T. K. Pereira - Vozes
T. K. Pereira - Vozes - Editora Caos e Letras - 164 Páginas - Projeto gráfico: Cristiano Silva - Arte de Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2019.
Surpreende a segurança e a originalidade narrativa nesta antologia de 21 contos, livro de estreia de T. K. Pereira com apresentação de Luiz Antonio de Assis Brasil, responsável pela Oficina de Criação Literária da PUC-RS, na qual já passaram alguns escritores de destaque na literatura contemporânea brasileira, e que recomendou a obra como "uma experiência de transcendental humanidade e de autêntica literatura", nada mal para um jovem autor em início de carreira.
Os contos não se enquadram no modelo tradicional, sendo narrados em primeira pessoa e seguindo uma espécie de fluxo de consciência que varia em extensão e formato, de acordo com o histórico e personalidade de cada protagonista. Contudo, o experimentalismo narrativo não compromete a fluência e o prazer da leitura. T. K. Pereira encontra formas para conduzir as vivências de cada personagem nesta estrutura; pessoas muito comuns na atualidade das grandes metrópoles brasileiras, diga-se de passagem. Em alguns casos, a força dessas vozes tão diferentes pode ser assustadora quando acompanhada assim de perto, em tom confessional.
"Pra quem vive no escuro a chispa de um isqueiro é reconfortante. Senhor, até mesmo a brasa do cigarro! Primeira vez que passo nesta rua; não gosto nada. Breu estranho pra época do ano. Cadê a luz? Preciso dela, luz!, não essa desgraça de fumaça no peito. Mas ê desgraceira boa! Tive que fumar também porcaria nesses três anos... Tá certo que também já fumei melhor, mas esses servem; se relaxam, então servem. Pastor Carlos ia reprovar, claro: 'Ore todos os dias, Nelson, e entrega sua vida nas mãos do Senhor'. Nunca dei trela pra falatório de fulaninho qualquer. Mas o pastor?, pecador refeito homem-santo?, ah, esse sabe das coisas da vida. E a minha ia ter ido proutro rumo se a gente tivesse se conhecido antes. Tanta coisa que podia ser diferente agora... Até parece. [...]" - Trecho de Compulsão (p. 35)
A variedade de personagens, seja em termos de gênero, orientação sexual, classe social ou perfil psicológico, torna-se um desafio para qualquer escritor, mas a condução de cada conto é sempre convincente e algumas vezes até mesmo bem-humorada (não menos assustadora, por sinal), como no caso do monólogo do motorista de aplicativo, um personagem tão contemporâneo que oferece "balinhas de menta" para logo em seguida emendar com um discurso político de extrema direita muito atual, mas quem nunca passou por isso?
"É o inferno de sempre. O senhor me desculpe a demora, mas nem o GPS está dando conta desse trânsito hoje. Tomara que não esteja com pressa. Tem água gelada e balinhas de menta, coisa boa, não essas porcarias de ambulante em sinaleira. Fique à vontade. O ar-condicionado deu defeito ontem, eu ainda não tive tempo de arrumar. Desculpe por isso também. Ainda bem que hoje está fresco, céu azul, dia bonito. A gente tem que ser grato, viu? Ô clima bom o nosso. Às vezes esquenta, mas fazer o quê? É um país tropical – nada a ver com essa conversa fiada de aquecimento global. Mas já vi climas piores, viu? No norte da África, por exemplo, o sujeito até sufoca de tão quente e seco que é. Trabalhei lá por um tempo, conheci aquilo tudo, até o Saara. Faz tempo, foi em setenta, eu era almoxarife em mineradora, veja você. [...]" - Trecho de Interesses (p. 61)Reconhecemos muitas dessas vozes, elas estão sempre por perto, buscando algum tipo de pequena felicidade que seja possível em um mundo sem sentido ou, simplesmente, vozes que já desisitiram de tudo, como no conto "Libertação" (ler trecho abaixo). No triste pensamento de uma das personagens em "Dores": "A vida passa ligeira lá fora, mas dentro é outro ritmo; escuro, triste sozinho." É preciso encontrar um caminho, uma saída, uma rachadura para que entre a luz de fora – como diria Leonard Cohen – e para isso serve a literatura, sempre.
"Vieram todos se certificar de que irei em frente desta vez? Ouço vocês aí, queridos amigos, nos tremeliques, na taquicardia, na falta de ar... Bem-vindos. O recado agora está claro, enfim percebo que não há alternativas, não aqui, à beira do abismo. Nada importa, nunca importou. Hoje venço. Nenhum herói irá me apanhar no último segundo, anjos não vão descer dos céus, nenhum carro vai passar em plena madrugada – se passasse, nenhum motorista daria a mínima pra um estranho parado à beira da ponte. Eu nunca entendi o medo da morte. Todos temem o desconhecido, é o que se costuma dizer, como se a vida fosse toda certezas, como se o incógnito não fosse algo familiar, não estivesse presente no dia a dia. Assustador é viver: as expectativas, dúvidas, comparações. Estou farto. Pílulas, divãs e quartos acolchoados não me libertaram; é impossível. Nada é capaz, ninguém, agora percebo: sou minha própria prisão, vocês, meus carcereiros. Já que a mente faz as vezes de carcereira, que faça logo a de carrasco. [...]" - Trecho de Libertação (p. 155)Sobre o autor: T. K. Pereira é organizador do projeto 7 coisas que aprendi, acervo com mais de 100 depoimentos de escritores. Finalista do concurso Brasil em Prosa 2015 com o conto "Doses de orgulho e vergonha". Publicou contos em várias antologias. Organizou a coletânea digital gratuita Conte Outra Vez: 30 contos inspirados em canções de Raul Seixas. Vozes é seu primeiro livro de contos. Site oficial do autor: https://tkpereira.com.br
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Comentários
Abraço,
Sônia