Alex Xavier - O teatro da rotina

Literatura brasileira contemporânea
Alex Xavier - O teatro da rotina - Editora Patuá - 192 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação: Leonardo Mathias - Lançamento: 2018.

Os contos de Alex Xavier apresentam pessoas comuns em atividades rotineiras nos grandes centros urbanos brasileiros; colegas de trabalho, vizinhos, familiares ou amigos virtuais, com os quais convivemos diariamente, sem lhes dar a devida atenção. As narrativas inserem personagens – "pessoas-algoritmo", como bem definido por Nelson de Oliveira na orelha do livro – em situações fantásticas, sempre bem-humoradas, inspiradas por diferentes elementos de gênero, tais como: terror, suspense e até mesmo ficção científica, contudo sem que os protagonistas percebam os absurdos que acontecem ao seu redor, envolvidos em suas rotinas eles insistem em continuar os antigos hábitos familiares como uma forma de manter a segurança, indiferentes à realidade.

E, para satisfação do leitor, não há limite para as situações disruptivas imaginadas por Alex Xavier em cada um dos contos de O teatro da rotina. Pode ser uma mosca inconveniente que se faz passar por musa ao entrar na cabeça de um escritor em crise e aconselhá-lo nos planos existencial e profissional (Ó, musa), um astronauta brasileiro que decide participar de uma missão internacional em Marte para fugir de um relacionamento tóxico com o namorado no Brasil e é salvo por uma inteligência artificial que aprende o significado da ironia (Fuga para Marte), o hilário caso do dragão na garagem do prédio que perturba uma clássica reunião de condominío em São Paulo (O Leviatã de Santa Cecília) ou a tentativa de manter o emprego em uma cidade invadida por zumbis (Apocalipse diário).

"Tanta pendência e eu aqui sentada em cima dessa bola gigante. Há quinze anos, eu voltava da balada na primeira luz do dia e tirava sarro do povo que acordava cedo pra correr na esteira, levantar uns pesos e pular sobre uma prancha de step. Agora, com mais de quarenta, um casalzinho de gêmeos e uma hérnia de disco, fui abduzida e lobotomizada. Tenho três calças de treino e cinco camisetas largonas, que revezo entre as aulas de bike indoor, jump, GAP e um tal de kangoo jump – odiei, já vou largar. Além do pilates, claro. Cá estou fazendo as posições mais constrangedoras diante de uma janelona bem em frente ao meu prédio, só para os encontros com vizinhos no elevador ficarem mais desconcertantes. Desço fazendo o C com o peito, solto o ar pela boca, volto puxando pelo nariz. Cada exercício leva uma eternidade. Já perdi a conta, vou fingir que acabou. / ... e quinze. / A instrutora não acredita, mas é jovenzinha. Não precisa dar bronca em uma mulher que parece mãe dela. Como punição singela, clama pela posição de perdigueiro. Pra quem não está familiarizado com a terminologia da ginástica, é o que parece mesmo. Você fica de quatro, estica a perna direita para trás no alto e o braço esquerdo pra frente, como um cão de caça apontando o local onde a lebre foi alvejada. Um cachorro de desenho animado do Pernalonga. E assim permanece, respirando como pode, até a professora, com seu vagaroso relógio mental, achar que deu trinta segundos e te mandar relaxar." (p. 43) - Trecho do conto Pilates

No conto É só o fim, o protagonista chega à surpreendente conclusão de que o mundo deveria acabar mais vezes para ele ter a chance de mandar o seu chefe para o inferno, deixar de se preocupar com a escassez da água ou o efeito estufa, encerrar o tempo no planeta com um grande orgasmo, além de todas as outras pequenas coisas que deixou de fazer ao longo da vida: "Já podemos brincar sem receio na chuva, tomar leite com manga e dormir com o cabelo molhado. Acabaram-se os efeitos. Só as ações importam. O que fazer então? Correr pelado pela Paulista. Invadir a piscina do Pinheiros. Roubar um carrão daquelas lojas do Jardim Europa."

"Interrompemos nossa programação para uma última notícia extraordinária. Cientistas australianos acabam de revelar que conseguiram determinar a idade exata da Terra. A partir desta informação, foi possível calcular a data e hora da extinção do planeta. A conclusão é alarmante. Segundo eles, o prazo de validade se esgota amanhã, às seis e um da manhã, horário de Brasília. Será o fim de toda a humanidade. Nenhum jornalista gostaria de dar essa notícia, mas é nosso dever levar o máximo de informação ao público. Continue com a gente. Estaremos atentos a tudo que acontecer nesta dramática contagem regressiva. A seguir: a repercussão ao redor do mundo. / O canal sai do ar e resta apenas estática na televisão. Se o repórter quiser continuar, terá de operar a câmera. O resto da equipe deve ter debandado. Imagino a alegria dos profetas do apocalipse esfregando na cara de todos. Eu avisei, eu avisei. O impacto da revelação ecoa pela vizinhança. Ouço choro adulto no apartamento ao lado. Na rua, gritos incompreensíveis. Até os cães parecem entender a mensagem, pois ladram em uníssono. Já eu, surpreendido pela notícia no momento em que dava as costas à eternidade no parapeito da sacada do meu apartamento, reconheço a piada do Universo e deixo escapar um riso com saliva. De olhos cerrados, agarrado à grade e concentrando meu peso sobre o metatarso e as falanges dos pés, como um atleta de saltos ornamentais segundos antes de tirar o fôlego dos torcedores, refugo." (p. 69) - Trecho do conto É só o fim

Fazer literatura com humor é sempre mais difícil, contudo, apesar do estilo leve de Alex Xavier, o livro provoca desconforto e nos faz pensar se, assim como os personagens, também não estamos nos distraindo com os pequenos problemas do cotidiano para evitar as questões maiores, bem mais complicadas de resolver. Fico com a epígrafe certeira escolhida pelo autor: "Como cansa ser você mesmo o tempo todo" (Julio Cortázar em Jogo de Amarelinha)

"Enquanto foi possível, provei do bom, do melhor e do caro. Infelizvocmente, preciso me conter. Meu barquinho afundou em uma operação da Polícia Federal chamada Master Chef, que expôs desvios de verba do fundo partidário em gastos com o mercado de luxo. O gancho estava nas contas absurdas em restaurantes estrelados, que revelaram despesas injustificadas muito maiores. Sou dos que usufruíram por tabela, ganhando migalhas, regalos, mimos, mas sem lucrar de fato. Não importa. Em prisão domiciliar, distante da minha família e usando uma incômoda tornozeleira eletrônica, eu me considero um náufrago. Minha ilha é um sobrado de duzentos metros quadrados do qual não saio nunca. Sou o Robinson Crusoé da Vila Mariana, com uma porta de geladeira coberta por ímãs de menus de delivery. / Conheci até um Sexta-feira, apelido que dei ao entregador de comida chinesa, que peço, como se pode imaginar, às sextas. Há também um Terça-feira, dia de massa. Quarta-feira é o do árabe. Não, desculpe, mexicano. Confundi com o Segunda-feira. Sábado me traz japonês e Domingo, claro, pizza. Não existe um Quinta-feira, quando me viro com as sobras. Mas, no fundo, são todos o mesmo cara escondido por trás do capacete e do macacão padronizado. [...]" (pp. 125-6) - Trecho do conto Delivery

Literatura brasileira contemporânea

Sobre o autor: Alex Xavier nasceu em São Paulo, em 1975. Jornalista e crítico de cinema, passou por redações como a da revista Veja São Paulo e a do jornal O Estado de São Paulo. Refugiado na ficção, foi aluno do Curso Livre de Preparação de Escritores (Clipe), da Casa das Rosas, participou das coletâneas Não Pretendia Criar Discórdia (Giostri, 2017) e Eros Ex-Machina (@link, 2018), produz zines como membro do coletivo Discórdia e teve textos publicados em revistas literárias como Subversa, Vacatussa, Gueto e Escriva. Seu conto Tortura do Método, que integra este livro, recebeu Menção Honrosa no Concurso de Contos Paulo Leminski de 2017. Seu livro mais recente é Não vai dar tempo (Patuá, 2022)

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar O teatro da rotina de Alex Xavier

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