Silvina Ocampo - As convidadas
Difícil encontrar um exemplo na literatura que possa servir de comparação para explicar a obra de Silvina Ocampo (1903-1993), criadora de um estilo único entre o surrealismo, o realismo mágico e a literatura fantástica, porém não se enquadrando em nenhuma dessas categorias. Nesta coletânea de contos, lançada originalmente em 1961, além da influência das escolas já citadas, presentes também em seu livro anterior A fúria e outros contos (1959), encontramos aqui novamente os sinais de perversão e crueldade que escapam ao controle moral da família e da sociedade, apresentando um universo aparentemente transfigurado e que, no entanto, descobrimos não ser tão diferente assim da nossa própria realidade, isto é o mais perturbador.
Neste livro, a autora avalia também as relações amorosas, mas com o filtro do seu olhar, amor e ódio se confundem, as traições entre casais orientam sentimentos obscuros como na estranha viagem de lua de mel descrita em Amor: "Para me vingar das infidelidades, talvez inexistentes, do meu marido, eu me sentia capaz de fazer qualquer coisa" ou na suposta fatalidade de O casamento: "Compreendi a verdade: Armando tinha me traído. Não consegui suportar isso. Primeiro pensei em matar ou fazer a minha rival abortar a pancadas, depois esfaquear ou queimar Armando, jogando nele um galão de gasolina acesa; depois me suicidar, mas não fiz nada, não disse nada. Uma mulher apaixonada não pode sobreviver a uma mentira. Várias pessoas me aconselharam a abandonar o meu marido, mas eu não consigo fazer isso."
"Com a cabeça raspada e a calça azul, eu parecia com os meus irmãos homens. Trabalhava junto deles. Depois de tirar os abrolhos de lã, ou de arrancar cardos, ou de juntar esterco de ovelha, corríamos para o montinho que ficava ao lado da lagoa seca. Ali, debaixo do castanheiro-da-índia, fervia sobre o fogo a panela com banha para fazer sabão. Às vezes o Pata de Cão, ao nos avistar de longe, vinha ao nosso encontro arrastando o violão; outras vezes corríamos para o seu lado. Ele nos ensinava a piscar um olho, a hipnotizar galinhas, a charquear, a dizer palavras feias, a fumar. Tirava do bolso um maço de cigarros, chamados Filha do Touro, cigarros que distribuía entre nós. O papel que envolvia o maço levava a figura de uma mulher com uma coroa de flores, abraçando o touro (espécie de decalque, que me fascinava)." - Trecho do conto A filha do touro (p. 16)
Nas 44 narrativas curtas de As convidadas, ambientadas na cidade ou no campo, realidade e imaginação se confundem e as personagens, muitas delas crianças, sofrem com a ironia e o estranho humor da autora. A leitura deste livro me lembrou uma citação de Sartre, sobre o Surrealismo, um movimento que "destrói criando" para expressar o nosso inconsciente que é revelado nos sonhos ou, neste caso, por meio da literatura.
"Se Néstor Medina tivesse podido, depois de morto, ver seus filhos dilapidar e disputar sua fortuna, teria morrido outra vez. Não me canso, portanto, de me alegrar por sua morte luxuosa e tranquila, pelo último dos sorrisos com o qual se despediu de seus filhos, que considerava inocentes como anjos e virtuosos como santos. Seu rosto redondo e sorridente, dentro do caixão de lustrosa madeira, não inspirava pena. Por isso as pessoas que compareceram àquele velório inesquecível, como se acreditassem que o morto estava vivo, conversaram sobre cavalos de corrida, sobre feiras, golpes, piadas, fofocas, sem que isso parecesse uma falta de respeito. Ninguém chorava, a não ser o cachorro para a lua e eu, por dentro." - Trecho do conto O armazém negro (p. 41)
Esposa de Adolfo Bioy Casares e amiga de Jorge Luis Borges, Silvina Ocampo levou algum tempo para consolidar a importância de sua obra, mas hoje já tem lugar garantido na literatura argentina e universal, sendo considerada uma escritora para escritores e influenciado a obra de Julio Cortázar, Tomás Eloy Martínez e Alejandra Pizarnik, para citar apenas alguns. Um conto como O pecado mortal, por exemplo, repleto de insinuações e interpretações é uma verdadeira aula de como escrever e, portanto, uma obra-prima em qualquer tempo, vale a pena conhecer.
"Os símbolos da pureza e do misticismo são às vezes mais afrodisíacos que as fotografias ou que os contos pornográficos, por isso, oh, sacrílega!, os dias próximos à sua primeira comunhão, com a promessa do vestido branco, cheio de entremeios, das luvas de linho e do rosário de perolazinhas, foram talvez os verdadeiramente impuros de sua vida. Deus me perdoe, pois eu fui de certo modo a sua cúmplice e a sua escrava. / Com uma flor vermelha, chamada caliandra, que você trazia do campo aos domingos, com o missal de capa branca (um cálice estampado no centro da primeira página e listas de pecado em outra), você conheceu naquele tempo o prazer – vamos dizer – do amor, para não mencionar seu nome técnico; tampouco você poderia dar-lhe um nome técnico, pois nem sequer sabia onde colocá-lo na lista de pecados que tão aplicadamente você estudava. Nem sequer no catecismo estava tudo previsto ou esclarecido." - Trecho do conto O pecado mortal (p. 197)
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