Sophia de Mello Breyner Andresen
Um nome já consolidado na poesia contemporânea, Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), recebeu a mais importante distinção literária da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999. Segundo Massaud Moisés em "A literatura portuguesa": "O lirismo de Sophia é fruto de uma invulgar sensibilidade feminina que parece brotar das mesmas nascentes utilizadas pelos poetas simbolistas. Sempre disposta a "olhar dentro das coisas", sua intuição se avigora na razão direta das profundezas que alcança, mas jamais se intelectualiza ou se desfeminiza. Ao contrário, "encantada" pela aura mágica das coisas que contempla, seu universo poético abrange vastidões cósmicas, a principiar do mar, seu motivo preferido".
Sophia provoca uma identificação imediata do leitor com a sua poesia, que é pura imagem, luz e mar. É muito fácil se apaixonar pela pureza da palavra que ela utiliza tão bem. A própria autora definiu bem a essência do seu trabalho no seguinte trecho, retirado da entrevista a Maria Maia no Jornal de Poesia de Lisboa em 10 de Maio de 2000 : "Eu acho que o melhor momento da escrita do poema é quando as pessoas começam a sentir as palavras moverem-se sozinhas, sabe? E a brincarem umas com as outras. Andar a procura da rima, andar a procura do tempo, a procura da consonância, não é?".
Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Comentários
Aprecio muito seu estilo.
Um abraço e uma boa semana.
Venho te agradecer pela gentil visita e comentário benevolente. Diante de Sophia de Mello, sinto que só em poder rabiscar na mesma língua que ela já me é suficiente.
Belo post. Belíssimo.
Beijo.
um abraço,
clara lopez
ps. de qual livro saiu esse poema?
Bjs.
JU Gioli
Obrigada pela visita e aproveito para comentar aqui este post sobre esta autora: uma das mais antigas memórias que tenho de ler um livro dela é de fazer a leitura acompanhada de "Fada Oriana", nas aulas de português do 5.º ano (alunos com 10-11 anos).
Em casa dos meus pais sempre houve muitos, muitos livros, e os de Sophia também lá estavam, claro. Fazem parte das recordações doces e algo difusas das histórias da infância.
Sim, é a mãe do agora famoso jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, cujo último livro, por acaso, é sobre um português que emigra para o Brasil no início do século XX.
Não há volta a dar-lhe, as histórias dos nossos países estão unidas... ;)
Até breve!
Parece mais uma agressão do chato mundo globalizado em que vivemos, tentando eliminar toda e qualquer diversidade cultural entre os povos.
Assim tenho uma relação poligâmica com os poetas. Muitos e nenhum. Com uma exceção.
Justamente essa moça. Ela exige uma leitura constante e nos agarra integralmente, puxa delicamente pelo braço e indica um outro poema, e não se pára mais. Não sei como a conheci. Mas agradeço muito a sua lembrança. Agradeço por ela e por mim. Uma lembrança que só poderia mesmo ter vindo de você.
Nos meus momentos de loucura e devaneio anoto coisas inesquecíveis para outros dias de poucos humores. E tomo a ousadia de colocar uma quadrinha dela que encabeça a lista, no lugar dos únicos.
Peço desculpas por isso, mas não consigo resistir. E você entenderá o porquê.
Grande e fraterno abraço, meu caro.
"Intacta memória —se eu chamasse
Uma por uma as coisas que adorei
Talvez que a minha vida regressasse
Vencida pelo amor com que a sonhei".
(Sophia Breyner Andresen)
Vou me redimir.Muito obrigada.
Abraços
Indiquei você num meme de cinema. Espero que queira participar. Estás linkado ;)
Beijo. :)
Sempre afirmo que os poemas são pinturas em forma de palavras. E estes são perfeitos.
Um abraço.
Boa semana!