Matheus Borges - Frankito em chamas

Literatura brasileira contemporânea
Matheus Borges - Frankito em chamas - Editora Todavia - 160 Páginas - Capa e ilustração de capa: Giovanna Cianelli - Lançamento: 2025.

Depois de seu romance de estreia, Mil Placebos — inspirado em um tema atual e provocador, o distorcido mundo virtual que privilegia a desinformação em detrimento do conhecimento tradicional, além dos transtornos de personalidade cada vez mais evidentes nas redes sociais — Matheus Borges volta-se, em seu mais recente lançamento, para um cenário pouco explorado na literatura: os bastidores de um set de filmagem. Em Frankito em Chamas, o protagonista-narrador, um roteirista de cinema, viaja ao balneário de La Pedrera, no litoral uruguaio, a convite da produção para acompanhar a realização de um longa-metragem que escreveu. Como costuma ocorrer nesse tipo de ambiente, a equipe é obrigada a conviver por longos períodos, aguardando o momento de filmar pequenos trechos do roteiro. Neste caso, a sensação de isolamento é intensificada pela hospedagem em um hotel fora da temporada turística da região.

Com muitas dúvidas sobre a relevância de sua carreira como roteirista e ainda abalado por um relacionamento amoroso fracassado, Felipe se envolve em um caso clandestino com Natália — tecladista apaixonada por música eletrônica, que conheceu no passado e que agora trabalha como técnica de som da equipe. Ele também interage com o diretor Guilherme, outro conhecido da área, e com Paulo Roberto Castelo, veterano ator de produções para a televisão, escalado para interpretar o papel principal no filme. O destaque, é claro, vai para Frankito — uma “figura”, segundo Natália, e um “maluco”, na opinião de Castelo. Dublê uruguaio contratado para cenas perigosas do roteiro, ele se revela um verdadeiro achado como personagem.

"Entrei no avião assolado pela contundente suspeita de que tudo daria errado. Essa impressão, assim me parecia, profetizava que a próxima semana seria um desastre, o fim da minha carreira — se é que eu tinha uma carreira. Houve tempos em que eu costumava sentir isso o tempo todo. Não uma perpétua dúvida a respeito de mim mesmo, mas uma certeza inabalável de que meu trabalho era irrelevante, de que a própria perspectiva de se fazer um filme era um esforço que desaguava em porra nenhuma. Um filme, vejam só, que coisa ridícula. Ao contrário de alguns dos meus colegas, eu nunca havia sofrido com síndrome de impostor. Para fazer um bom trabalho, intuía eu, bastava alguma dedicação e um pouco de disciplina. Era o próprio trabalho, no entanto, que não servia para nada. Ganhar um prêmio aqui, ser exibido ali, ter o nome exposto em tal publicação. Tudo isso era um ato de frivolidade que não me agradava. Por outro lado, também havia algo de libertador em saber que meu trabalho não tinha importância alguma no grande esquema das coisas. Eu jamais contribuiria para fazer do mundo um lugar melhor, jamais teria uma ideia revolucionária que faria a diferença no enfrentamento dos problemas que acometem a humanidade. Nada disso. Meu interesse sempre fora justamente contar histórias." (p. 7)

Dentro da originalidade da obra, a “trilha sonora” do romance merece um destaque à parte. Matheus Borges insere referências sofisticadas à música eletrônica instrumental e ao krautrock alemão, indo além do já amplamente divulgado Kraftwerk. Entre os nomes citados, estão Edgar Froese (1944–2015), fundador do Tangerine Dream — grupo pioneiro no gênero — e seu compatriota ainda menos conhecido pelo grande público, Manuel Göttsching (1952–2022), do projeto Ash Ra Tempel. Göttsching é o criador do álbum E2-E4, lançado em 1984, cujo título os jogadores de xadrez reconhecerão de imediato. A obra, considerada fundamental, influenciou diretamente o surgimento do estilo techno no início dos anos 1990.

"Frankito pediu a todos que tivessem calma. Em seguida, trepou numa viga e começou a escalar a fachada do cubo cinza, fixando os pés na parede, sabe-se lá como. Isso fez com que todos os olhos se desprendessem das telas portáteis e se voltassem para ele. Frankito seguiu em frente e alcançou uma janela do segundo andar. Prendeu os braços nas extremidades laterais da janela e apoiou as nádegas na parte inferior do caixonete. Em seguida, respirou fundo e olhou para cima. Desprendeu-se da janela e, tendo apenas aqueles dois centímetros de madeira que serviam de apoio ao traseiro, tomou impulso e se arremessou no ar de braços abertos. Estatelou-se no chão como um personagem de desenho animado, o estúpido coiote depois de se frustrar com uma geringonça maluca. Crucificado na calçada, o queixo rente ao concreto, Frankito se manteve imóvel por alguns segundos, o tempo de provocar na equipe uma agitação mórbida, uma onda de gritos e exclamações de pavor. Frankito, no entanto, levantou-se calmamente e mais uma vez se empoleirou na viga, escalando o hotel até chegar ao terceiro andar. Apoiou-se numa janela igual, porém três metros acima, e mais uma vez se arremessou no ar. Quando se esborrachou da segunda vez, não foi recebido com silêncio e pavor, mas com uma efusiva saraivada de aplausos." (p. 47)

Matheus Borges, embora claramente apaixonado pelo universo cinematográfico, não se deixa levar pela tentação de transformar o filme fictício Aves Migrantes no eixo central da narrativa. Na verdade, pouco se esclarece sobre a produção — apenas fragmentos contraditórios surgem na descrição de alguns personagens. Em vez disso, o autor prioriza a empatia pelo protagonista e as relações humanas, explorando-as com sutileza, bom humor e uma sensibilidade que torna Frankito em Chamas mais do que uma história sobre bastidores: é uma reflexão sobre as dificuldades do amadurecimento, os desencontros afetivos e a busca por algum sentido existencial em nossa época.

"Seguimos pela rua principal de Pedrerita na direção oposta à da loja de conveniência, a caminho da praia. Lufadas periódicas de vento frio espalhavam areia nas pedras do calçamento e Natália me agarrou pelo braço, pressionando o corpo contra o meu. Avançávamos como um bicho quadrúpede, golpeando o ar com as mãos para afastar os ciscos dos nossos olhos. Seguíamos contra o vento, cercados pelos fantasmas de turistas que lotavam o balneário na alta temporada, especialmente durante o Carnaval. Em ambos os lados da rua, barraquinhas de artesanato resguardadas em casulos de lona, à espera do próximo verão. [...] Comecei a sentir que caminhava numa lembrança, numa futura lembrança, tentando guardar tudo que me cercava. Os passarinhos e grãos de areia, os cabelos de Natália esvoaçando no meu rosto, exalando o aroma doce do xampu oferecido pelo Hotel Del Mar. Caminhava numa lembrança, eu mesmo um resquício de inverno em meio aos fantasmas de turistas veranis, agarrado a uma Natália igualmente recomposta pelas minhas futuras memórias. Caminhávamos no inverno para semear as lembranças que colheríamos no verão." (pp. 94-5)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Matheus Borges nasceu em Porto Alegre, 1992. É formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil. Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias no Brasil e no exterior, bem como em coletâneas e antologias. Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Seu romance de estreia, Mil placebos (Uboro Lopes, 2022), foi vencedor do prêmio Odisseia de Literatura Fantástica e foi finalista dos prêmios Açorianos e Mozart Pereira Soares.

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