Michel de Oliveira - O amor são tontas coisas

Poesia brasileira contemporânea
Michel de Oliveira - O amor são tontas coisas - Editora Moinhos - 72 Páginas - Capa: Sergio Ricardo - Projeto Gráfico e Diagramação: Luís Otávio Ferreira - Lançamento: 2021

O mais recente lançamento de Michel de Oliveira, após o livro de contos O sagrado coração do homemfinalista do Prêmio Açorianos em 2019, é uma antologia de poemas e, quem diria, a poesia em tempos de pandemia ainda consegue falar de um amor sensual e sem pudores que, por vezes, me lembra os versos de Paulo Leminski (1944-1989): "que diferença faz / se por cima / ou por baixo / na frente / ou atrás / se cospe / ou me engole / o que importa / é mais" (p. 17) ou, em outras, o resgate do estilo bem-humarado e ingênuo de Cacaso (1944-1987): "tua solidão / é tão sozinha / que não consegue / encontrar a minha" (p. 47). Por sinal, Leminski e Cacaso fazem muita falta em tempos tão sombrios, dois poetas que nos deixaram muito cedo.

Para tratar de um tema já tão explorado na poesia universal, o autor buscou um enfoque menos formal e mais atual, a partir do título, O amor são tontas coisas, dividindo o livro em duas partes – desejos e destroços –, Michel de Oliveira nos mostra que o nosso amor pós-moderno pode ser tantas e tontas coisas, como no criativo poema inspirado em Zygmunt Bauman (1925-2017): "[...] Amor depende do meio líquido / corpo se derramando / pedindo que entre / agora / antes que seja tarde // A ebulição do sangue / faz a carne sólida / eu deságuo / você me bebe // Amor só cresce / em solução aquosa / suor / saliva / porra, Bauman" (p. 15)

Deixo com vocês três exemplos da poesia leve, mas ainda assim perturbadora, de O amor são tontas coisas para, quem sabe, preencher "a distância de dois vazios", receita certa para amar.

porno grafia (p. 10)

quem dera minhas palavras
suscitem algum desejo
pelo bom uso da língua
lambam os ouvidos em arrepio
desçam pelas costas tão certas
para penetrar rijas no centro
em papo reto
na fonte do medo
e por um instante
num tremor sem trema
falem de beijo em vocábulos gregos

lugar de silêncio (p. 25)

ai, fala
como posso chegar em
você sem dizer
nada?

acampar sem linguagem
pastar no vasto oco
que não é vazio?

como posso estar
sem precisar dizer?
habitar sem fazer
                            sala?

onde moro em você 
pousando leve?
sem barulho que 
perturbe o sono?

vai, fala
que eu calo

esquecimento (p. 70)

esqueci você
quando
vejo olhos pequenos
ouço Bach
é inverno

esqueci você
se
bebo leite condensado
leio Nabokov
estou no inferno

esqueci você
em
madrugadas de neblina
xícaras vazias
sonatas de piano

esqueci você
nas
cordas do violoncelo
ruas do centro
portas do cemitério

esqueci
esqueci mesmo
                        é sério

Sobre o autor: Michel de Oliveira é escritor, fotógrafo, artista visual, jornalista e doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS. Autor de O sagrado coração do homem (Moinhos, 2018 – finalista do Prêmio Açorianos) e de Cólicas, câimbras e outras dores (Oito e Meio, 2017 – finalista do Prêmio Sesc e da Maratona Carreira Literária); participou das antologias Como tudo começou: a história e 35 histórias dos 35 anos da Oficina de Criação Literária da PUCRS (ediPUCRS,2020) e Qualquer ontem (Bestiário, 2019).

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