Karl Ove Knausgård - Outono

Literatura contemporânea norueguesa
Karl Ove Knausgård - Outono - Editora Companhia das Letras - 208 Páginas - Tradução do norueguês por Guilherme da Silva Braga - Capa: Raul Loureiro - Lançamento no Brasil: 2022.

Primeiro lançamento do autor norueguês Karl Ove Knausgård (pronuncia-se "quenausgorde") depois do monumental projeto de autoficção em seis volumes chamado de Minha Luta (uma provocação utilizando o mesmo título do livro de Adolf Hitler, Mein Kampf), Outono dá início à Quadrilogia das Estações, uma nova série de cunho autobiográfico. Neste sentimental primeiro volume, lançado originalmente em 2013, o autor escreve três cartas para a filha, seis meses antes de seu nascimento: "Agora, enquanto escrevo, você não sabe nada a respeito de nada – o que a espera, em que tipo de mundo você há de surgir. E eu não sei nada a respeito de você. Já vi uma imagem de ultrassom e coloquei a mão na barriga onde você está; isso é tudo".

O livro relata o segundo trimestre da gestação, Setembro, Outubro e Novembro, com uma carta para cada mês, seguida por ensaios curtos ou crônicas sobre os mais diferentes assuntos: "Eu quero mostrar a você o mundo em que vivemos da maneira como é agora: a porta, o assoalho, a pia e o tanque, a cadeira de jardim apoiada na parede sob a janela, o sol, a água, as árvores. Você há de vê-lo do seu próprio jeito, você há de criar as suas próprias experiências e viver a sua própria vida, então é acima de tudo para mim que eu faço isso. Mostrar o mundo a você faz com que valha a pena viver a minha vida.” Na verdade, Knausgård prepara uma verdadeira enciclopédia afetiva com verbetes tão diferentes quanto: Maçãs, Sacolas plásticas, Gasolina, Galochas, Guerra, Carros, Solidão, Piolhos, Van Gogh, Vômito, Flaubert, Garrafas térmicas, Moscas, Silêncio, Olhos e muitos outros.

"[...] Essas molduras, sem as quais nem nós nem o mundo podem ser concebidos, encontram-se em todas as esferas da existência, e não apenas valem para aquilo que existe como também para aquilo que devia existir, pois até mesmo a forma como nos comportamos encontra-se dentro de uma moldura bem definida. Como a vida encontra-se em constante movimento, a intervalos regulares ocorrem conflitos entre aquilo que devemos fazer e aquilo que queremos fazer, e esses conflitos manifestam-se como um impulso de ir além das molduras dentro das quais nos encontramos. Se cedermos a esse impulso, tem início um período de ausência de limites enquanto novas molduras não forem postas em nossa vida. Assim é a vida do indivíduo, é isso o que se chama de rebeldia adolescente, que na vida da cultura se chama de revolta geracional ou revolução ou guerra. Em comum, todos esses movimetos trazem o anseio pela autenticidade, por aquilo que é genuino, que é simplesmente o lugar em que as concepções da realidade e a própria realidade encontram-se e coincidem. Em outras palavras, uma vida, uma existência, um mundo sem molduras." - Setembro / Molduras (pp. 49-50)

Os ensaios são verdadeiros exercícios de escrita criativa ao buscar definições para coisas do mundo material e natural tão diferentes quanto Molduras, Lábios vaginais ou Dor (ler trechos em destaque). A descrição do cotidiano familiar com a esposa e os filhos, assim como algumas passagens da biografia do autor que escaparam à série Minha Luta (por incrível que possa parecer, depois de 4095 páginas) também fazem parte de Outono. Como não poderia deixar de ser o livro é um pouco irregular, mas alguns trechos compensam a leitura, principalmente para os leitores que ainda não se arriscaram a encarar os seis volumes de Minha Luta, por exemplo: "Os pais dão a vida aos filhos, os filhos dão aos pais a esperança. Essa é a transação."

"[...] O fato de que mais tarde na vida certos órgãos do corpo tenham de ser escondidos e não possam nem ao menos ser mencionados sem despertar sentimentos de vergonha talvez seja uma das características mais profundamente humanas que existem. A vergonha é como uma tampa, que fecha no lado de dentro o que deve ser fechado no lado de dentro e funciona como um dos mais importantes mecanismos da vida social. A vergonha estabelece diferenças, cria segredos e promove tensão. A contraforça e a antítese da vergonha é o desejo, cuja existência busca acabar com as diferenças, revelar os segredos e relaxar as tensões. A colisão frontal entre a vergonha e o desejo encontra-se na sexualidade. Um dos aspectos mais interessantes nessas duas grandezas é que ambas relacionam-se com a ficção, no sentido de que ambas lidam com realidades alternativas. A vergonha relaciona-se com a realidade da maneira como devia ser, não com a realidade da maneira como é. O desejo, por outro lado, transcende a realidade material e cria imagens próprias que, enquanto perdure o desejo, mantêm-se incrivelmente prazerosas, porém reassumem uma forma mais neutra assim que o desejo arrefece." - Outubro / Lábios vaginais (p. 97)

O livro não recebeu críticas positivas de algumas das mídias tradicionais como o Guardian, talvez devido ao patamar alcançado pelo autor depois de Minha Luta, uma série que já se convencionou chamar de monumental. Este é um guia sentimental para a filha ainda não nascida e tudo aquilo pelo que vale a pena viver, uma espécie de reverência à família: "Duas irmãs, um irmão, uma mãe e um pai; esses somos nós. Essa é a sua família. Começo falando nisso porque é o mais importante. Boa ou ruim, calorosa ou fria, austera ou gentil, pouco importa: família é o mais importante, essas são as relações por meio das quais você há de ver o mundo, por meio das quais você há de formar sua compreensão de praticamente tudo, de maneira direta ou indireta, tanto nas horas boas quanto nas horas ruins."

"A característica essencial da dor é ser intransferível. Podemos ver que outras pessoas sentem dor e podemos compreender que essa dor existe, mas a distância entre o conceito da dor e a dor em si é tão imensa que nenhuma solidariedade consegue transpô-la; permanecemos sempre estranhos em relação à dor dos outros. Isso significa que uma pessoa que sente dor está sempre sozinha. Porém a dor não é intransferível apenas de uma pessoa para outra, mas também no âmago de uma mesma pessoa; tão logo a dor cessa, essa mesma distância surge em nós: lembramo-nos de ter sentido dor e dizemos para nós mesmos que a dor foi como uma escuridão que nos envolvia, e assim podemos abraçá-la com os pensamentos, mas os pensamentos existem num mundo à parte, onde tudo é leve e imaterial, pois no instante em que a dor retorna e volta a existir, os pensamentos são postos de lado, como uma cortina que se abre, e mais uma vez nos deparamos com o sentimento autêntico: essa não, era assim." - Novembro / Dor (p. 157)

Sobre o autorKarl Ove Knausgård nasceu em 1968, em Oslo, na Noruega, e estudou literatura na Universidade de Bergen. Considerado o mais importante autor norueguês de sua geração, estreou na literatura em 1998 com Ute av verden [Fora do mundo], que venceu o Prêmio da Crítica na Noruega. Seu segundo livro, En tid for alt [Tudo tem seu tempo], publicado em 2004, foi eleito um dos 25 melhores romances noruegueses de todos os tempos e ganhou diversos prêmios no país. Do autor, a Companhia das Letras publicou a série Minha Luta. Composta de seis volumes, a obra autobiográfica arrebatou o prêmio Brage, o mais prestigiado da Noruega, e tornou-se um best-seller internacional Outono é o primeiro livro da Quadrilogia das Estações.

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