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Mostrando postagens de junho, 2021

Leonardo Valente - criogenia de D.

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Leonardo Valente - criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos - Editora Mondrongo - 130 Páginas - Capa de Cláudio Duarte sobre a tela "Figuras em azul", de Ismael Nery (1920) - Lançamento: 2021. Todos conhecemos os benefícios de um narrador pouco confiável como estratégia narrativa ficcional, tanto para a revelação controlada de elementos da trama quanto para a construção de um desfecho inesperado, contudo, em seu mais recente lançamento, Leonardo Valente leva este recurso até as últimas consequências ao nos apresentar um(a) protagonista sem gênero fixo que, ao desnudar-se de maneira farsesca, busca a perpetuação criogênica pela escrita, revelando ao mesmo tempo os impasses e ansiedades tão comuns do nosso tempo. Um  livro difícil de definir e resenhar porque a androginia de D. provoca uma falta de referência que a princípio desnorteia o leitor, mas permite ao autor se libertar da  camisa de força do corretor ortográfico e escrever simplesmente, conduzindo o livro o

Denis Rafael Ramos - Para que se façam sempre os dias e as noites

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Denis Rafael Ramos - Para que se façam sempre os dias e as noites - Editora Reformatório - 86 Páginas - Imagem de capa: "A leitora" (óleo sobre tela) de Auguste Renoir, 1875 - Design e editoração eletrônica: Karina Tenório - Lançamento: 2020. A feliz escolha da capa nos remete ao impressionismo de Renoir no século XIX e antecipa, de certa forma, a técnica refinada empregada nesta novela de estreia de Denis Rafael Ramos que, apesar da curta extensão, nos encanta pela densidade e maturidade na condução da narrativa, ambientada em uma época e local indefinidos e  sob o ponto de vista de Nazaré, o filho caçula que nos apresenta, por meio de suas lembranças, a  história da própria família, marcada pela morte violenta do pai. Uma opção acertada do autor foi trabalhar com a voz narrativa em terceira pessoa, o que deslocou o foco para outros personagens, seus dois irmãos, Florindo e Manoela, assim como revelou a origem da infelicidade dos pais. Ao longo do livro, percebe-se  uma  con

Anderson Felix - Matei minha mãe

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Anderson Felix - Matei minha mãe - Kotter Editorial - 244 Páginas Projeto e Edição Gráfica: Cintia Belloc - Lançamento: 2020. Anderson Felix surpreende neste típico romance de formação – na linha de  Daniel Galera em Mãos de Cavalo ou  Barba Ensopada de Sangue –,  criando personagens carismáticos e diálogos bem construídos, só que adotando uma pegada ainda mais visceral.  Matei minha mãe é narrado em primeira pessoa por Samuel dos Passos, um protagonista adolescente, morador da periferia de Florianópolis que acredita, como destacado no provocativo título, ter sido o responsável pela morte da própria mãe, direcionando toda a culpa e a raiva acumuladas para um hábito de isolamento e sessões de  masturbação compulsivas. A narrativa é feita em retrospectiva pelo protagonista e ambientada no final dos anos noventa, assumindo um tom direto e coloquial que empresta credibilidade à voz do personagem, um rapaz de apenas 15 anos frustrado com a falta de opções e cuja única referência afetiva,

Diego Ruas - A fome é a mãe de todas as bombas

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Diego Ruas - A fome é a mãe de todas as bombas - Editora Penalux - 100 Páginas  Capa e Diagramação de Talita Almeida - Lançamento: 2020. Como fica claro a partir do título –  A fome é a mãe de todas as bombas –  não falta engajamento político ao livro de Diego Ruas, afinal o poeta não pode ignorar a realidade que o cerca, já gritam os versos iniciais: "Como ser neutro, se a realidade / é uma lâmina que atravessa meu peito / e recorta meu país em classes?" ou no aviso que cala fundo em nossa alma: "Se a gente não toma cuidado, / a vida se torna morte / cotidiana, do melhor / que a gente tem / dentro / de / nós." , não podemos deixar que isso aconteça e para nos alertar serve também a poesia. A declaração está feita no melhor estilo de Paulo Leminski: "[...] Quero todas as coisas ao mesmo tempo. / Eu sou uma parte do mundo no mundo / a perder à vista. / Quero jogar uma bomba na rotina / e incendiar o mundo / de borboletas. //  Eu sou uma bomba atônita / em estad

Zeh Gustavo - Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes

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Zeh Gustavo - Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes - Editora Viés - 108 Páginas - Capa de Gessica Marques - Apresentação de Alberto Mussa - Lançamento: 2018. Os 21 contos de Zeh Gustavo reunidos nesta mais recente coletânea são constituídos por uma prosa muito própria, cadenciada e rica em neologismos, que busca reproduzir com lirismo a linguagem e os costumes das ruas do Rio de Janeiro e, ao dar voz a uma  legião de personagens tipicamente cariocas, sempre em um tom confessional em primeira pessoa, produz uma literatura na melhor tradição de escritores que souberam retratar e eternizar a cidade, cada qual no seu tempo, tais como: Machado de Assis, João do Rio e Lima Barreto. Uma outra característica do autor é flagrar os seus protagonistas – autênticos perdedores que ainda preservam uma dignidade possível, – em um realismo marcado por situações-limite das quais não conseguem escapar e fazendo os textos de Charles Bukowski parecerem ingênuos, como em  Por sobre o ruí