Alexei Bueno - O sono dos humildes

Poesia brasileira contemporânea
Alexei Bueno - O sono dos humildes - Editora Patuá - 188 Páginas - Projeto gráfico e diagramação: Leonardo Mathias - Ilustrações de Albrecht Dürer - Lançamento: 2021

O mais recente livro de poemas de Alexei Bueno, O sono dos humildes, recebeu um caprichado acabamento gráfico da Editora Patuá, com luva em papel kraft e ilustrações na capa e sobrecapa de Albrecht Dürer (1471-1528), uma edição que combina com o estilo clássico do poeta carioca ao lidar com sonetos e outras estruturas fixas, rigor métrico e rimas precisas, assim como a inspiração em obras da antiguidade grega. O mais surpreendente é que o classicismo e a complexidade da proposta estética de Alexei Bueno o colocam em uma posição única e, portanto, de vanguarda no cenário da poesia brasileira contemporânea.

Uma preocupação metafísica permeia muitos dos poemas desta edição, como a busca de "um sentido" em Episódio (p. 15), ou a certeza da fragilidade do destino humano em Incompleto (p. 45): "Que somos nós neste mundo? / Somos os inacabados. / A água nos jarros sem fundo / Mina por todos os lados. / Nossas cartas, pelo meio, / Nossas viagens incompletas, / Volumes de obras seletas / Cujo final nunca veio. [...] Por que começar aquilo / A que não daremos fim? / Por que a manhã, se, tranquilo, / O sol a abandona enfim? / Por que o arbusto florescente / Que nunca abrirá os galhos? / Por que procurar atalhos / que dão num destino ausente? [...]"

Escolher alguns poucos exemplos da poesia de Alexei Bueno neste O sono dos humildes é uma tarefa ingrata para o aflito resenhista. Procurei destacar alguns poemas de diferentes estruturas, inclusive o sensacional "O Nascimento de Venus", referência ao famoso quadro de Botticelli confrontado com a imunda realidade da Baía da Guanabara, mas nem por isso com versos menos belos. Um livro muito recomendado de um dos melhores poetas do nosso tempo.

EPISÓDIO
(30-10-2020)

Um muito pequeno inseto 
Pousou no balcão do bar. 
Informe, incolor, abjeto, 
Um nada, uma nódoa a andar. 

Com um copo sujo esmaguei-o. 
Ao vê-lo imóvel, extinto, 
Que estranha impressão me veio, 
Que absurda dor, e ainda a sinto. 

Mas vi que ele se mexia, 
Nem sei qual parte. Elas, juntas, 
Nada eram. No entanto eu via 
Nelas a vida, ex-defuntas. 

Com o mesmo copo animei-o — 
Com a borda —, e ele se mexeu. 
Depois andou, com receio, 
E, súbito, ei-lo no céu. 

O ponto morto voava, 
E eu, outro átomo esquecido, 
Via-o. E ele, do ar, me dava 
Um nada, um tudo, um sentido.


O NASCIMENTO DE VÊNUS 
(12-11-2020) 

Quando a concha se abriu, enorme e clara, 
Na orla imunda da imunda Guanabara, 
Entre garrafas PET, entre absorventes, 
Preservativos, metades de pentes, 
            E até uma dentadura, 
            Cada um olhou lá dentro 
            Mas só havia, no centro, 
Uma espelhada poça de água amara, 
            Parada, densa, escura, 
Que só mostrava, Verônica impura,
A cada um a sua própria cara.


A BUSCA 
(13/12/2020)

A mão que colhe a flor, mata-a ao colhê-la. 
Depois, vendo outra além, passa a querê-la 
            E eis aquela no chão. 
            Chega a noite, e esta mão 
Aponta um astro, e outro astro, estrela a estrela. 

Largada a flor azul, eis a amarela 
Arrancada, depois esta ou aquela. 
            Nada acalma a ambição 
            Do mecanismo vão. 
Chão de restos, vê o céu que se constela.

O SONO DOS HUMILDES 
(29/01/2021)

Um simples seixo, junto a um rio, 
Que a água arredonda e um pé desloca. 
És mais do que essa coisa pouca, 
Tu, humano, imenso desafio? 

Olha esse seixo, olha-o, ele é. 
Porque ele existe a glória e a graça 
São suas, mas ninguém que passa 
O vê, nem grita aos céus: por quê?


ENTRE ESTANTES
(06-02-2021)

O velho poeta e o poeta adolescente
Lá estão. Nada a falar. Mas, destemido,
O moço o aborda. Um mútuo olhar ausente
É o arco milenar, jamais rompido.

Jorro de lava, jorro empedernido.
Por serem o que são, há um só presente.
O velho fita um amanhã perdido,
O outro apenas apalpa o inexistente.

Ninguém quer saber deles, mas a ponte
Cobre rios de fluxos infinitos,
A voz do homem, dos ventos e a da fonte

Cumpre ritos há séculos prescritos.
Ei-los, além da farsa do horizonte,
Os poemas que precisam ser escritos.


Poesia brasileira contemporânea
Sobre o autor: Alexei Bueno nasceu no Rio de Janeiro em 26 de abril de 1963. Publicou, entre outros livros, As escadas da torre (1984), Poemas gregos (1985), Livro de haicais (1989), A decomposição de J. S. Bach (1989), Lucernário (1993), A via estreita (1995 - Prêmio da Biblioteca Nacional, e Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte), A juventude dos deuses (1996), Entusiasmo (1997), Poemas reunidos (1998 - Prêmio Fernando Pessoa, da UBE), Em sonho (1999), Os resistentes (2001, com edição francesa em 2020), Gamboa (2002), O patrimônio construído (2002 – Prêmio Jabuti), Glauber Rocha, mais fortes são os poderes do povo! (2003), Poesia reunida (2003 - Prêmio Jabuti, Prêmio da Academia Brasileira de Letras), O Brasil do século XIX na Coleção Fadel (2004), Antologia pornográfica (2004), A árvore seca (2006), também com edição portuguesa, O Nordeste e a epopeia nacional (2006 – Aula Magna proferida na UFRN), Uma história da poesia brasileira (2007), As desaparições e Sergio Telles, caminhos da cor (2009), João Tarcísio Bueno, o herói de Abetaia (2010), Lixo extraordinário, com Vik Muniz (2010) e O universo de Francisco Brennand (2011), Machado, Euclides & outros monstros (2012), Cinco séculos de poesia: poemas traduzidos (2013), São Luís, 400 anos, Patrimônio da Humanidade (2013), Poesia completa (2013), Palácios da Borracha, arquitetura da Belle Époque amazônica (2014), Os monumentos do Rio de Janeiro, inventário 2015 (2015), Alcoofilia, 5.000 anos de declarações de amor à bebida (2015), Rio Belle Époque, álbum de imagens (2015), Anamnese (2016), Desaparições, antologia poética organizada por Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal (2017), John Clare: poemas (2017) O poste, drama em três atos (2018), Cerração (2019) e Decálogo indigno para os mortos de 2020 (2020).

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar O sono dos humildes de Alexei Bueno

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