Paulo Fraga-Queiroz - Pássaros de giz
O poeta sabe que a infinita luta com as palavras é a sua companheira das madrugadas, como dizia Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) no clássico O Lutador: "Lutar com palavras / é a luta mais vã. / Entanto lutamos / mal rompe a manhã. [...]" E, de fato, nos versos de Paulo Fraga-Queiroz percebemos essa busca incansável pela palavra exata: "à sua maneira / minera / a própria alma / entre a lama / e o suor / rompe a fronteira / nada lhe resta / além da eterna peneira [...]" - O poeta insone procura (p. 69). A poesia e os poetas são temas recorrentes neste livro, como em Drummond, em seu bronze habitual (p. 56), uma joia da metapoesia inspirada na estátua do nosso eterno e universal poeta que, por falta de definição melhor, chamamos de modernista.
Escrever poemas é, de certa forma, flertar com a ilusão da eternidade, uma tarefa inútil como deixou claro John Keats (1795-1821) ao pedir para os amigos o seguinte epitáfio sem alusão ao próprio nome: "Aqui jaz aquele cujo nome foi escrito na água". Uma citação de que me lembrei ao ler o poema A palavra água (p. 82): "guarda bem a palavra água / como quem, em seus guardados / — foto, carta, camafeu, joia rara — / um dia volta ali, à velha ânfora / para sorver, ainda que árida, / (a memória do que é, mesmo magra) / para saciar a sede que não cede" Deixo vocês com alguns exemplos dos metapoemas de Paulo Fraga-Queiroz em seu bem-recomendado livro de estreia.
Drummond, em seu bronze habitual
I
há tanto tempo
estás sentado ali
que me pergunto:
não te cansas
dessa forma pensa,
inerte sob o sol
desse teu outro eu
feito em metal?
II
por que, antinarciso,
fica de costas
tendo o mar de espelhos
a te esperar no horizonte?
que pose estranha
para um mineiro
(ainda que cercado
de montanhas)
III
os pombos te sujam
os vândalos te roubam
os que correm te ignoram
os turistas não te deixam
os loucos (e os bêbados) te param
para um dedo de prosa
e tu, poeta, insistes
nos teus dessemelhantes
IV
aqui te quedas na orla
e ornas Copacabana
numa vida escrita no mar
joia provincianamente pessoal
tão linda e imperfeita
humana e abissal
é a cidade que tu contemplas
ela, e suas gentes, desigual?
V
como se essa arquitetura
desenhada no azul
além de tua figura
inaugurasse outra paisagem
outro país esculpisse no ar:
a exata angústia de existir
forjada em teu silêncio
selado em pedra e bronze
Epifania
tem um poema ali
encostado num canto
nem parece meu
ele que se escreveu
Ela, a que tal graça se consente
leio em teu corpo
os poemas que não fiz
as palavras que não escrevi
os fonemas que nunca aprendi
presságio ou privilégio
teu corpo em meu leito
o livro que mais leio
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