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Mostrando postagens de abril, 2023

Victoria Schechter - Prismas

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Victoria Schechter - Prismas - Editora Patuá - 288 Páginas - Capa e Diagrmação de Fernando Campos Lançamento: 2023. A visão na literatura é normalmente metáfora para o conhecimento, sendo a cegueira, em contrapartida, um destino trágico de escuridão e ignorância; em alguns casos até mesmo representação para a falta de humanidade que se torna barbárie, como na alegoria de José Saramago em Ensaio sobre a Cegueira . Já Victoria Schechter, ela própria uma deficiente visual, nos apresenta em seu romance de estreia uma abordagem mais realista. A protagonista-narradora é Isabel Leone, uma cantora e professora de música cega de nascença que tem a sua rotina alterada por uma gravidez indesejada. Durante uma longa viagem de avião, ela relembra passagens de sua vida desde a infância, o preconceito social contra a deficiência, as experiências amorosas e a descoberta de seu próprio corpo.  A autora destaca em seus comentários finais que a deficiência visual é ainda mais cruel com as mulheres que, o

Shirley Jackson - Sempre vivemos no castelo

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Shirley Jackson - Sempre vivemos no castelo - Editora Alfaguara - 176 Páginas - Tradução de Débora Landsberg - Capa: Elisa vonRandow - Imagem de capa: Youth de Will Barnet - Lançamento 2022. Shirley Jackson (1916-1965) ficou conhecida por seu conto  A loteria  ( ler a resenha de  A loteria e outros contos  no Mundo de K ), que se tornou um clássico do gênero de horror. Contudo, é neste seu último romance,  publicado originalmente em 1962,  que encontramos uma das anti-heroínas mais misteriosas e bem construídas da literatura, assim como um dos melhores parágrafos de abertura já escritos: "Meu nome é Mary Katherine Blackwood. Tenho dezoito anos e moro com a minha irmã Constance. Volta e meia penso que se tivesse sorte teria nascido lobisomem, porque os dois dedos médios das minhas mãos são do mesmo tamanho, mas tenho de me contentar com o que tenho. Não gosto de tomar banho, nem de cachorros nem de barulho. Gosto da minha irmã Constance, e de Richard Plantagenet, e de Amanita phal

Valéria Martins - O lugar das palavras

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Valéria Martins - O lugar das palavras - Editora 7Letras - 132 Páginas - Capa de Luiza Chamma - Lançamento: 2023. Com uma combinação original entre romance e contos, a agente literária Valéria Martins faz a sua estreia na ficção utilizando a própria experiência no mercado editorial como inspiração para a criação do protagonista-narrador Rafael Sant'Anna,  um jovem recém-formado em jornalismo que sonha em se tornar escritor. No entanto, assim como tantos outros autores iniciantes, Rafael, que está desempregado e precisa cuidar da mãe e da avó dependentes, logo percebe que escrever bem é uma condição necessária, mas não suficiente para ter sucesso na área de literatura, uma empreitada que demanda muito trabalho e organização para vencer as  etapas de criação, publicação e  divulgação, verdadeiro desafio em um país de ótimos escritores e poucos leitores.  Orientado por uma colega de faculdade que trabalha na assessoria de imprensa de uma grande editora, Rafael se inscreve em uma ofici

Cinthia Kriemler - Viúvas de sal

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Cinthia Kriemler - Viúvas de sal - Editora Patuá - 108 Páginas - Capa de Roseli Vaz - Lançamento: 2022 O mais recente lançamento de Cinthia Kriemler é um romance com alguns temas recorrentes no estilo visceral de outras obras da autora, tanto na prosa quanto na poesia. Em Viúvas de sal , a violência contra o gênero feminino é perpetuada por uma rotina de ritos patriarcais e perseguiçao religiosa, mantendo as personagens presas a um destino cruel e inescapável, do qual apenas a morte pode representar um alívio. A ação é situada na fictícia  Cooperativa de Pescadoras de  Porto do Xaréu, em Pernambuco, uma organização que exerce na prática o conceito de sororidade para além dos discursos feministas,  como destacado por Taciana Oliveria na orelha do livro, ou seja, uma alternativa à insuficiência de políticas públicas, espécie de irmandade, com base no afeto e na solidariedade, que salva essas mulheres de uma miséria ainda maior, decorrente da viuvez precoce e da exclusão social. A narrati

Humberto Conzo Junior - As sete mortes do meu pai

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Humberto Conzo Junior - As sete mortes do meu pai - Editora Mondru - 228 Páginas - Projeto gráfico: Jeferson Barbosa - Lançamento: 2022. O romance de estreia de Humberto Conzo Junior é uma corajosa e sensível autoficção que resgata em detalhes a sua relação ao longo de toda a vida com o pai falecido recentemente.   O resultado é um texto verdadeiro que, sem ocultar os problemas familiares decorrentes dos vários casamentos, crises financeiras e demais confusões provocadas pela personalidade irresponsável do pai , emociona e provoca a identificação imediata no leitor.  Nas palavras do próprio Humberto, que sempre teve um comportamento oposto, tímido e sensato, trata-se de um livro de (des)formação e (re)formação no qual o narrador/autor pratica um processo de desconstrução para se reconstruir.  O título é uma referência aos afastamentos impostos após cada separação: "Todas as pessoas morrem só uma vez. Quantas vezes terei que perder meu pai? A primeira vez foi com a separação da min

Alex Xavier - O teatro da rotina

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Alex Xavier - O teatro da rotina - Editora Patuá - 192 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação: Leonardo Mathias - Lançamento: 2018. Os contos de Alex Xavier apresentam pessoas comuns em atividades rotineiras nos grandes centros urbanos brasileiros; colegas de trabalho, vizinhos, familiares ou amigos virtuais, com os quais convivemos diariamente, sem lhes dar a devida atenção. As narrativas inserem personagens –  "pessoas-algoritmo", como bem definido por Nelson de Oliveira na orelha do livro –  em situações fantásticas, sempre bem-humoradas, inspiradas por diferentes elementos de gênero, tais como: terror, suspense e até mesmo ficção científica, contudo sem que os protagonistas percebam os absurdos que acontecem ao seu redor, envolvidos em suas rotinas eles insistem em continuar os antigos hábitos familiares como uma forma de manter a segurança, indiferentes à realidade. E, para satisfação do leitor, não há limite para as situações disruptivas imaginadas por Alex

Marcelo Conde - Amanhã vai ser pior

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Marcelo Conde - Amanhã vai ser pior - Editora Patuá - 476 Páginas - Capa de Eiji Kozaka - Lançamento: 2021 O romance de Marcelo Conde é uma das obras recentes que melhor define o impasse da nossa sociedade atual, a qual nos impõe uma escolha absurda entre o isolamento ou a polarização política. De um lado o conformismo, do outro o ódio. Pedro decide abandonar o país após brigar com a família e amigos nos grupos de WhatsApp, além de ter sofrido ameaças físicas e ser demitido por questões políticas, após a eleição de Bolsonaro no final de 2018. Em Barcelona, ele se torna um "lixeiro virtual" trabalhando para uma famosa rede social como analista de conteúdo, ou seja, censurando postagens com vídeos de assassinatos, pedofilia, canibalismo e outras atrocidades, uma atividade que logo cobra o seu preço, começando a afetar a sua sanidade mental e comportamento, assim como a de outros colegas de trabaho, fazendo Pedro pensar como "a humanidade vive na Idade Média, mas com um ce