Alex Andrade - Meu nome é Laura

Literatura brasileira contemporânea
Alex Andrade - Meu nome é Laura - Editora Confraria do Vento - 252 Páginas
Projeto gráfico: Pranayama Design - Lançamento: 2024.

O mais recente lançamento de Alex Andrade é um romance que aborda o complexo tema da transexulidade e da rejeição familiar e social ao longo do processo de aceitação da identidade de gênero. A condução da trama é feita a partir da perspectiva de três vozes narrativas: Pedro, o pai, Pedrinho, seu filho e Laura, a mulher que luta para poder existir, apesar da resistência e dos preconceitos, como fica claro neste diálogo entre a mãe e a avó: "Mãe, eu não sei o que fazer! O Pedrinho, mamãe, ele é veado! Sim, eu tenho certeza! Por Deus, não estou comentendo nenhuma injustiça, mas eu tenho faro de mãe, esse menino é estranho, calado, vive trancado no quarto, eu não sei mais o que fazer! Eu dei a minha vida por ele, mãe! Esse garoto é uma piada para os amigos da escola, eu já falei com o Pedro, mas esse imbecil não reage, parece que não enxerga um palmo a sua frente! Não quero ter um filho gay. Não quero!"

Na primeira parte do romance, quando Pedro se torna pai, ele relembra os problemas de sua infância devido aos traumas causados por um pai alcoólatra e ausente, assim como a relação com Heloísa que logo se torna insustentável devido às consequências de uma gravidez inesperada e de risco. Apesar de tudo, Pedro luta para que a gravidez não seja interrompida e depois demonstra empatia e amor incondicional pelo filho que tenta assumir a identidade de mulher trans, em oposição ao comportamento preconceituoso de Heloísa e de seus avós maternos, praticantes de uma religião cruel e incoerente: "[...] Deus da misericórdia nos deu a possibilidade do livramento, não fosse aquele imbecil do pai, que tanto insistiu nessa criança, não estaríamos aqui falando essas coisas!"

"A primeira vez que perdi meu filho foi no portão da escola. A escola sempre assombrou minha infância, reduto de meninos que me enfrentavam e me jogavam dia a dia no mundo feito um pião. Confesso, tive medo. Meu filho nunca havia me relatado algo que o desorientasse ou fosse desconfortável para ele naquele ambiente. Na verdade, meu filho quase não falava comigo. Quem dera pudesse desvendar os mistérios de ser pai, saber o quanto somos frágeis e impotentes diante do mundo. Doía não entender como chegar perto: via o tempo escapar pelas mãos, a tola insistência em sermos homens e não nos sentirmos responsáveis pela criação, restava a mim prover com o suficiente para que a família tivesse conforto e segurança. / Não entendia o que era amar. Aos poucos, fui perdendo as oportunidades de todas as conversas humanas, dos afetos e dos abraços. [...]" (p. 15) - Trecho do Capítulo I - Pedro

Na segunda parte, narrada em terceira pessoa, conhecemos as dificuldades da formação de Pedrinho que enfrenta todo tipo de hostilidade em casa e na escola, contando apenas com o apoio do pai. Ele tenta entender porque é considerado um "problema" na visão conservadora da mãe e dos avós: "Quem foi que disse que você é um problema, Pedrinho? / Ouvi uma conversa da minha mãe e da minha avó, mas não diga nada, eu entendo, eu não quero criar mais confusões!" Em meio à rejeição, Pedrinho luta para descobrir o seu lugar no mundo e assumir a própria identidade, um processo longo e nada simples: "eu sou um problema, eu sou errado, não, não sou errado, não, não sou um problema, mas, então, o que eu sou?"

"O menino se realocava, se espremia para caber, cada gesto seu, cada palavra dita, o som da voz, os trejeitos e os movimentos que as mãos faziam como se dançassem no ar, o meio, o início e os recomeços eram encurralados pelos olhares, os dedos apontados das pessoas, essa coisa de ser errado por não estar dentro do padrão que a sociedade determinava, era difícil conseguir sobreviver, era uma tortura encontrar o caminho a seguir. Olhava para o mundo fora do quarto e havia uma mãe. Ela era os olhos das pessoas dentro do ambiente da casa, multiplicados. Aqueles olhos que suspeitavam, ouvidos que escutavam cada gesto, cada suspiro, uma batida de porta, entre eles, um corredor inteiro para atravessar como se fosse uma cidade afastada da outra por quilômetros, dificultando qualquer comunicação, bastava o olhar de ave de rapina dela em sua direção e o corpo inteiro tremia." (p. 97) - Trecho do Capítulo II - Pedrinho

Na terceira e última parte, a narrativa é conduzida em primeira pessoa por Laura que afinal consegue sobreviver, apesar de todo o sofrimento vivenciado por Pedrinho para descobrir e aceitar quem realmente é. Contudo, Laura ainda precisará enfrentar muitos problemas decorrentes da intolerância no próprio lar e do preconceito social. Alex Andrade nos apresenta novamente um livro sensível e corajoso ao abordar um tema atual que envolve questões familiares, descoberta e aceitação da própria identidade, reflexão e transformação, papel de toda boa literatura.

"Tem muita coisa que eu queria falar. Perdi muito tempo pensando em me esconder do mundo quando o mundo vinha contra mim. Naquele dia na praia, a cabeça girava em meio à nebulosidade que tomava conta dos meus olhos, você gritando o meu nome e eu não conseguia ouvir, porque eu não era mais o menino que todo mundo sonhou, que teve problemas para crescer na barriga da mãe, que foi rejeitado e quase abortado, que as pessoas achavam esquisito, por mais que o meu corpo fosse gritando para fora, por todas as coisas que ouvia, a semântica por trás dos silêncios, os zumbidos. Sim, mergulhei no mar, por pura coragem, veja bem, logo eu, que todo mundo achava que era frágil, que a medicina salvou porque era um bebê pequenino e inútil. Sobrevivi. Quando te vi na pedra mergulhando ao meu encontro, pensei: 'vamos morrer juntos'. / 'Papai, olha que lindo, a minha mãe vai dizer para todo mundo: eles morreram porque se mereciam', mas não, fui salva por você, quando senti a força das sua braçadas, o meu cabelo sendo agarrado, percebi o quanto éramos interligados, meu pai e eu." (pp. 207-8) - Trecho do Capítulo III - Laura

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Alex Andrade é escritor e arte-educador, nascido no Rio de Janeiro. Publicou os livros de contos A suspeita da imperfeição, As horas, e, pela Confraria do Vento, Poema e Amores, truques e outras versões; os infantis O pequeno Hamlet, A galinha malcriada, A história do menino, A menina e a sapatilha e o menino e a chuteira e O Gigante; o infantojuvenil A menina que entrou na história; os romances Longe dos olhos e, também pela Confraria, Antes que Deus me esqueça e Para os que ficam, que foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2023. Tem contos publicados em diversas revistas e periódicos de literatura em inglês e espanhol. É um dos curadores do Prêmio Literário do Ensino Fundamental do Rio de Janeiro.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Meu nome é Laura de Alex Andrade

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