Pedro Augusto Baía - Corpos benzidos em metal pesado

Literatura brasileira contemporânea
Pedro Augusto Baía - Corpos benzidos em metal pesado - Editora Record - 112 Páginas - Foto de capa: Carambela de Rao Godinho - Lançamento: 2022

Os contos do livro de estreia do paraense Pedro Augusto Baía, vencedor do prêmio Sesc de Literatura edição 2022, têm como elemento de ligação a rotina de violência e destruição que domina a região norte do Brasil nos últimos anos. As narrativas demonstram o avanço do garimpo ilegal, impulsionado pela omissão do poder público na fiscalização para proteção do meio ambiente e dos povos indígenas, assim como a desigualdade social que perpetua o cenário de devastação atual, sem apresentar opções dignas de sobrevivência para a população local, restando apenas a migração. O regionalismo do autor assume um tom de urgência e denúncia, contudo sem perder o lirismo do texto literário ao aproximar ficção e realidade.

Em Tanimbuca, uma árvore emergente brasileira nativa da Amazônia, cuja madeira tem valor comercial, a motoserra assume um protagonismo que faz deste conto uma pequena joia da literatura contemporânea. Pedro Augusto Baía lida com a questão do impacto ambiental em contraponto ao duro cotidiano dos homens aprisionados na rotina do desmatamento, resumida no refrão: cortar, cortar, cortar. A solução para a região, sem dúvida, depende do difícil ponto de equílibrio entre essas três condições supostamente incompatíveis: ganho financeiro, direitos humanos e proteção ambiental, um desafio para as próximas gerações e governos.

"das minhas leituras contei somente para Iaci, que também quis saber como eu aprendi a ler, coitada, ficou descrente quando eu disse que foi promessa de minha mãe, pariu doze e não ia morrer sem ver o filho caçula assinar o nome, fez todas as travessias de canoa, remando mais de vinte quilômetros para me levar até a escola, ida e volta, cumprindo a promessa às escondidas do meu pai, enquanto ele não voltava do garimpo para me buscar, e quando voltou, foi mesmo só eu quem ele encontrou, a minha mãe não tinha mais alma no corpo, encolhida na rede, adoecida de mercúrio no sangue / depois foi a vez do meu pai, saiu do garimpo para ir derrubar ipê, o mercúrio foi dentro dele, deixou Iaci como herança" (p. 14) - Trecho do conto Tanimbuca

No conto Acremonium, o protagonista busca por oportunidades em Portugal para enviar algum dinheiro aos pais, "desde que continue a dormir em camas baratas" de onde observa a visão da mancha escura e aveludada dos fungos na parede: "Esse tipo que cresce na parede do meu quarto é o Acremonium, colônias resilientes que persistem após o apocalipse de cloro e água sanitária". Penso na inusitada comparação entre a teimosa colônia de fungos e a população da região norte vivendo o apocalipse diário do envenenamento dos rios e o genocídio das populações indígenas, um povo que precisa preservar a sua cultura e, para isso, depende da relação ancestral com a natureza.

"Há três meses tenho sido chamado para fazer reparos elétricos, o que torna a minha situação financeira um pouco melhor. Desde que cheguei a Portugal, já fui garçom, segurança, entregador de panfletos, motoboy, pedreiro, atendente e cuidador de idoso. E apesar desse currículo extenso, ainda tenho a esperança de um dia me tornar biólogo – confessei isso para a colônia de fungos antes de dormir. É um sonho de criança, mistura de cheiros, texturas, imagens e sons do quintal da casa dos meus pais à beira do rio Maratauíra; terra e rio, árvore de açaí, manga, jambo, mapará e caranguejo. Ficava fascinado quando abria os livros didáticos da escola e via as fotos microscópicas de plantas, frutas, fungos, vírus e bactérias; queria conhecer cada pedacinho daquelas estruturas , aprender sobre as suas comunicações, como os fungos conversam? Queria explorar a consciência das árvores, como sabem que irão ser exterminadas?" (p. 20) - Trecho do conto Acremonium

Já em Carne de boi, o autor surpreende com o belo diálogo entre Arú, um menino de apenas 12 anos que conduz a canoa com a irmã caçula. Os dois conversam sobre as lendas locais e a morte recente do avô quando encontram um boi sobrevivente do naufrágio de uma balsa. Os dois irmãos se unem para tentar esconder e salvar o animal do ataque faminto dos moradores. "Arú se sentou e encarou o bicho. Viu a sua própria imagem mirada naqueles olhos molhados, ele e a irmã, dentro da canoa, a água marrom e o céu azul. Arú não quis acreditar que aquilo fossem lágrimas. Mas de repente, sentiu-se livre para chorar. Chorou a morte do avô  e da avó, chorou por todas as vezes que precisou ser adulto."

"Hoje você entra no cemitério e mira a câmera do celular na minha sepultura, o retângulo de madeira enfiado na terra, o mato lardeando a cruz envelhecida. Você contempla as iniciais do meu nome, a tinta quase apagada. A sua mente cansada reconhece as iniciais, lidas incansavelmente na tela do seu notebook. / Durante os últimos meses em seu escritório na redação do jornal, você contemplava o meu nome e digitava detalhes (alguns) ao redor dele; checava as informações, planilhas, relatórios, mapas, folhas de pagamento. Você não desistiu, vasculhou o dossiê enviado anonimamente ao editor. Os documentos informavam que havia sido professora na escola da comunidade quilombola nos arredores da mineradora . Durante minha vida, recebi um salário irrisório, e não as cifras salariais invejáveis que constavam ao lado do meu nome na folha de pagamento do gabinete parlamentar do candidato à presidência do país." (p. 28) - Trecho do conto Reza benzida em metal pesado

Prêmio Sesc de Literatura 2022
Sobre o autor (texto de divulgação prêmio SESC): O paraense Pedro Augusto Baía, 35 anos, é analista judiciário (psicólogo) no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, com Doutorado em Psicologia Forense na Universidade de Coimbra. Nascido no município de Abaetetuba (PA), tem fascínio pela leitura e escrita desde a infância. “Comecei lendo livros escritos e publicados por autores independentes de minha cidade, em que o imaginário, a fauna, a flora e povos amazônicos são exaltados. A arte da escrita permaneceu comigo ao longo dos anos, amadurecendo. No ano de 2017, tive um conto premiado em um concurso regional promovido pelo TJ Pará, ocasião na qual finalmente passei a escrever com mais frequência”, relembra.

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