rindo de você. Ad infinitum. A vista escurece, tenta se agarrar à escrivaninha em vão." - Trecho do conto "O resto é silêncio" (p. 110)
Sobre o autor: André Balaio é escritor e roteirista. Atualmente mora no Recife. "Quebranto" é seu primeiro livro de contos. Este livro foi finalista do Prêmio CEPE Nacional de Literatura 2017 e do Prêmio SESC de Literatura 2017 (neste, com o título "Noite Cega"). Foi também terceiro colocado no Concurso Internacional UBE RJ 2017. O conto "O lado de lá" foi  vencedor do prêmio Off FLIP 2016.

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