Juan Rulfo - O Galo de Ouro

Literatura mexicana
Juan Rulfo - O Galo de Ouro - Editora José Olympio - 192 Páginas - Tradução de Eric Nepomuceno - Lançamento: 12/02/2018.

O mexicano Juan Rulfo (1917-1986) é considerado um dos escritores mais influentes em língua espanhola do século XX, normalmente é citado também como um dos precursores do realismo mágico, movimento que ajudou a popularizar outros escritores latino-americanos nos anos sessenta e setenta, tais como: Gabriel Garcia Márquez da Colômbia e Mario Vargas Llosa do Peru, ambos honrados com o Nobel de Literatura. 

Contudo, a bibliografia de Juan Rulfo é limitada a apenas um livro de contos: "Chão em Chamas" de 1953 e um romance: "Pedro Páramo" de 1955. Ele não publicou nenhuma outra obra literária durante toda a vida, dedicando-se à fotografia e ao cinema. A interrupção da carreira de escritor não reduziu o interesse do público por seus livros, muito pelo contrário, fato semelhante ao ocorrido com o nosso mestre Raduan Nassar que vive recluso desde os anos 1980 quando abandonou a literatura após escrever dois romances: "Lavoura Arcaica" de 1975 e "Um Copo de Cólera" de 1978.

"O Galo de Ouro" foi Publicado em 1980 em uma descuidada edição com o título de "O Galo de Ouro e outros textos para cinema". A obra realmente serviu como base para o roteiro de um filme homônimo que foi lançado em 1964, mas basta lermos alguns parágrafos para constatar o teor literário e o correto enquadramento do texto como novela ou romance breve. Na verdade, faz parte daquele seleto grupo de clássicos que atingiram o status de literatura universal partindo de uma visão regionalista, que poderia ser localizada no nordeste brasileiro, em uma remota região na Sibéria, ou na savana africana, mas que refletem os sentimentos que identificamos (ainda) como humanos.

O protagonista, Dionisio Pinzón, é um dos homens mais pobres de San Miguel del Milagro, um povoado no interior do México, portador de um "braço entrevado sabe-se lá por quê", vive sozinho com a mãe velha e doente, obtendo o sustento por meio de uma profissão muito peculiar, ele é "pregoeiro" (ler o trecho citado abaixo) e "gritador" em rinhas de galo. A sua sorte, no entanto, está para mudar quando ele decide cuidar de um galo ferido e já desenganado pelo proprietário, depois de uma luta feroz. A recuperação do galo coincide com a morte da sua mãe, "doente de miséria", e a decisão de abandonar o povoado, após precisar enterrá-la em uma tosca gaiola feita por pedaços de madeira apodrecida da porta de casa, já que nem mesmo para o enterro da mãe ele tinha dinheiro.
"Longe, tão longe que não se entendiam suas palavras, ouvia-se o clamor de um pregoeiro. Um desses pregoeiros de vilarejo, que vão de esquina em esquina gritando a descrição de algum animal perdido, de um menino perdido, de alguma moça perdida... No caso da moça a coisa ia mais longe porque, além da data do desaparecimento, era preciso dizer quem era o sujeito suspeito de tê-la roubado, e para onde havia sido levada, e se havia reclamação ou abandono por parte dos pais. Isso era feito para que todo mundo ficasse sabendo o que acontecera, e para que a vergonha obrigasse os fugitivos a se unirem em matrimônio... Com relação aos animais, era obrigação do pregoeiro sair para procurá-los quando o pregão descrevendo o animal não desse resultado, ou o trabalho não seria pago. (...) Quem exercia o ofício dessa forma era Dionisio Pinzón, um dos homens mais pobres de San Miguel del Milagro. Morava num casebre quase em ruínas no bairro do Arrabal, com a mãe, doente e velha mais por causa da miséria que por causa dos anos." (Págs. 17 e 18)
A morte da mãe marca o primeiro ponto de inflexão no destino de Dionisio Pinzón que, revoltado com a sua vida miserável, parte do povoado onde nasceu levando apenas "um pacote com seus trapos, e debaixo do braço, encolhido, protegido do vento e do frio, o galo dourado". Deste ponto em diante, o autor nos leva a conhecer a região rural do México com suas remotas localidades, cidades, povoados e arraiais, as festas tradicionais onde é comum a briga de galos, os jogos de cartas e muita bebida. Dionisio Pinzón passa a ganhar dinheiro em apostas com o seu galo dourado e se apaixona pela cantora Bernarda Cutiño, conhecida nas rinhas de galo como La Caponera, o destino dos dois é um só, na verdade ela será um "imã da sorte" ajudando-o se transformar em um homem ainda mais rico e proprietário de terras.
"A tal de Bernarda Cutiño era uma cantora de fama imensa, de muita garra e muita fibra, e, do mesmo jeito que cantava, era de muito alvoroçar, mas não facilitava para ninguém, pois quem se metesse com ela além da conta era bronca na certa. Forte, bonita e dura na queda e dona de um gênio instável, sabia entregar sua amizade a quem se mostrasse amigo. Tinha olhos relampejantes, sempre úmidos, e voz rouca. Seu corpo era ágil, firme, e quando levantava os braços os seios pareciam querer arrebentar o sutiã. Usava saias amplas de percal estampado, de cores berrantes e cheias de pregas, um xale de seda e flores nas tranças do cabelo. No pescoço, pendurava colares de coral e de contas coloridas; tinha os braços cobertos de pulseiras e nas orelhas grandes brincos ou enormes argolas de ouro. Mulher de temperamento forte, aonde quer que fosse levava o seu jeito alegre, e era boa para cantar corridos e canções antigas." (Pág. 48)
Um dos temas centrais do romance é a fragilidade do destino, as oscilações da sorte que pode mudar rapidamente, como acontece durante um jogo de cartas ou em uma rinha de galos, levando os homens da pobreza à riqueza, mas nem sempre representando uma garantia de felicidade. Assim ocorre com Dionisio Pinzón neste romance, a sua vida passará por muitas mudanças, mas será possível manter a sorte e o amor ao mesmo tempo? Nesta eterna ilusão da "roda da fortuna", que representa a nossa própria vida, existirá uma chance para escaparmos da solidão? Será que vale a pena apostarmos mais do que podemos pagar?
"Desde aquele dia Dionisio Pinzón e Bernarda Cutiño vagaram pelo mundo, de feira em feira, alternando as brigas de galos com a roleta e o baralho. Parecia que a união dele com La Caponera tinha acentuado a sorte e aumentado o ânimo de Dionisio, pois sempre parecia seguro no jogo, como se conhecesse antecipadamente o resultado. (...) Havia descoberto, e agora confirmava, que estando com ela perder era difícil, e por isso arriscava muito mais do que poderia pagar, desafiando o destino que sempre o favorecia." (Pág. 65)
Um pequeno grande livro que merecia há algum tempo esta edição corrigida e comentada, organizada pela Fundação Juan Rulfo, com análise dos especialistas na obra do autor: José Carlos González Boixo, Douglas J. Weatherford e Dylan Brennan, e ainda um inédito de Rulfo, a sinopse de "O Galo de Ouro", que ele escreveu para a produção do filme de 1964, assim como uma nova transcrição de "A Fórmula Secreta", outra colaboração sua para o cinema. 

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