Zeka Sixx - Tudo o que poderíamos ter sido

Literatura brasileira contemporânea
Zeka Sixx - Tudo o que poderíamos ter sido - Editora Coralina - 216 Páginas - Diagramação, projeto gráfico e capa: Angel Cabeza - Lançamento: 2020.

Na cidade de Porto Alegre, em 2016, assim como em todo o país, ocorre um fenômeno de polarização política decorrente do processo de impeachment de Dilma Rousseff com reações na sociedade brasileira oscilando entre a alienação e o ódio. É este o cenário no qual Zeka Sixx posiciona seus personagens, representantes de uma classe média sem esperanças e vivendo em um eterno tempo presente de sexo, drogas e Rock'n Roll. O autor utiliza os recursos de uma linguagem coloquial e explícita, capturando a atenção do leitor com um estilo cinematográfico de alta velocidade narrativa, lembrando os textos de Clara Averbuck e a energia de Charles Bukowski.

Cada capítulo é conduzido em primeira pessoa, alternando vozes femininas e masculinas e pode ser lido de forma independente como se fosse um conto mas, aos poucos, as relações entre os personagens se tornam claras. Lola é atriz e DJ e atua como um elo entre os demais, sendo desejada por todos. Ela tem um comportamento libertário e não se interessa por relações duradouras, movida apenas por sexo e álcool, vive intensamente as noites intermináveis de Porto Alegre, que começam a cobrar o seu preço, mesmo tendo apenas trinta e dois anos. 

Bianca é uma jovem escritora "maldita" que obteve muito sucesso com romances envolvendo taras sexuais e prepara o lançamento de seu terceiro livro: A Era de Ouro do Pornô. Ela é a primeira a se relacionar com Lola e a apresenta para sua amiga Júlia que passou por problemas com o consumo de drogas. No trecho em destaque abaixo, Júlia descreve a sua viagem para a Tailândia, Bangkok, onde cometeu todos os excessos possíveis para esquecer um relacionamento anterior de quatro anos com Marcos, um partidário da extrema direita brasileira.
"O tempo vai passando e as coisas começam a se tornar confusas e embaralhadas. Vou ao mar, mergulho, volto, peço outro drinque. Repito a operação umas três vezes. Lá pelas tantas, começo a alternar drinques e cervejas, ou a tomar os dois ao mesmo tempo, não tenho certeza. O sol vai embora e, estranhamente, quanto mais escuro fica, mais gente chega à beira da praia. Os quiosques começam a ficar lotados, todos tocando música eletrônica. No Moonlight Beach Bar, não há mais qualquer rastro do gatinho sem sal, tampouco das excelentes canções que ele estava colocando; em seu lugar, três atendentes tailandeses discutem entre si e fazem o possível para atender a todos os clientes que agora superlotam o bar. Tochas são espalhadas pela areia, com o volume do techno – ou seria trance? – ficando cada vez mais alto. A praia vira uma espécie de rave a céu aberto." (p. 54)
Ao retornar para o Brasil, Júlia se apaixona perdidamente por Lola e fará todo o possível para conquistá-la. O trecho em destaque abaixo, narrado por Lola, descreve a aproximação entre as duas em uma casa noturna onde ela trabalha como DJ: "As pessoas dançam, esbarram umas nas outras, pulam, atiram bebida para cima, como se estivessem em um show de rock. Poucas coisas, para mim, superam esta satisfação de ter a pista de dança na palma da mão."
"E então, ofegante após o longo beijo, Júlia enfim revela sua verdadeira natureza. Sem qualquer pudor, ela se ajoelha, virada de frente para mim. Enfia as duas mãos por baixo da minha minissaia e puxa a calcinha para baixo, fazendo-a deslizar suavemente até o chão. Olho para baixo e vejo-a balançar a calcinha no ar, dando uma piscada zombeteira antes de guardá-la em sua bolsa, como se tivesse sido confiscada. Afasto um pouco minhas pernas para facilitar o seu trabalho. Em um primeiro momento, custo a acreditar que ela realmente vai levar isso adiante. Mas, pensando bem, por que não? Ela está totalmente protegida pelo balcão e pela mesa de som, que me cobrem até a altura do umbigo, mais ou menos. Admira-me o fato de que ao longo de todos esses meus anos como DJ, nenhum dos panacas aleatórios com quem fiquei tenha tido uma ideia brilhante dessas." (p. 113)
César, irmão mais velho de Júlia, é um típico "filhinho de papai" que se recusa a crescer e, com trinta e poucos anos, continua levando a mesma vida desde a adolescência. Sem ter conhecimento de que a irmã havia ficado com Lola, ele também tem a sua vez com a "rainha da noite" mas, depois de uma "performance sofrível" na cama, só consegue um segundo encontro devido ao interesse dela por sua maconha extra forte, tudo registrado nas redes sociais, é claro.
"Ela escolhe o famigerado filtro de cachorrinho, aperta o baseado entre os lábios, fazendo cara de má e batemos uma foto estilo casalzinho, cabeças encostadas e tal. O registro fica bom demais para permanecer no completo sigilo, então enquanto Lola segue degustando sua maconha anabolizada, eu posto a foto no Snapchat. Ao menos por vinte e quatro horas, todos saberão que alcancei o topo do mundo. Suspendi minha conta no Facebook faz uns seis meses, mais ou menos. Aquilo lá ficou insuportável. Admito: fui vencido pelos algoritmos. A partir do momento em que discussões sobre política e textões lacradores passaram a ser priorizados em detrimento de postagens mais amenas, como convites para festas, citações de músicas e livros, ou meros comentários sobre o cotidiano, pulei da barca. Nem para pegar mulher serve mais aquela porcaria. Já o Instagram e o Snapchat, estes sim ainda têm bastante serventia e, por enquanto, estão conseguindo ficar razoavelmente imunes aos flagelos que liquidaram o Facebook." (p. 132)
Destaque para a trilha sonora que merece até um resumo com todas as referências musicais de cada capítulo, desde os clássicos dos anos sessenta como Jimi Hendrix, The Doors e Rolling Stones, avançando no tempo com: The Clash, Blondie, The Kinks, Siouxsie & The Banshees, New Order, Pixies, David Bowie e muitos outros. O romance não tem a pretensão de se levar a sério, mas é autêntico e considero uma indicação certa de entretenimento, conseguindo atingir aquela ambicionada classificação: difícil de largar do início até o final.

Sobre o autor: Zeka Sixx é gaúcho, nascido em 1983, e mora em Porto Alegre. Além de escritor, é advogado e DJ (nas horas vagas). É autor também do livro de contos O Caminho dos Excessos (Edição do Autor) e do romance A Era de Ouro do Pornô (Editora Multifoco).

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