Barack Obama - Uma terra prometida

Livro de memórias
Barack Obama - Uma terra prometida - Editora Companhia das Letras - 764 Páginas - Tradução de Berilo Vargas, Cássio de Arantes Leite, Denise Bottmann e Jorio Dauster - Capa: Christopher Brand - Lançamento: 17/11/2020.

No primeiro volume de suas memórias, Barack Obama, explica em detalhes, mas sempre com uma linguagem simples e didática, os momentos marcantes de seu primeiro mandato e a improvável trajetória que o filho de um negro africano, com nome muçulmano e ideias socialistas, percorreu até chegar ao comando da Casa Branca por dois períodos consecutivos, de 2009 a 2017. Logo de início ele encontrou uma brutal crise financeira que desmontou a economia norte-americana e provocou uma recessão global, exigindo a articulação de um grande pacote de ajuda econômica que aumentou os gastos federais para a saúde, infra-estrutura, educação e incentivos fiscais.

Sem a maioria no Congresso, enfrentou muita oposiçao do Partido Republicano para conseguir a aprovação da Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente, mais conhecida como Obamacare, uma legislação que, entre outras coisas, tentava resolver o problema da falta de um sistema público de saúde nos Estados Unidos, proibindo as seguradoras de variar o preço dos planos com base no histórico clínico ou sexo e promovendo que todos deveriam aderir a um plano de saúde. Conseguiu revogar também a política "Não pergunte, não conte" que impedia gays e lésbicas assumidos a servir nas Forças Armadas. 

Mas as narrativas mais interessantes do livro se concentram na área de relações externas, na qual Obama conseguiu encerrar a participação dos norte-americanos na Guerra do Iraque, um grande errro do governo anterior de George W. Bush mas, por outro lado, aumentou a quantidade de tropas no Afeganistão e autorizou ainda uma intervenção armada na Guerra Civil Líbia. Surpreendentemente, até mesmo para ele, ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2009. Já em 2011, ordenou uma operação militar no Paquistão que resultou na morte de Osama bin Laden, conseguindo uma grande vitória na luta contra o terrorismo global iniciada após os ataques de 11 de setembro.

"Minha insistência no processo de decisão era fruto da necessidade. O que eu estava descobrindo rapidamente sobre a presidênca era que nenhum problema que aterrissava em minha escrivaninha, fosse nacional ou internacional, tinha uma solução 100% efetiva e sem efeitos colaterais. Se tivesse, alguém em algum ponto da cadeia de comando já teria resolvido a questão. Ou seja, eu estava sempre lidando com probabilidades: um risco de 70%, digamos, de que a decisão de não fazer nada resultaria em desastre; uma chance de 55% de que esta abordagem em vez daquela poderia resolver o problema (sem nenhuma chance de funcionar exatamente como pretendido); um risco de 30% de que, fosse qual fosse a decisão, não funcionaria, mais um risco de 15% de que agravaria o problema. Naquelas circunstâncias, buscar a solução perfeita levava à paralisia. Por outro lado, seguir os instintos quase sempre significava permitir que ideias preconceituosa, ou o caminho de menor resistência política, orientassem a decisão – ignorando os aspectos negativos e me concentrando só nos positivos para justificá-la." (p. 308)

O Brasil é citado em duas partes. Na primeira, Obama faz uma análise de cada um dos líderes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), comentando sobre o carisma de Lula, mas destacando também os problemas de corrupção de seu governo. Na segunda, descreve a sua viagem em 2011 para Brasília e Rio de Janeiro onde visitou com sua família a Cidade de Deus e o Cristo Redentor: "[...] eu compreendia também que a presença no Brasil era importante, em especial para os brasileiros de ascendência africana, que representavam pouco mais da metade da população do país e, como os negros nos Estados Unidos, sofriam o mesmo tipo de pobreza e racismo profundamente enraizado – ainda que com frequência negado."

"E apesar disso, percorrendo a mesa com os olhos no segundo dia da cúpula [G20 em Londres, abril de 2009], não pude deixar de me perguntar o que um papel maior para os BRICS na governança global poderia significar. O presidente brasileiro, por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva, tinha visitado o Salão Oval em março, causando boa impressão. Ex-líder sindical grisalho e cativante, com uma passagem pela prisão por protestar contra o governo militar, e eleito em 2002, tinha iniciado uma série de reformas pragmáticas que fizeram as taxas de crescimento do Brasil dispararem, ampliando sua classe média e assegurando moradia e educação para milhões de cidadãos mais pobres. Constava também que tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões." (pp. 352-353)

Sempre preocupado com a questão ambiental, diferente do governo posterior de Donald Trump, negacionista ao extremo, Obama enfrentou um dos piores desastres ambientais da história quando em abril de 2010, a Plataforma de perfuração semi-submersível de águas ultraprofundas, Deepwater Horizon da TransOcean e operada pela British Petroleum (BP), explodiu durante a perfuração do poço de Macondo no Golfo do México, matando 11 pessoas e provocando um vazamento estimado de 4 milhões de barris de petróleo em mar aberto.

Apesar do livro ter mais de setecentas páginas, a leitura flui com facilidade e há um bom equilíbrio entre os diversos assuntos abordados: política, economia, relações externas e assuntos pessoais, fazendo com que o leitor tenha um interesse continuado. É sempre difícil avaliar a História no momento em que ela é feita e mesmo o presidente dos Estados Unidos nem sempre pode realizar o que pretendia: "Compreendi que, apesar de todo o poder inerente ao cargo que ocupava, sempre haveria uma enorme distância entre o que eu sabia que era preciso fazer para chegar a um mundo melhor e o que eu me via realmente capaz de alcançar num dia, numa semana ou num ano."

"Olhando em retrospecto, às vezes me pergunto, como muitos outros antes de mim, que diferença fazem as características particulares dos governantes nos vastos movimentos da história – se aqueles de nós que ascendemos ao poder somos meros fios condutores das profundas e implacáveis correntes dos tempos ou se somos, pelo menos em parte, os autores do que está por vir. Pergunto a mim mesmo se nossas inseguranças, nossas esperanças, nossos traumas de infância ou nossas lembranças de inesperados gestos de bondade não têm tanta força quanto qualquer inovação tecnológica ou tendência socioeconômica." (p. 646)

Parece que o surgimento de um verdadeiro estadista é um fenômeno cada vez mais raro nos tempos sombrios em que vivemos e Barack Obama, com certeza, ainda continuará a participar do cenário político dos Estados Unidos por muito tempo. Um livro inspirador para começarmos o ano um pouco mais esperançosos.

Sobre o autor: Barack Obama foi o 44º presidente dos Estados Unidos, eleito em novembro de 2008 e reeleito para um segundo mandato. É autor de dois livros que entraram na lista de best-sellers do New York Times, Sonhos do meu pai e Audácia da esperança, e recebeu o prêmio Nobel da paz em 2009. Mora em Washington, DC, com a esposa, Michelle. Tem duas filhas, Malia e Sasha.

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