Postagens

Mostrando postagens de março, 2022

Alex Andrade - Para os que ficam

Imagem
Alex Andrade - Para os que ficam - Editora Confraria do Vento - 160 Páginas - Projeto gráfico: Pranayama Design, Rosana Almendares - Lançamento: 2022. O mais recente lançamento de Alex Andrade é um romance narrado em primeira pessoa por Ana, uma protagonista pouco confiável que cuida  do pai com Alzheimer  em meio aos escombros de sua vida pessoal: "Eu tenho quarenta e sete anos, e, se eu tiver sorte, sobrevivo como quem emerge de um mergulho malsucedido, se o mundo me permitir, onde quer que eu esteja, com as cores que o cenário apresentar, mesmo nos sonhos, mesmo que embriagada, ainda tragando a fumaça do cigarro para não embaçar a visão, talvez eu mereça, talvez o mundo conspire. Uma vez meu pai me disse que mergulhar era a solução para entender o desconhecido. Foi desse jeito que ele me lançou no mar." Na rotina claustrofóbica do apartamento, onde convive sozinha com o pai doente, Ana relembra os relacionamentos familiares do passado com o ex-marido Jota, alcoólatra como

Nilton Resende - Fantasma

Imagem
Nilton Resende - Fantasma - Editora Trajes Lunares - 100 Páginas - Capa de Nilton Resende e Ulysses Ribas - Imagem de Capa de Afonso Sarmento - Lançamento: 2022. "Nos lugares, após frequentados por pessoas diversas, há sempre um pouco delas: odores, raspas de pele, pelos salivas, lembranças sonoras, humores vários. Grudam-se às paredes, tecidos, pisos. Por vezes, varam-nos. / Os lugares todos são palimpsestos de visitas." Este é o formidável início do romance de Nilton Resende, Fantasma , que tem como protagonista uma presença incorpórea formada por todas as lembranças de pessoas que passaram por um quarto de hospedaria. Limitado a este espaço, o espectro se ressente pela falta de um corpo, existindo apenas pela palavra e sofrendo com a impossibilidade de concretizar um ato de afeto. O autor soube resolver com criatividade a complexa questão narrativa de diferenciar  as falas do fantasma-narrador e dos outros personagens, assim como a condução principal em terceira pessoa, s

Tito Leite - Dilúvio das Almas

Imagem
Tito Leite - Dilúvio das Almas - Editora Todavia - 112 Páginas - Capa de Elisa v. Randow - Ilustração de capa: Passeio , de Rafaela Pascotto - Lançamento: 2022. O romance de estreia do poeta cearense Tito Leite é permeado por um estilo de frases curtas e diálogos essenciais, fazendo lembrar da clássica citação de  Graciliano Ramos (1892-1953)  ao comparar a atividade do escritor com o ofício das lavadeiras de Alagoas, na qual o mestre nos ensinava: "A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer" , simples assim. Outra semelhança com a obra do velho Graça é a construção de personagens sufocados por um meio social hostil e em permanente crise existencial. O narrador-protagonista é Leonardo que, após muitos anos vivendo em São Paulo, retorna à cidade natal no interior do Ceará, Dilúvio das Almas, um lugar onde a desigualdade social e a impunidade alimentam o clima de violência e  "O bicho mais fácil de matar é o homem."

Thiago Medeiros - Sou a pronúncia do teu nome

Imagem
Thiago Medeiros - Sou a pronúncia do teu nome - Editora Urutau - 116 Paginas Diagramação e capa: Victor H. Azevedo - Lançamento: 2021. Encontrei neste livro de poemas de Thiago Medeiros o mesmo compromisso já demonstrado anteriormente na sua prosa – ler a resenha da antologia de contos "Claro é o mundo à minha volta"  – com tudo aquilo que é próprio da natureza humana na busca de algum sentido para uma breve e frágil existência, um apoio que a literatura sempre oferece como uma espécie de religião.  Por sinal, a religiosidade é uma inspiração constante na obra de Thiago, assim como as demandas do corpo, temas que não são incompatíveis, muito pelo contrário. Exemplo deste ritmo de opostos está no poema abaixo  "no dia que antecede catorze de dezembro" . A beleza dos versos é constante, mesmo ao tratar de assuntos como xenofobia em "visita ao masp" : "[...] Boa tarde // E a atendente / Sabe de onde / Sou // minha língua / brotando raios / da silibrina;

Kenzaburo Oe - A substituição ou As regras do Tagame

Imagem
Kenzaburo Oe - A substituição ou As regras do Tagame - Editora Estação Liberdade - 352 Páginas - Tradução de Jefferson José Teixeira - Capa: Ciro Girard - Lançamento: 2022. Com este lançamento, a Editora Estação Liberdade dá início à publicação da trilogia autobiográfica de Kenzaburo Oe (1935-2023), Prêmio Nobel de Literatura de 1994. Na verdade, toda a obra de Kenzaburo Oe é marcada por  elementos autobiográficos e engajamento político sobre questões polêmicas do Japão moderno, como o ativismo antinuclear e pacifista, posições que já provocaram reações de grupos nacionalistas de extrema-direita, diferindo da delicadeza e tradicionalismo apolítico de outro grande autor japonês também agraciado com o Nobel de Literatura em 1968, Yasunari Kawabata (1899-1972), criticado por propagar uma imagem exótica do Japão no ocidente. Neste A substituição ou As regras do Tagame , publicado originalmente em 2000, Kenzaburo Oe mistura ficção e realidade, assim como  constantes referências à literatur

Alexei Bueno - O sono dos humildes

Imagem
Alexei Bueno - O sono dos humildes - Editora Patuá - 188 Páginas - Projeto gráfico e diagramação: Leonardo Mathias - Ilustrações de Albrecht Dürer - Lançamento: 2021 O mais recente livro de poemas de Alexei Bueno, O sono dos humildes , recebeu um caprichado acabamento gráfico da Editora Patuá, com luva em papel kraft e ilustrações na capa e sobrecapa de Albrecht Dürer (1471-1528), uma edição que combina com o estilo clássico do poeta carioca ao lidar com sonetos e outras estruturas fixas, rigor métrico e rimas precisas, assim como a inspiração em obras da antiguidade grega. O mais surpreendente é que o classicismo e a complexidade da proposta estética de Alexei Bueno o colocam em uma posição única e, portanto, de vanguarda no cenário da poesia brasileira contemporânea. Uma preocupação metafísica permeia muitos dos poemas desta edição, como a busca de "um sentido" em Episódio (p. 15), ou a certeza da fragilidade do destino humano em Incompleto (p. 45): "Que somos nós n