Os melhores livros e resenhas de 2025
(01) Hiromi Kawakami - A valise do professor (resenha publicada em 03/02/2025)
A literatura japonesa contemporânea não depende só de Haruki Murakami. Prova disso é o romance "A valise do professor" da premiada escritora Hiromi Kawakami, ainda pouco conhecida no Brasil. A história é narrada por uma solitária protagonista de 37 anos chamada Tsukiko Omachi. Ela não é casada e não tem namorado ou amigos, até que encontra Harutsuna Matsumoto, que foi seu professor no ensino médio no mesmo bar que frequenta, por sinal um costume pouco usual no Japão, mulheres desacompanhadas em bares. Como ela não lembra o seu nome passa a chamá-lo apenas de professor e, apesar da diferença de idade de quase trinta anos, os dois se identificam em sua solidão.
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(02) Jairo Carmo - Belas viúvas (resenha publicada em 09/02/2025)
O romance de Jairo Carmo é ambientado na passagem de 1984 para 1985, uma fase de transição em nosso país que marcou o início do processo de redemocratização com a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio eleitoral em 1985, a posse forçada de José Sarney devido à inesperada morte de Tancredo e a futura eleição direta de Fernando Collor em 1989 — a primeira realizada pelo voto popular desde 1961 — encerrando o longo período de governo dos militares que se alternaram no comando do poder Executivo. De fato, a influência do regime autoritário é marcante na narrativa devido ao clima de repressão política, prisões, torturas e desaparecimentos nunca esclarecidos.
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(03) Whisner Fraga - As fomes inaugurais (resenha publicada em 16/02/2025)
Whisner Fraga nos apresenta uma coletânea de 55 minicontos com diferentes abordagens sobre a exclusão social e, principalmente, a desumanização das pessoas em situação de rua, uma realidade que é sustentada pela ideia de que os indivíduos sejam empreendedores de si mesmos, ou seja, capazes de custear os seus próprios gastos com saúde, educação, saneamento, moradia e outras necessidades básicas que deveriam ser garantidas pelo Estado e suas instituições políticas, sociais e religiosas, caso contrário, tornam-se pessoas inviáveis e cidadãos dispensáveis nas grandes cidades, destituídos do direito de ter direitos.
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(04) Ana Raja - As dores delas (resenha publicada em 08/03/2025)
O romance de estreia de Ana Raja tem como base um homem que mantém simultaneamente duas famílias. A autora conduz a narrativa do ponto de vista de Laura, filha da segunda e mais recente família, que é condenada à invisibilidade, apesar de desejar conviver com as irmãs. Na outra ponta dessa chamada vida dupla, o homem, não nomeado, preserva uma relação familiar paralela com quatro filhas: Ana, Salete, Verônica e Sandra, cada uma descobrindo e reagindo ao seu próprio modo à situação imposta pelo pai e que, aos poucos, vai sendo descoberta por todas as personagens (cinco filhas e duas esposas).
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(05) Luís Pimentel - A viagem e outros contos (resenha publicada em 16/02/2025)
Ao ler os contos desta mais recente coletânea de Luís Pimentel, ficamos com a impressão de reconhecer os personagens em cenas típicas do cotidiano das nossas grandes cidades, conversando no botequim da esquina, indo para o trabalho no transporte popular ou simplesmente caminhando pelas ruas, encontramos essa gente simples que sobrevive, apesar de tudo. É quando a mágica da literatura nos mostra que, quanto mais local o foco da narrativa, mais universal se torna a representação humana. Um exercício que é independente da origem ou época da narrativa.
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(06) Mylena Queiroz - Sangue de cabra (resenha publicada em 29/03/2025)
Os contos de Mylena Queiroz são protagonizados por mulheres que precisam se adaptar a diferentes situações de violência em uma sociedade que, por egoísmo, comodismo ou simplesmente alienação, prioriza os homens, preferindo ignorar os pedidos de socorro das vítimas femininas. As consequências do patriarcado são um tema recorrente nos noticiários e na ficção, mas em "Sangue de cabra" as narrativas são construídas com base em influências da literatura fantástica argentina tais como Silvina Ocampo e, mais recentemente, Samanta Schweblin, autoras que sabem como criar um universo perturbador no qual sonho e realidade se confundem.
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(07) Paula Poc - Artrópode (resenha publicada em 13/04/2025)
Paula Poc surpreende com a sua prosa poética que utiliza diferentes técnicas narrativas para contar a inusitada história de uma mulher que se apaixona por um inseto. O texto mescla fluxo de consciência, poemas, entradas de diário e cartas, enquanto incorpora definições científicas que adquirem tons oníricos ao longo do livro. Essa fusão entre sonho e realidade permeia toda a obra, tornando o projeto literário da autora difícil de resumir ou categorizar, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. Apesar da inspiração kafkiana da trama nos fazer lembrar do clássico personagem Gregor Samsa e sua improvável metamorfose, em Artrópode as tranformações ocorrem no interior da protagonista-narradora.
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(08) Mariana Higa - Cavala, (resenha publicada em 21/04/2025)
O corajoso romance de estreia de Mariana Higa aborda o direito ao controle do próprio corpo, um direito frequentemente negado a mulheres e meninas vítimas de abuso sexual e violência doméstica. Essa realidade se torna ainda mais evidente em regiões isoladas, no interior do país, onde desigualdades econômicas e sociais perpetuam as agressões, frequentemente culminando em maternidades não desejadas. Nessas circunstâncias, em famílias religiosas, a interrupção da gravidez sequer é cogitada, mesmo diante de casos de estupro cometido por membros da própria família.
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(09) Emmanuel Carrère - Ioga (resenha publicada em 27/04/2025)
O título e a capa deste livro podem levar à falsa impressão de que se trata de um manual prático sobre ioga, uma espécie de guia de autoajuda que busca aproveitar o interesse generalizado do público pela antiga disciplina indiana, bem como pelas orientações sobre meditação e seus benefícios para a saúde física e mental. De fato, essa foi a ideia inicial de Emmanuel Carrère, um admirador dessas tradições orientais, ao idealizar o projeto: “escrever um livrinho simpático e perspicaz sobre a ioga”. Contudo, o escritor francês conhecido por obras como "Limonov" e "O Reino", com seu estilo único de autoficção que combina romance, jornalismo, ensaio e autobiografia foi muito além dos limites da ideia inicial.
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(10) Han Kang - Sem despedidas (resenha publicada em 14/06/2025)
O lançamento mais recente da sul-coreana Han Kang, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2024, é um romance ainda mais complexo e desafiador do que o seu anterior A vegetariana. Uma obra difícil de ler e ainda mais difícil de resenhar, na qual a autora confunde os limites entre sonho e realidade, passado e presente, vida e morte, ao explorar as dualidades da natureza humana. Fiel à tendência de suas obras anteriores, Han Kang incorpora à narrativa episódios marcantes da história recente da Coreia do Sul.
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(11) Marcelo Henrique Silva - Sangue neon (resenha publicada em 05/07/2025)
Os primeiros capítulos do romance de estreia de Marcelo Henrique Silva, vencedor do Prêmio Alta de Literatura na categoria autor estreante, apresentam narrativas independentes, tanto na forma quanto no conteúdo, como se fossem contos. Ao longo do livro, porém, essas histórias se conectam por meio da figura central de Vera Lynn, uma travesti nordestina que, aos catorze anos, foge da violência doméstica e parte rumo a São Paulo em busca de sobrevivência e liberdade. Após anos de prostituição, ela conquista um sobrado no bairro do Bixiga e o transforma no Palácio das Princesas — um espaço de acolhimento, primeiro centro de apoio a pacientes com HIV no Brasil.
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(12) Aline Bei - Uma delicada coleção de ausências (resenha publicada em 15/07/2025)
O terceiro romance de Aline Bei, assim como O peso do pássaro morto e Pequena coreografia do adeus, incorpora elementos de prosa e poesia na sua construção, explorando a distribuição gráfica das palavras na página impressa para criar diferentes ritmos narrativos. A história é protagonizada por quatro gerações de mulheres: Laura, uma menina em transição para a adolescência, criada por sua avó Margarida; Glória, mãe de Laura e filha de Margarida, que abandonou a família inexplicavelmente após o parto, tornando-se uma ausência marcante na trama; e Filipa, bisavó de Laura e mãe de Margarida, cuja chegada altera a rotina doméstica.
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(13) Mário Baggio - Vozes para tímpanos mortos (resenha publicada em 19/07/2025)
Mário Baggio segue fiel ao seu estilo de narrativas concisas que normalmente se resolvem em dois ou três parágrafos, suficientes para introduzir o tema, desenvolver a ideia e surpreender o leitor com desfechos inesperados. Nesta nova coletânea, seus contos são reflexões sobre uma sociedade que insiste em ignorar os sinais de desajuste — pequenos ruídos que, por negligência, convertem-se em tragédias silenciosas. O próprio autor adverte na apresentação: "Há os gritos explícitos, estridentes, sonoros, mas, na grande maioria dos casos, eles são silenciosos, calados. Vêm à tona não por meio de sons e palavras, mas por gestos, por escolhas, por decisões intempestivas e até por inércia".
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(14) Leonardo Almeida Filho - Mandacarus (resenha publicada em 22/07/2025)
Um enredo envolvente, que transforma em ficção as histórias da própria família e círculo de amigos do autor. A narrativa tem início no período da grande seca de 1877 no Ceará, também conhecida como a "seca dos dois setes" que assolou a região Nordeste do Brasil entre 1877 e 1879, avançando até os dias atuais. Na primeira parte do livro é apresentada a trajetória dos Farias que fogem de Fortaleza devido à seca para se estabelecer na cidade de Sousa, na Paraíba. Em seguida, os Pedreiras, portugueses que chegam ao Brasil em 1909, fixando-se inicialmente em Pernambuco e depois migram para a Paraíba, onde as duas famílias se unem na década de 1940, em Campina Grande.
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(15) Enzo Fuji - Perpetuando a ilha de Jeju com tangerinas (resenha publicada em 03/08/2025)
A ilha vulcânica de Jeju é conhecida devido ao massacre de mais de trinta mil pessoas pelo governo coreano após a Segunda Guerra Mundial, entre 1948 e 1949, antes da Guerra da Coreia em 1950. O livro de Enzo Fuji, aborda outras características da ilha, conhecida também pelas mulheres mergulhadoras locais sem equipamentos de respiração, chamadas Haenyeo que coletam ouriços-do-mar, polvos e algas nas águas frias do oceano. Essa prática, transmitida de geração em geração, é mais do que uma ocupação — representa um símbolo de resistência, identidade e vínculo comunitário, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
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(16) Sonia Zaghetto - Histórias escritas na água (resenha publicada em 16/08/2025)
O romance de Sonia Zaghetto descortina um ambicioso universo de realismo mágico, onde vida e morte se entrelaçam em narrativas densas e poéticas. Sete personagens, abrigados de uma tempestade em uma casa abandonada no coração da selva amazônica, compartilham suas histórias diante de uma cena perturbadora: o corpo de uma mulher morta repousa sobre a mesa, e um ritual de preparação se inicia, envolto em mistério e simbolismo. À medida que a autora entrelaça os fios dessas trajetórias, revelam-se conexões inesperadas que transcendem tempo e espaço.
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(17) Matheus Borges - Frankito em chamas (resenha publicada em 24/08/2025)
Depois de seu romance de estreia, Mil Placebos — inspirado em um tema atual e provocador, o distorcido mundo virtual que privilegia a desinformação em detrimento do conhecimento tradicional, além dos transtornos de personalidade cada vez mais evidentes nas redes sociais — Matheus Borges volta-se, em seu mais recente lançamento, para um cenário pouco explorado na literatura: os bastidores de um set de filmagem. Em Frankito em Chamas, o protagonista-narrador, um roteirista de cinema, viaja ao balneário de La Pedrera, no litoral uruguaio, a convite da produção para acompanhar a realização de um longa-metragem que escreveu.
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(18) Valéria Macedo - A falta que ela faz (resenha publicada em 31/08/2025)
Valéria Macedo utiliza em seu romance de estreia uma linguagem simples e direta para abordar temas complexos do universo feminino contemporâneo, principalmente os dilemas e ambiguidades entre os papéis de mãe e mulher, que muitas vezes não são coincidentes — por vezes, chegam a se excluir mutuamente. O romance apresenta quatro gerações de mulheres, com foco na narradora não nomeada, que enfrenta os julgamentos e desafios de uma maternidade solo enquanto lida com os crescentes e misteriosos episódios de afastamento de sua filha Alma — em cada evento, alguns preciosos segundos são roubados de suas vidas em comum.
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(19) Tiago Feijó - Insolitudes (resenha publicada em 06/09/2025)
Tiago Feijó lança a terceira edição da sua coletânea de contos Insolitudes, título que já surpreende ao sugerir uma reunião de eventos insólitos — isto é, situações que escapam à lógica do nosso mundo dito real. Dividido em duas partes, o livro inicia com Insolitudes Literárias, composta por três contos que exploram a metalinguagem. Em A insólita morte de Ernesto Nestor, acompanhamos os últimos momentos de um escritor em pleno processo de criação. No ótimo Josés, o espírito de José Saramago visita outro José, também escritor, para lhe ditar uma obra definitiva vinda do além. Já em Conto tirado de um poema, Tiago Feijó transforma em prosa um poema de Manuel Bandeira.
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(20) Emmanuel Carrère - O Reino (resenha publicada em 27/09/2025)
Houve uma época, no início dos anos 1990, em que Carrère foi “tocado pela graça”, como ele mesmo afirma. Esse inusitado fervor religioso durou quase três anos, período em que ele comparecia diariamente à missa e preenchia cadernos sobre versículos do Evangelho segundo São João. Anos mais tarde, decide escrever O Reino, abordando as origens do cristianismo. Assume, então, uma postura cética, ou no mínimo ambígua, sem conseguir conter a ironia brutal sobre sua antiga fé, se espantando que pessoas normais e inteligentes acreditem “que um judeu de dois mil anos atrás nasceu de uma virgem, ressuscitou três dias após ter sido crucificado e retornará para julgar os vivos e os mortos.”
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(21) Vitor Miranda - Os ratos vão para o céu? (resenha publicada em 11/10/2025)
A capa e o título deste lançamento de Vitor Miranda podem induzir à falsa impressão de que se trata de uma obra voltada ao público infantil. Mas essa é apenas a primeira das muitas ironias e contradições com as quais o autor desafia e desconcerta o leitor ao longo desta coletânea de textos que, na ausência de uma definição mais precisa, chamaremos de contos. Embora crianças apareçam como protagonistas e narradores, o que se revela é um humor mordaz e temas brutais que apresentam a perda precoce da inocência e a perversidade da condição humana. Especialmente em tempos em que a primeira fala de um bebê pode não ser “mamãe” ou “papai”, mas simplesmente “Google”.
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(22) Luiz Vadico - Desconforto (resenha publicada em 18/10/2025)
Aos poucos, revela-se o verdadeiro sentido do título desta coletânea de contos de Luiz Vadico. É impossível evitar o desconforto crescente que nos invade ao acompanhar personagens em situações de violência e crueldade, expondo o lado mais sombrio da natureza humana. Essa sensação se intensifica quando é inserida no cenário das festas natalinas — época associada à união e afeto entre os chamados semelhantes para desnudar comportamentos socialmente aceitos que, na verdade, revelam hipocrisia e preconceito. O autor evidencia como os excluídos, por sua sexualidade ou condição social, são destinados à solidão, mesmo sob o contexto festivo da celebração.
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(23) Krishna Monteiro - Como se rio (resenha publicada em 25/10/2025)
Os livros de Krishna Monteiro desafiam os protocolos da literatura brasileira contemporânea, centrada em dilemas existenciais e sociais ambientados nos grandes centros urbanos. Em Como se rio, o autor aprofunda o estilo já anunciado em suas obras anteriores — a coletânea de contos O que não existe mais e o romance O mal de Lázaro — ao apresentar narrativas de caráter atemporal, muitas vezes carregadas de um lirismo místico. Mais do que contos, talvez seja mais correto chamá-las de fábulas: composições alegóricas que, reunidas, formam um evangelho singular sobre a travessia humana pela Terra.
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(24) Luigi Ricciardi - Fragmentos de uma ausência (resenha publicada em 28/10/2025)
Uma autoficção composta por fragmentos de memória, apresentados como notas em que o protagonista-narrador tenta exorcizar, pela escrita, os traumas de uma relação tóxica que desencadeou um processo depressivo. Ao longo da leitura, é inevitável que o leitor se pergunte onde termina a realidade e começa a ficção — embora essa distinção seja irrelevante para o contexto da obra. A estrutura concebida funciona muito bem, sustentada por um ritmo bem-humorado e envolvente que instiga a curiosidade e promove empatia por um personagem nada confiável e, justamente por isso, profundamente autêntico em suas crises de autoestima.
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(25) João Matias - Os interiores (resenha publicada em 08/11/2025)
Um romance distópico que provoca inquietação no leitor pela perturbadora semelhança com episódios recentes da política nacional e os colapsos ambientais. Ambientado em pleno sertão nordestino e estruturado com a dinâmica de um road movie, a obra retoma temas recorrentes na literatura regional, ao associar crises climáticas e sociais no Nordeste a questões contemporâneas, com forte apelo visual e ritmo de roteiro. É nesse contexto que, na definição precisa da escritora Mylena Queiroz, a obra evoca “uma narrativa aos moldes de uma Rachel de Queiroz tarantinesca e pós-apocalíptica”.
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(26) Leandro Machado - Kaapora (resenha publicada em 15/11/2025)
Leandro Machado reafirma a força da literatura paraense ao enfrentar de modo contundente alguns dos problemas contemporâneos da região amazônica e de sua população, além da necessidade de preservação ambiental. O romance segue o caminho de Edyr Augusto, cujo trabalho alcançou projeção nacional após a adaptação de Pssica em uma minissérie produzida pela Netflix e dirigida por Fernando Meirelles. Em Kaapora, temas igualmente perturbadores ocupam o centro da narrativa: a ação dos chamados ratos d’água — piratas violentos que dominam os rios amazônicos — envolvidos no tráfico de óleo diesel, em assaltos a residências e na exploração sexual de menores
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(27) Jozias Benedicto - As vontades do vento (resenha publicada em 07/12/2025)
O romance, finalista do Prêmio LeYa 2024, é o resultado de um cuidadoso exercício literário ao compor com segurança os elementos do romance histórico, mesclados ao realismo mágico, e sustentados por uma bem-executada técnica de polifonia narrativa que me fizeram lembrar do mestre João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) em Viva o Povo Brasileiro. De fato, ao desenvolver cada capítulo em primeira pessoa, concedendo voz a personagens de diferentes classes sociais, etnias e épocas, o autor consegue obter múltiplas versões de uma mesma história — e da própria História — que se sobrepõem e frequentemente entram em conflito, desafiando o leitor a elaborar a sua própria versão.
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(28) Kátia Bandeira de Mello - Molduras (resenha publicada em 14/12/2025)
O mais recente lançamento de Kátia Bandeira de Mello, Molduras, é uma coletânea de contos que reafirma o estilo da autora em suas obras anteriores: uma prosa sofisticada, frequentemente bem-humorada, que transita entre o surrealismo e a literatura experimental. O livro resulta de um cuidadoso exercício de intertextualidade, que utiliza a citação a escritores de diferentes épocas e estilos, mas não se restringe à literatura, incorporando também referências às artes plásticas, psicologia e cinema, finalizando em um processo criativo próximo da técnica da colagem. Em cada conto o leitor é desafiado a subverter a noção de tempo e espaço, ficção e realidade.
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(29) B. Traven - O tesouro de Sierra Madre (resenha publicada em 21/12/2025)
Causa espanto — sobretudo em nossa era de superexposição nas mídias sociais — o anonimato que envolve a figura de B. Traven. Sob este pseudônimo se esconde um romancista, supostamente alemão, cujo nome verdadeiro, nacionalidade, data e local de nascimento são todos imprecisos. O que se tem como razoavelmente certo é que Traven viveu durante anos no México, cenário recorrente de sua ficção – incluindo O tesouro de Sierra Madre (1927), cuja adaptação cinematográfica de 1948, dirigida por John Huston e estrelada por Humphrey Bogart, tornou-se um clássico, apesar do tom violento e sombrio, pouco ao gosto das produções da época.
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(30) Marcos J. Custódio - Os teus olhos estarão sobre mim (resenha publicada em 25/12/2025)
Insólito, inusitado, incômodo: todos esses adjetivos se enquadram no livro de estreia de Marcos J. Custódio, que acompanha a trajetória de Luísa, uma mulher em situação de rua que aceita, de bom grado, tornar‑se o “cão de estimação” de uma família rica para escapar da miséria. Nessa fábula às avessas — em que é um ser humano que voluntariamente assume o lugar de um animal — o autor expõe, de maneira brutal, a desigualdade social que domina o país e revela seu aspecto mais cruel: a degradação da dignidade humana. Assim, Luísa transforma‑se em Lulu e passa a receber toda a atenção e os mimos, incluindo banhos e tosa, antes destinados à antiga cadela da casa.
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