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Mostrando postagens de abril, 2020

Ricardo Terto - Os dias antes de nenhum

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Ricardo Terto - Os dias antes de nenhum - Editora Patuá - 104 Páginas - Capa, projeto gráfico e diagramação: Rodrigo Sommer - Lançamento: 2019. Os 13 contos reunidos nesta antologia de Ricardo Terto obedecem à estrutura que foi consagrada por alguns mestres do gênero, ou seja, pequena extensão dos textos, narrados em primeira ou terceira pessoa, conquistando a atenção do leitor desde o início e finais surpreendentes.  Contudo, seguem também uma orientação mais subjetiva que se torna clara à medida que avançamos na leitura: uma certa dificuldade de adaptação dos protagonistas aos padrões de conduta impostos pela sociedade, deslocados do meio em que vivem e envolvidos em atividades profissionais com as quais não se identificam, os personagens, em sua fragilidade, provocam a identificação do leitor e o conflito na trama, combustível da boa literatura. Seja o vigilante noturno Durval, que acompanha uma área conhecida pelo consumo de crack, prostituição e violência,  "protege

Alexandra Vieira de Almeida - A negra cor das palavras

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Alexandra Vieira de Almeida - A negra cor das palavras - Editora Penalux - 102 Páginas - Editoração Eletrônica e Capa de Karina Tenório - Posfácio de Nuno Rao - Lançamento: 2020. Os poemas neste mais recente lançamento de Alexandra Vieira de Almeida, A negra cor das palavras , lidam com os simbolismos relacionados ao chiaroscuro , como era denominada a técnica de pintura renascentista que consistia em revelar os objetos por meio do contraste entre luz e sombra. Neste jogo de diferenças – mas que pode revelar também harmonia –  a poeta destaca as palavras impressas contra a página em branco, a lua que inspira a noite dos poetas,  o amanhecer a brincar com a madrugada na floresta negra, o vinho tinto e o erotismo ácido das estrelas , companheiros da aventura da escrita e tantos outros signos. Acontece também da negritude representar o alerta do desequilíbrio social e preconceito racial contra uma etnia em nosso  país dividido em fragmentos , como neste lindo trecho do poema 

Fabio Weintraub - Quadro de Força

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Fabio Weintraub - Quadro de Força - Editora Patuá - 112 Páginas - Projeto gráfico e diagramação de Luyse Costa - Lançamento: 2019 Fabio Weintraub retrata os urgentes desequilíbrios sociais do nosso tempo e confere uma voz para grandes parcelas da nossa população que têm o status de invisíveis, talvez porque ninguém se interesse realmente em enxergá-las, "perdedores" que insistem em sobreviver na paisagem urbana, ignorados por todos. Seja a partir do martírio de uma travesti no SUS para conseguir um corpo impossível, descrito em  Sete poemas trans , ou por meio da dor de uma mãe (ou pai) ao perder o filho assassinado devido à violência policial em  O rosto , essas pessoas se transformam em personagens-vítimas no cotidiano das nossas grandes e injustas cidades. Se a inspiração dos temas é brutal, o estilo tem como base uma técnica refinada na qual o ritmo dos versos livres se associa com a escolha cuidadosa da linguagem e rimas.  É importante não cair na armadilha sim

Alê Motta - Velhos

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Alê Motta - Velhos - Editora Reformatório - 136 Páginas - Design e editoração eletrônica: Negrito Produção Editorial - Lançamento: 2020. Este mais recente lançamento de Alê Motta, uma antologia de narrativas curtas, todas associadas a protagonistas na terceira idade, me lembrou uma passagem de O Animal Agonizante de Philip Roth que resume bem o assunto:  "Para aqueles que ainda não são velhos, ser velho significa ter sido. Porém ser velho significa também que, apesar e além de ter sido, você continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a consciência de ter sido. Eis uma maneira de encarar a velhice: é a época da vida em que a consciência de que a sua vida está em jogo é apenas um fato cotidiano. É impossível não saber o fim que o aguarda em breve. O silêncio em que você vai mergulhar para sempre. Fora isso, tudo é tal como antes. Fora isso, você continua sendo imortal enquanto vive." Essa sensação de imortalidade enquanto vivemos, ou

Julie Dorrico - Eu sou macuxi e outras histórias

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Julie Dorrico - Eu sou macuxi e outras histórias - Editora Caos e Letras - 108 Páginas - Ilustrações de Gustavo Caboco - Projeto Gráfico: Cristiano Silva - Arte de Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2019. Sabemos que a assimilação da cultura indígena foi um verdadeiro genocídio em nosso país em vários níveis, inicialmente como uma guerra bacteriológica entre as moléstias que o branco trazia e eram fatais para a população nativa, depois pelas sucessivas e frustradas tentativas de escravização do índio. E ainda hoje não há lugar em nossa sociedade  para os territórios e direitos indígenas, muito menos para a literatura indígena. Julie Dorrico nos apresenta com este livro o orgulho do pertencimento étnico e nos ensina o que já deveríamos saber: "de que afinal, humanos, florestas, animais, somos todos gente." Em "O caminho de volta" , o texto de apresentação do escritor e professor Daniel Munduruku, um dos expoentes da literatura indígena hoje, graduado em fil

Adriana Vieira Lomar - Aldeia dos Mortos

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Adriana Vieira Lomar - Aldeia dos Mortos - Editora Patuá - 196 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação: Leonardo Mathias - Lançamento: 2020. Adriana Vieira Lomar utilizou um recurso narrativo semelhante ao imaginado por Ian McEwan em seu romance de 2016, Enclausurado , no qual um feto em gestação conduz toda a trama, só que a autora neste Aldeia dos Mortos vai ainda além ao fazer com que o seu improvável protagonista – uma menina, viremos a descobrir – se desloque até o passado para conhecer e tentar influir no destino dos antepassados. "No princípio, quando não se tem a capacidade de sonhar, talvez haja um vazio. Uma escuridão ou um clarão." Ao perceber o seu próprio corpo aumentar, da condição de uma bola gelatinosa e grudenta até  uma espécie de gergelim indefinido, o feto escuta murmúrios e "desconfia" que exista alguém além dele no universo que habita. Aos poucos aprende que as "paredes do seu quarto" estão se movimentando e