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Sérgio Fantini - Graciosa

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Sérgio Fantini - Graciosa - Editora Caos & Letras - 180 Páginas - Capa: Eduardo Sabino -  Ilustração de capa: Wilson Freire - Diagramação: Cristiano Silva - Lançamento: 2025. O escritor e poeta mineiro Sérgio Fantini pertence a uma geração pré-internet, em que os recursos de autopublicação e divulgação eram praticamente inexistentes, notadamente durante a década de 1970. Naquele período, os textos circulavam por meio de fanzines ou pequenas edições de baixo custo, datilografadas e mimeografadas — um formato que favoreceu o surgimento de produções originais e deu origem ao movimento conhecido como geração mimeógrafo, ou poesia marginal, assim chamada por se desenvolver à margem do mercado editorial tradicional. Mesmo hoje, Fantini mantém uma presença discreta nas redes sociais, e sua obra continua a ser divulgada principalmente por meio de amigos e admiradores. Na primeira parte de seu mais recente lançamento, um romance publicado pela valente editora mineira Caos & Letras, ...

Luigi Ricciardi - Fragmentos de uma ausência

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Luigi Ricciardi - Fragmentos de uma ausência - Editora Mondru - 128 Páginas - Projeto gráfico de Jeferson Barbosa - Lançamento: 2025. O mais recente lançamento de Luigi Ricciardi é uma autoficção composta por fragmentos de memória, apresentados como notas em que o protagonista-narrador tenta exorcizar, pela escrita, os traumas de uma relação tóxica que desencadeou um processo depressivo. Ao longo da leitura, é inevitável que o leitor se pergunte onde termina a realidade e começa a ficção — embora essa distinção seja irrelevante para o contexto da obra. A estrutura concebida por Ricciardi funciona muito bem, sustentada por um ritmo bem-humorado e envolvente, com ares de roteiro cinematográfico, que instiga a curiosidade e promove empatia por um personagem nada confiável e, justamente por isso, profundamente autêntico em suas crises de autoestima. O romance — na falta de definição melhor — é curiosamente dividido em capítulos nomeados com funções ou propriedades matemáticas, o que não de...

Krishna Monteiro - Como se rio

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Krishna Monteiro - Como se rio - Editora Confraria do Vento - 110  Páginas - Lançamento: 2024. Os livros de Krishna Monteiro desafiam os protocolos da literatura brasileira  contemporânea, centrada em dilemas existenciais e sociais ambientados nos grandes centros urbanos. Em Como se rio , o autor aprofunda o estilo já anunciado em suas obras anteriores — a coletânea de contos O que não existe mais e o romance O mal de Lázaro  — ao apresentar narrativas de caráter atemporal, muitas vezes carregadas de um lirismo místico. Mais do que contos, talvez seja mais correto chamá-las de fábulas: composições alegóricas que, reunidas, formam um evangelho singular sobre a travessia humana pela Terra. Uma jornada solitária em busca de algum sentido diante da brevidade da vida. No conto de abertura, Trypanosoma cruzi , somos surpreendidos pela escolha do protagonista, um parasita protozoário causador da doença de Chagas: "Na cozinha, a morte coloca a cabeça para fora de sua ...

Luiz Vadico - Desconforto

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Luiz Vadico - Desconforto - Editora Labrador - 144 Páginas - Capa: Amanda Chagas - Lançamento: 2024. Aos poucos, revela-se o verdadeiro sentido do título desta coletânea de contos de Luiz Vadico. É impossível evitar o desconforto crescente que nos invade ao acompanhar personagens mergulhados em situações de violência e crueldade, expondo o lado mais sombrio da natureza humana. Essa sensação se intensifica quando a maioria das narrativas é inserida no cenário das festas natalinas — época associada à união e afeto entre os chamados semelhantes — para desnudar comportamentos socialmente aceitos que, na verdade, revelam hipocrisia e preconceito. O autor evidencia, com crueza que normalmente preferimos ignorar, como os excluídos, por sua sexualidade ou condição social, são destinados à solidão, mesmo sob o contexto festivo da celebração. Com ironia e um humor que por vezes nos desconcerta, Luiz Vadico conduz suas narrativas com notável domínio de ritmo e tensão, além de diálogos precisos, c...

Vitor Miranda - Os ratos vão para o céu?

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Vitor Miranda - Os ratos vão para o céu? - Selo Neomarginal - 156 Páginas Ilustrações de Fernanda Bart - Projeto gráfico: Iris Gonçalves - Lançamento: 2025. A capa e o título deste lançamento de Vitor Miranda podem induzir à falsa impressão de que se trata de uma obra voltada ao público infantil. Mas essa é apenas a primeira das muitas ironias e contradições com as quais o autor desafia e desconcerta o leitor ao longo desta coletânea de textos que, na ausência de uma definição mais precisa, chamaremos de contos. Embora crianças apareçam como protagonistas e narradores, o que se revela é um humor mordaz e temas brutais que apresentam a perda precoce da inocência e a perversidade da condição humana. Especialmente em tempos em que a primeira fala de um bebê pode não ser “mamãe” ou “papai”, mas simplesmente “Google”, como sugere o conto de abertura. Como bem destaca Xico Sá em seu ótimo prefácio: "Este livro está repleto de assombros que reverberam lá do começo da vida. Os assombros q...

Gustavo Alkmin - A culpa deve ser do sol

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Gustavo Alkmin - A culpa deve ser do sol - Editora 7Letras - 240 Páginas - Lançamento: 2025. A coletânea de contos A culpa deve ser do sol de Gustavo Alkmin reúne alguns personagens que representam o que há de melhor e pior na condição humana. Muitos deles são figuras comuns, facilmente reconhecíveis no cotidiano dos grandes centros urbanos — pessoas envolvidas com seus amores e sonhos, mas também dominadas por preconceitos, raiva e frustrações diante de uma desigualdade social persistente. Essa desigualdade tem raízes profundas no racismo estrutural, que se manifesta não apenas na esfera econômica, mas também no acesso desigual aos serviços públicos, especialmente à segurança e à justiça. O autor critica ainda com amarga ironia o absurdo das narrativas políticas contemporâneas, distorcidas a ponto de normalizar a violência de gênero, da qual as mulheres seguem sendo as principais vítimas. A coletânea se organiza em três partes — O cálice amargo , O mistério e A procissão — que agru...

Emmanuel Carrère - O Reino

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Emmanuel Carrère - O Reino - Editora Alfaguara - 440 Páginas - Tradução de André Telles - Capa: Thiago Lacaz - Lançamento no Brasil: 2016. É difícil de acreditar, mas houve uma época, no início dos anos 1990, em que Emmanuel Carrère foi “tocado pela graça” , como ele mesmo afirma. Esse inusitado fervor religioso pela fé cristã durou quase três anos, período em que ele comparecia diariamente à missa e preenchia cadernos com comentários sobre versículos do Evangelho segundo São João. Anos mais tarde, decide escrever O Reino em tom autobiográfico — como já se tornou comum em seu estilo — abordando as origens do cristianismo no final do primeiro século. Assume, então, uma postura francamente cética, ou no mínimo ambígua, sem conseguir conter a ironia brutal sobre sua antiga fé, como quando se espanta que pessoas normais e inteligentes realmente acreditem “que um judeu de dois mil anos atrás nasceu de uma virgem, ressuscitou três dias após ter sido crucificado e retornará para julgar os vi...

Erico Verissimo - Incidente em Antares

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Erico Verissimo - Incidente em Antares - Editora Companhia das Letras - 608 Páginas. Lançado originalmente em 1971, Incidente em Antares é o último romance da bibliografia de Erico Verissimo (1905-1975). Esta obra marcou minha adolescência e já figurava há algum tempo na lista de releituras pendentes. O que a distingue de outros títulos do Realismo Fantástico da época é sua estrutura dividida em duas partes bem definidas. Na primeira, o autor apresenta uma ampla contextualização da fictícia cidade de Antares — situada na fronteira entre Brasil e Argentina — associada a episódios e personagens reais da política brasileira. Destacam-se os sucessivos governos da era Getúlio Vargas: desde o período de 1930 a 1945, que culminou na ditadura do Estado Novo, passando pela fase democrática de 1951 até seu suicídio em 1954, e avançando até a chamada Revolução ou Golpe de Estado de 1964, que deu início ao longo regime militar. Já na segunda parte, ocorre o incidente sobrenatural, concebido por V...

Tiago Feijó - Insolitudes

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Tiago Feijó - Insolitudes - Editora Litteralux - 120 Páginas - Capa e diagramação: Talita Almeida - Lançamento: 2025. Tiago Feijó lança a terceira edição da sua coletânea de contos Insolitudes , título que já surpreende ao sugerir uma reunião de eventos insólitos — isto é, situações que escapam à lógica do nosso mundo dito real. Dividido em duas partes, o livro inicia com Insolitudes Literárias , composta por três contos que exploram a metalinguagem. Em  A insólita morte de Ernesto Nestor , acompanhamos os últimos momentos de um escritor em pleno processo de criação. No ótimo  Josés , o espírito de José Saramago visita outro José, também escritor, para lhe ditar uma obra definitiva vinda do além. Já em  Conto tirado de um poema , Tiago Feijó transforma em prosa um poema de Manuel Bandeira. As referências à "indesejada das gentes" para citar eu mesmo outra expressão célebre de Bandeira, reaparecem na segunda parte da coletânea nomeada  Outras Insolitudes , revelando a...