Yoko Ogawa - A piscina; Diário de gravidez; Dormitório: três novelas
A literatura japonesa contemporânea não se limita a Haruki Murakami, prova disso está na obra de Yoko Ogawa que ganhou todos os principais prêmios literários japoneses, incluindo o Prêmio Akutagawa e o Prêmio Yomiuri. No ocidente, ela recebeu o Shirley Jackson e o American Book Award, além de ter sido finalista do International Booker Prize em 2020. Os seus livros são desafiadores ao ponto dela ser comparada a autores modernos já consagrados como Yukio Mishima e Kenzaburo Oe, o qual declarou que Yoko consegue expressar as mais sutis nuances do psicológico humano, sendo gentil e penetrante ao mesmo tempo. Este livro reúne três novelas envoltas por uma atmosfera de sonho e estranhamento, assim como uma certa crueldade de suas narradoras-protagonistas, sempre inadequadas ao papel reservado para elas na sociedade.
Em A piscina, os pais da adolescente Aya administram um orfanato religioso no qual ela é a única criança que não é órfã, mas tendo sido sempre tratada de forma semelhante aos seus irmãos adotivos. Aya mantém uma secreta obsessão por Jun, que já está no orfanato há dez anos. Ela passa longos períodos sentada na arquibancada da escola, observando os exercícios de salto ornamental do rapaz e admirando os detalhes de seu corpo atlético. A narrativa é conduzida no formato de um inocente romance juvenil até que os sentimentos de carência e frustração de Aya são direcionados para Rie, a criança mais nova do orfanato com apenas um ano e cinco meses, que passa a ser atormentada pelas maldades constantes da protagonista. A autora explora, portanto, os conflitos da natureza humana quando a paixão se transforma em crueldade.
"Jun caminha na plataforma de dez metros. Usa uma sunga em tom vermelho que estava pendurada no beiral da sua janela ontem. Ao chegar à extremidade, fica de costas para a água, devagar, e junta os calcanhares. Todos os músculos do seu corpo se mobilizam ao mesmo tempo e ficam tensos. A parte de que mais gosto em seu corpo é a linha dos músculos das pernas, do tornozelo até a coxa. A linha tem a elegância gélida de uma estátua de bronze. / Às vezes tenho vontade de explicar a mim mesma o prazer que sinto desde o momento em que Jun levanta os braços como se fosse agarrar qualquer coisa no espaço até sumir dentro da água. Mas nunca consigo. Será que é porque ele cai no vale do tempo, onde as palavras não chegam? [...] Ele falhou. Seu peito atingiu a superfície da água com um estrondo. Vários respingos brancos jorraram por todo lado. / Se é um fracasso como agora ou um salto perfeito sem respingos, o prazer que sinto não muda. Por isso não torço para que o salto seja um sucesso, não fico desapontada nem pulo de alegria. O corpo maleável e elegante de Jun rompe minha emoção pueril e é absorvido pela parte mais profunda do meu íntimo." (pp. 13-4)
Já em Diário de gravidez, uma novela ainda mais complexa, acompanhamos a rotina de duas irmãs que foram afetadas pela morte prematura dos pais, uma narrativa pouco confiável em primeira pessoa, com base no diário da irmã da grávida, descrevendo em detalhes os inconvenientes provocados na narradora e no cunhado pelas crises iniciais de enjoo da irmã e posteriormente o apetite voraz. Desde o início, algo parece estranho em todo o processo de gravidez na casa onde os três personagens convivem: "Mas será que o fato de minha irmã estar grávida do meu cunhado era motivo para lhe dar parabéns? Procurei no dicionário a definição de 'parabéns'. 'Parabéns: Palavra de cumprimento, de felicitação'".
Por meio de uma série de sutilezas, o leitor começa a questionar se a gravidez é real ou apenas uma fantasia e, neste caso, de qual das duas irmãs: "Não sei que tipo de tratamento o doutor Nikaido ministra na minha irmã. Segundo ela, ele faz testes psicológicos simples e hipnoterapia, e receita remédios. Mas, apesar de se tratar com ele havia mais de dez anos, desde a época do ensino médio, sem nenhuma interrupção, a condição psiquiátrica da minha irmã não indicava nenhuma melhora." Ou nesta outra passagem: "Minha irmã e meu cunhado não falam do bebê na minha frente. Agem como se a gravidez e o fato de haver um bebê na barriga dela fossem coisas distintas. Por isso, para mim também o bebê não parece uma existência palpável."
"Minha irmã já chegou ao quinto mês de gravidez, mas sua barriga não está nem um pouco visível. Ela tem emagrecido cada vez mais, pois só ingeriu croissant e isotônicos nas últimas semanas. A não ser pelas consultas na Clínica M e no consultório do doutor Nikaido, ela fica deitada na cama, exausta, como se fosse uma paciente em estado grave. / A única coisa que eu posso fazer é procurar não produzir nenhum cheiro, na medida do possível. Troquei todos os sabões de casa pelos inodoros. Enfiei todos os condimentos como páprica, tomilho e sálvia numa lata e a lacrei. Mudei todos os cosméticos do quarto dela para o meu. Como ela diz que até pasta de dente lhe causa enjoo, meu cunhado comprou um irrigador bucal. Naturalmente eu não cozinho quando ela está em casa. Quando é imprescindível cozinhar, levo a panela elétrica de arroz, o fogão elétrico e o moedor de café para o quintal e como no chão mesmo, estendendo uma lona." (p. 84)
Contudo, a novela mais sombria é Dormitório sem dúvida. A protagonista recebe uma ligação de um primo mais novo do interior com quem não mantinha contato por quinze anos e decide ajudá-lo a encontrar uma moradia para poder cursar a faculdade em Tóquio. Ela retorna ao dormitório universitário em que viveu durante os quatro anos de estudante e percebe que o local se deteriorou bastante ao longo do tempo ao reencontrar o mesmo gerente de sua época, um triplo amputado, sem os dois braços e apenas uma das pernas. A narrativa assume a forma de delírio ou pesadelo quando o primo se muda e parece desaparecer, fazendo com que a protagonista abandone os seus planos de encontrar o marido que está trabalhando na Suécia, atraída pelo estranho mundo formado pelo zumbido de abelhas e tulipas exóticas do dormitório.
"O aspecto geral não se alterara, porém alguns detalhes, como a maçaneta da porta de entrada, o corrimão da escadaria de emergência, a antena do telhado, evidenciavam a decadência. Talvez fosse um envelhecimento natural, pois vários anos tinham se passado desde que eu deixara o lugar. Contudo, no silêncio que envolvia todo o dormitório havia uma força profunda e misteriosa. Mesmo descontando o fato de ser férias de primavera, esse silêncio absoluto parecia não ter explicação. / Fiquei parada em frente ao portão por um momento, não por uma sensação de nostalgia, mas impressionada pela quietude. Ervas daninhas cresciam no quintal, e havia um capacete jogado no canto do estacionamento de bicicletas. Quando ventava, as ervas do pátio balançavam como se sussurrassem. / Olhei cada uma das janelas à procura de sinais de gente. A maioria estava firmemente fechada, parecendo enferrujada, e das poucas janelas abertas espiavam cortinas desbotadas. O pó se acumulava em todas as varandas, e garrafas vazias de cerveja e prendedores de roupa estavam jogados de forma aleatória." (pp. 128-9)
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