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Mostrando postagens de julho, 2022

Andrea Abreu - Pança de burro

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Andrea Abreu - Pança de burro - Editora Companhia das Letras - 192 Páginas - Tradução de Livia Deorsola - Capa: Elisa von Randow - Lançamento: 2022 O premiado livro de estreia de Andrea Abreu é narrado por uma protagonista de apenas dez anos, nomeada por seu apelido, Shit, assim como a autora nascida em Tenerife nas Ilhas Canárias espanholas, onde é ambientado o romance, em uma região montanhosa do interior, isolada do restante da ilha e próxima a um vulcão com risco de erupção. Outra característica do local é o fenômeno meteorológico chamado "Pança de burrro", que empresta o título à obra: nuvens pesadas e baixas que formam uma espessa camada sobre a terra, um cenário árido, longe das famosas praias e balneários de Tenerife, maior ilha do arquipélago das Canárias. Shit tem uma melhor amiga chamada Isora e, durante as férias escolares, ambas compartilham a descoberta da sexualidade entre as brincadeiras típicas da idade e outras nem tanto. Isora é mais madura, órfá de mãe e s

Natasha Tinet - Uma alegria difícil

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Natasha Tinet - Uma alegria difícil - Editora Kotter - 84 Páginas - Capa: Cintia Belloc Colagem da capa: Natasha Tinet - Lançamento: 2021. O mais recente lançamento da poeta e artista visual Natasha Tinet, Uma alegria difícil , é um livro sobre encontros, apesar de ter sido escrito durante o isolamento da pandemia, ou talvez exatamente por isso.  Uma das três epígrafes é de Millôr Fernandes e expressa bem a aparente contradição do título: "Toda alegria é assim: já vem embrulhada numa tristezinha de papel fino" . As outras duas citações são de Clarice Lispector e Wislawa Szymborska, para se ter uma ideia do nível das influências. Aqui, o s poemas narrativos são mais extensos e amadurecidos e a emoção substitui o humor e a ironia do seu livro de estreia, Veludo Violento , excelente por sinal. No primeiro capítulo, chamado simplesmente Encontros , as referências literárias e artísticas que marcaram a poeta, tão diversas quanto: Marguerite Duras​, Virginia Woolf, Ingmar Bergman,

Mário Theodoro - A sociedade desigual

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Mário Theodoro - A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil - Editora Zahar - 448 Páginas - Capa: Alceu Chiesorin Nunes - Lançamento: 2022. O economista e professor Mário Theodoro vem demonstrar com este livro que a extrema e persistente desigualdade social no Brasil tem origem no racismo estrutural – como ideologia que unifica, implícita ou explicitamente, a crença na superioridade branca e justifica e naturaliza a desigualdade –, que não se sustenta apenas na questão econômica e social, mas também no acesso diferenciado aos serviços públicos e principalmente à segurança e à justiça. A questão racial está presente tanto no cenário micro, no cotidiano do cidadão negro, evidenciando-se em discriminação e preconceito racial, quanto no plano macro, a partir das ações (ou falta de ações) do Estado e das instituições, evidenciando-se na prática da necropolítica e do biopoder. A necropolítica pode ser definida como a já rotineira política de perseguição e morte impetra

Yukio Mishima - O marinheiro que perdeu as graças do mar

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Yukio Mishima - O marinheiro que perdeu as graças do mar - Editora Estação Liberdade - 176 Páginas -  Tradução de Jefferson José Teixeira - Capa: Mika Matsuzake - Lançamento: 2022. Apesar da condução da narrativa em terceira pessoa, Yukio Mishima (1925-1970) soube alternar com habilidade o ponto de vista dos três personagens principais a partir de suas diferentes perspectivas – e de como interpretam o mundo que os cerca – neste romance que lida com alguns dos temas recorrentes na extensa bibliografia do autor: paixão glória e morte.  Fusako Kuroda é uma viúva, proprietária de uma refinada loja de artigos masculinos e que vive com seu filho único Noboru de 13 anos. Após cinco anos da morte do marido, Fusako conhece Ryuji Tsukazaki, oficial da marinha mercante, ao levar o filho, apaixonado por navios, em uma visita ao porto de Yokohama no c argueiro Rakuyo, no qual  Ryuji estava embarcado, iniciando um relacionamento amoroso. O livro tem início com a descoberta por Noboru de um furo no i

Silvina Ocampo - As convidadas

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Silvina Ocampo - As convidadas - Editora Companhia das Letras - 264 Páginas - Tradução de Livia Deorsola - Capa de Elisa von Randow - Lançamento: 2022. Difícil encontrar um exemplo na literatura que possa servir de comparação para explicar a obra de Silvina Ocampo (1903-1993), criadora de um estilo único entre o surrealismo, o realismo mágico e a literatura fantástica, porém não se enquadrando em nenhuma dessas categorias. Nesta coletânea de contos, lançada originalmente em 1961, além da influência das escolas já citadas, presentes também em seu livro anterior A fúria e outros contos (1959), encontramos aqui novamente os sinais de perversão e crueldade que escapam ao controle moral da família e da sociedade, apresentando um universo aparentemente transfigurado e que, no entanto, descobrimos não ser tão diferente assim da nossa própria realidade, isto é o mais perturbador. Neste livro, a autora avalia também as relações amorosas, mas com o filtro do seu olhar, amor e ódio se confundem,

Karl Ove Knausgård - Outono

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Karl Ove Knausgård - Outono - Editora Companhia das Letras - 208 Páginas - Tradução do norueguês por Guilherme da Silva Braga - Capa: Raul Loureiro - Lançamento no Brasil: 2022. Primeiro lançamento do autor norueguês Karl Ove Knausgård (pronuncia-se "quenausgorde") depois do monumental projeto de autoficção em seis volumes chamado de Minha Luta (uma provocação utilizando o mesmo título do livro de Adolf Hitler, Mein Kampf ), Outono dá início à Quadrilogia das Estações , uma nova série de cunho autobiográfico. Neste sentimental primeiro volume, lançado originalmente em 2013, o autor escreve três cartas para a filha, seis meses antes de seu nascimento:  "Agora, enquanto escrevo, você não sabe nada a respeito de nada – o que a espera, em que tipo de mundo você há de surgir. E eu não sei nada a respeito de você. Já vi uma imagem de ultrassom e coloquei a mão na barriga onde você está; isso é tudo". O livro relata o segundo trimestre da gestação, Setembro, Outubro e No

Paulo Roberto Farias - Deixa eu te falar da noite

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Paulo Roberto Farias - Deixa eu te falar da noite - Editora Caos & Letras - 188 Páginas - Projeto Gráfico: Cristiano Silva - Arte de Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2021. Em seu mais recente lançamento, Paulo Roberto Farias nos apresenta um romance muito peculiar com base em uma estrutura narrativa conduzida por um fluxo de consciência único, na forma de diário, de uma personagem que conquista a nossa atenção justamente por sua ingenuidade e simplicidade. Difícil não lembrar da solitária Macabéa de Clarice Lispector em  A hora da estrela . No entanto, o leitor logo perceberá que a Marla de Deixa eu te falar da noite  é uma daquelas protagonistas que surpreendem porque podem não ser totalmente confiáveis. De fato, quando Marla afirma que não se acha solitária, logo percebemos que isso obviamente não é verdade. Morando em Porto Alegre, longe da mãe que ficou no interior, com poucas amigas e nenhuma perspectiva de uma relação amorosa, ela trabalha em uma lavanderia sem contato com