Michel de Oliveira - O amor são tontas coisas
O mais recente lançamento de Michel de Oliveira, após o livro de contos O sagrado coração do homem, finalista do Prêmio Açorianos em 2019, é uma antologia de poemas e, quem diria, a poesia em tempos de pandemia ainda consegue falar de um amor sensual e sem pudores que, por vezes, me lembra os versos de Paulo Leminski (1944-1989): "que diferença faz / se por cima / ou por baixo / na frente / ou atrás / se cospe / ou me engole / o que importa / é mais" (p. 17) ou, em outras, o resgate do estilo bem-humarado e ingênuo de Cacaso (1944-1987): "tua solidão / é tão sozinha / que não consegue / encontrar a minha" (p. 47). Por sinal, Leminski e Cacaso fazem muita falta em tempos tão sombrios, dois poetas que nos deixaram muito cedo.
Para tratar de um tema já tão explorado na poesia universal, o autor buscou um enfoque menos formal e mais atual, a partir do título, O amor são tontas coisas, dividindo o livro em duas partes – desejos e destroços –, Michel de Oliveira nos mostra que o nosso amor pós-moderno pode ser tantas e tontas coisas, como no criativo poema inspirado em Zygmunt Bauman (1925-2017): "[...] Amor depende do meio líquido / corpo se derramando / pedindo que entre / agora / antes que seja tarde // A ebulição do sangue / faz a carne sólida / eu deságuo / você me bebe // Amor só cresce / em solução aquosa / suor / saliva / porra, Bauman" (p. 15)
Deixo com vocês três exemplos da poesia leve, mas ainda assim perturbadora, de O amor são tontas coisas para, quem sabe, preencher "a distância de dois vazios", receita certa para amar.
porno grafia (p. 10)
quem dera minhas palavrassuscitem algum desejopelo bom uso da língualambam os ouvidos em arrepiodesçam pelas costas tão certaspara penetrar rijas no centroem papo retona fonte do medoe por um instantenum tremor sem tremafalem de beijo em vocábulos gregoslugar de silêncio (p. 25)
ai, falacomo posso chegar emvocê sem dizernada?acampar sem linguagempastar no vasto ocoque não é vazio?como posso estarsem precisar dizer?habitar sem fazersala?onde moro em vocêpousando leve?sem barulho queperturbe o sono?vai, falaque eu caloesquecimento (p. 70)
esqueci vocêquandovejo olhos pequenosouço Baché invernoesqueci vocêsebebo leite condensadoleio Nabokovestou no infernoesqueci vocêemmadrugadas de neblinaxícaras vaziassonatas de pianoesqueci vocênascordas do violonceloruas do centroportas do cemitérioesqueciesqueci mesmoé sério
Sobre o autor: Michel de Oliveira é escritor, fotógrafo, artista visual, jornalista e doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS. Autor de O sagrado coração do homem (Moinhos, 2018 – finalista do Prêmio Açorianos) e de Cólicas, câimbras e outras dores (Oito e Meio, 2017 – finalista do Prêmio Sesc e da Maratona Carreira Literária); participou das antologias Como tudo começou: a história e 35 histórias dos 35 anos da Oficina de Criação Literária da PUCRS (ediPUCRS,2020) e Qualquer ontem (Bestiário, 2019).
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