Alexei Bueno - O sono dos humildes
O mais recente livro de poemas de Alexei Bueno, O sono dos humildes, recebeu um caprichado acabamento gráfico da Editora Patuá, com luva em papel kraft e ilustrações na capa e sobrecapa de Albrecht Dürer (1471-1528), uma edição que combina com o estilo clássico do poeta carioca ao lidar com sonetos e outras estruturas fixas, rigor métrico e rimas precisas, assim como a inspiração em obras da antiguidade grega. O mais surpreendente é que o classicismo e a complexidade da proposta estética de Alexei Bueno o colocam em uma posição única e, portanto, de vanguarda no cenário da poesia brasileira contemporânea.
Uma preocupação metafísica permeia muitos dos poemas desta edição, como a busca de "um sentido" em Episódio (p. 15), ou a certeza da fragilidade do destino humano em Incompleto (p. 45): "Que somos nós neste mundo? / Somos os inacabados. / A água nos jarros sem fundo / Mina por todos os lados. / Nossas cartas, pelo meio, / Nossas viagens incompletas, / Volumes de obras seletas / Cujo final nunca veio. [...] Por que começar aquilo / A que não daremos fim? / Por que a manhã, se, tranquilo, / O sol a abandona enfim? / Por que o arbusto florescente / Que nunca abrirá os galhos? / Por que procurar atalhos / que dão num destino ausente? [...]"
Escolher alguns poucos exemplos da poesia de Alexei Bueno neste O sono dos humildes é uma tarefa ingrata para o aflito resenhista. Procurei destacar alguns poemas de diferentes estruturas, inclusive o sensacional "O Nascimento de Venus", referência ao famoso quadro de Botticelli confrontado com a imunda realidade da Baía da Guanabara, mas nem por isso com versos menos belos. Um livro muito recomendado de um dos melhores poetas do nosso tempo.
EPISÓDIO
(30-10-2020)
Um muito pequeno inseto
Pousou no balcão do bar.
Informe, incolor, abjeto,
Um nada, uma nódoa a andar.
Com um copo sujo esmaguei-o.
Ao vê-lo imóvel, extinto,
Que estranha impressão me veio,
Que absurda dor, e ainda a sinto.
Mas vi que ele se mexia,
Nem sei qual parte. Elas, juntas,
Nada eram. No entanto eu via
Nelas a vida, ex-defuntas.
Com o mesmo copo animei-o —
Com a borda —, e ele se mexeu.
Depois andou, com receio,
E, súbito, ei-lo no céu.
O ponto morto voava,
E eu, outro átomo esquecido,
Via-o. E ele, do ar, me dava
Um nada, um tudo, um sentido.
O NASCIMENTO DE VÊNUS
(12-11-2020)
Quando a concha se abriu, enorme e clara,
Na orla imunda da imunda Guanabara,
Entre garrafas PET, entre absorventes,
Preservativos, metades de pentes,
E até uma dentadura,
Cada um olhou lá dentro
Mas só havia, no centro,
Uma espelhada poça de água amara,
Parada, densa, escura,
Que só mostrava, Verônica impura,
A cada um a sua própria cara.
O SONO DOS HUMILDES
(29/01/2021)
Um simples seixo, junto a um rio,
Que a água arredonda e um pé desloca.
És mais do que essa coisa pouca,
Tu, humano, imenso desafio?
Olha esse seixo, olha-o, ele é.
Porque ele existe a glória e a graça
São suas, mas ninguém que passa
O vê, nem grita aos céus: por quê?
ENTRE ESTANTES
(06-02-2021)
O velho poeta e o poeta adolescente
Lá estão. Nada a falar. Mas, destemido,
O moço o aborda. Um mútuo olhar ausente
É o arco milenar, jamais rompido.
Jorro de lava, jorro empedernido.
Por serem o que são, há um só presente.
O velho fita um amanhã perdido,
O outro apenas apalpa o inexistente.
Ninguém quer saber deles, mas a ponte
Cobre rios de fluxos infinitos,
A voz do homem, dos ventos e a da fonte
Cumpre ritos há séculos prescritos.
Ei-los, além da farsa do horizonte,
Os poemas que precisam ser escritos.
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