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Erico Verissimo - Incidente em Antares

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Erico Verissimo - Incidente em Antares - Editora Companhia das Letras - 608 Páginas. Lançado originalmente em 1971, Incidente em Antares é o último romance da bibliografia de Erico Verissimo (1905-1975). Esta obra marcou minha adolescência e já figurava há algum tempo na lista de releituras pendentes. O que a distingue de outros títulos do Realismo Fantástico da época é sua estrutura dividida em duas partes bem definidas. Na primeira, o autor apresenta uma ampla contextualização da fictícia cidade de Antares — situada na fronteira entre Brasil e Argentina — associada a episódios e personagens reais da política brasileira. Destacam-se os sucessivos governos da era Getúlio Vargas: desde o período de 1930 a 1945, que culminou na ditadura do Estado Novo, passando pela fase democrática de 1951 até seu suicídio em 1954, e avançando até a chamada Revolução ou Golpe de Estado de 1964, que deu início ao longo regime militar. Já na segunda parte, ocorre o incidente sobrenatural, concebido por V...

Tiago Feijó - Insolitudes

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Tiago Feijó - Insolitudes - Editora Litteralux - 120 Páginas - Capa e diagramação: Talita Almeida - Lançamento: 2025. Tiago Feijó lança a terceira edição da sua coletânea de contos Insolitudes , título que já surpreende ao sugerir uma reunião de eventos insólitos — isto é, situações que escapam à lógica do nosso mundo dito real. Dividido em duas partes, o livro inicia com Insolitudes Literárias , composta por três contos que exploram a metalinguagem. Em  A insólita morte de Ernesto Nestor , acompanhamos os últimos momentos de um escritor em pleno processo de criação. No ótimo  Josés , o espírito de José Saramago visita outro José, também escritor, para lhe ditar uma obra definitiva vinda do além. Já em  Conto tirado de um poema , Tiago Feijó transforma em prosa um poema de Manuel Bandeira. As referências à "indesejada das gentes" para citar eu mesmo outra expressão célebre de Bandeira, reaparecem na segunda parte da coletânea nomeada  Outras Insolitudes , revelando a...

Valéria Macedo - A falta que ela faz

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Valéria Macedo - A falta que ela faz - Editora Patuá - 100 Páginas - Capa e projeto gráfico: Juliana Estevo - Lançamento: 2024. Valéria Macedo utiliza em seu romance de estreia uma linguagem simples e direta para abordar temas complexos do universo feminino contemporâneo, principalmente os dilemas e ambiguidades entre os papéis de mãe e mulher, que muitas vezes não são coincidentes — por vezes, chegam a se excluir mutuamente. O romance apresenta quatro gerações de mulheres, com foco na narradora não nomeada, que enfrenta os julgamentos e desafios de uma maternidade solo enquanto lida com os crescentes e misteriosos episódios de afastamento de sua filha Alma — em cada evento, alguns preciosos segundos de desaparecimento são roubados de suas vidas em comum. Os vazios e silêncios da menina parecem antecipar a falta de comunicação e apoio da própria mãe da protagonista, Glória. Nesse cenário de ausências e fragilidades, os traumas de sua criação vêm à tona, e é nas lembranças da avó Aurora...

Matheus Borges - Frankito em chamas

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Matheus Borges - Frankito em chamas - Editora Todavia - 160 Páginas - Capa e ilustração de capa: Giovanna Cianelli - Lançamento: 2025. Depois de seu romance de estreia, Mil Placebos — inspirado em um tema atual e provocador, o distorcido mundo virtual que privilegia a desinformação em detrimento do conhecimento tradicional, além dos transtornos de personalidade cada vez mais evidentes nas redes sociais — Matheus Borges volta-se, em seu mais recente lançamento, para um cenário pouco explorado na literatura: os bastidores de um set de filmagem. Em Frankito em Chamas , o protagonista-narrador, um roteirista de cinema, viaja ao balneário de La Pedrera, no litoral uruguaio, a convite da produção para acompanhar a realização de um longa-metragem que escreveu. Como costuma ocorrer nesse tipo de ambiente, a equipe é obrigada a conviver por longos períodos, aguardando o momento de filmar pequenos trechos do roteiro. Neste caso, a sensação de isolamento é intensificada pela hospedagem em um hot...

Sonia Zaghetto - Histórias escritas na água

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Sonia Zaghetto - Histórias escritas na água - Editora Patuá - 256 Páginas - Capa, Projeto gráfico e diagramação: Tarcisio Ferreira - Lançamento: 2025. O romance de Sonia Zaghetto descortina um ambicioso universo de realismo mágico, onde vida e morte se entrelaçam em narrativas densas e poéticas. Sete personagens, abrigados de uma tempestade em uma casa abandonada no coração da selva amazônica, compartilham suas histórias diante de uma cena perturbadora: o corpo de uma mulher morta repousa sobre a mesa, e um ritual de preparação se inicia, envolto em mistério e simbolismo. À medida que a autora entrelaça os fios dessas trajetórias, revelam-se conexões inesperadas que transcendem tempo e espaço, tendo como ponto comum em todas as narrativas a frágil condição humana — marcada pela inevitável alternância do limitado ciclo da existência, entre muitos erros e raros acertos. A primeira história revelada é a do guia Manoel, que retorna da morte no exato momento de seu próprio enterro. Esse aco...

Enzo Fuji - Perpetuando a ilha de Jeju com tangerinas

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Enzo Fuji - Perpetuando a ilha de Jeju com tangerinas - Editora Mondru - 280 Páginas - Capa e projeto gráfico: Jeferson Barbosa - Lançamento: 2025. Recentemente, publiquei por aqui uma resenha sobre o romance "Sem despedidas" da sul-coreana Han Kang, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2024, ambientado na ilha vulcânica de Jeju, conhecida devido ao massacre de mais de trinta mil pessoas pelo governo coreano após a Segunda Guerra Mundial, entre 1948 e 1949, antes da Guerra da Coreia em 1950. O livro de Enzo Fuji, aborda outras características da ilha, conhecida também  pelas mulheres mergulhadoras locais sem equipamentos de respiração, chamadas Haenyeo que coletam ouriços-do-mar, polvos e algas nas águas frias do oceano. Essa prática, transmitida de geração em geração, é mais do que uma ocupação — representa um símbolo de resistência, identidade e vínculo comunitário, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A prosa poética de Enzo Fuji...

Ricardo Ramos Filho - Toda poeira da calçada

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Ricardo Ramos Filho - Toda poeira da calçada - Editora Patuá - 176 Páginas Capa e projeto gráfico: Roseli Vaz - Lançamento: 2025 Não há como dissociar o romance de estreia de Ricardo Ramos Filho da categoria de autoficção. Escritor com uma carreira já consolidada em títulos voltados ao público infantil e juvenil, além de coletâneas de crônicas, Ricardo apresenta em Toda poeira da calçada um protagonista-narrador que funciona como seu alter ego: Rodrigo Ferreira Ferro, escritor recém-aposentado que compartilha com a esposa, Linda, um casamento estável e sereno — e também dois gatos. Os filhos adultos já têm vida independente, inclusive com um deles morando na Finlândia . Esse cenário doméstico de aparente tranquilidade serve de pano de fundo para as reflexões existenciais de Rodrigo, que se desenrolam em suas caminhadas pela cidade de São Paulo — retratada quase como uma personagem viva da trama — enquanto ele lida com a culpa silenciosa pela ociosidade imposta por essa nova fase da vi...

Leonardo Almeida Filho - Mandacarus

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Leonardo Almeida Filho - Mandacarus - Editora Patuá - 308 Páginas - Projeto gráfico: Roseli Vaz Capa: "O Mandacaru", acrílico sobre tela, LAF - Lançamento: 2025. O mais recente lançamento de Leonardo Almeida Filho  é uma obra singular de formação familiar — se é que podemos nomeá-lo assim — que acompanha gerações de nordestinos em um enredo envolvente, transformando em ficção as histórias de sua própria família e círculo de amigos. A narrativa  tem início no período da grande seca de 1877 no Ceará, também conhecida como a "seca dos dois setes" que assolou a região Nordeste do Brasil entre 1877 e 1879, avançando até os dias atuais. Na primeira parte do livro é apresentada a trajetória dos Farias que fogem de Fortaleza devido à seca para se estabelecer na cidade de Sousa, na Paraíba.  Em seguida, conhecemos os Pedreiras, portugueses que chegam ao Brasil em 1909, se estabelecem inicialmente em Pernambuco e depois migram para a Paraíba, onde as duas famílias se unem n...

Mário Baggio - Vozes para tímpanos mortos

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Mário Baggio - Vozes para tímpanos mortos - Editora Litteralux - 160 Páginas - Capa e diagramação: Karina Tenório - Lançamento: 2025. Mário Baggio segue fiel ao seu estilo de narrativas concisas que normalmente se resolvem em dois ou três parágrafos, suficientes para introduzir o tema, desenvolver a ideia e surpreender o leitor com desfechos inesperados. Nesta nova coletânea, seus contos funcionam como reflexões sobre uma sociedade que insiste em ignorar os sinais cotidianos de desajuste — pequenos ruídos que, por negligência, convertem-se em tragédias silenciosas. O próprio autor adverte, em sua apresentação:  "Há os gritos explícitos, estridentes, sonoros, mas, na grande maioria dos casos, eles são silenciosos, calados. Vêm à tona não por meio de sons e palavras, mas por gestos, por escolhas, por decisões intempestivas e até por inércia" . Nesta coletânea, os contos estão agrupados em três partes. Na primeira seção, Baggio explora os dilemas do envelhecer e a fragilidade d...