Alice Munro - Dear Life
Alice Munro - Dear Life - 319 páginas - Editora Vintage International, divisão da Random House - lançamento 2012 (publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2013 como "Vida Querida", tradução de Caetano Galindo - ler aqui um trecho disponibilizado pela editora).
Difícil encontrar paralelo na literatura contemporânea para o trabalho da canadense Alice Munro, prêmio Nobel de literatura 2013. Ela já lançou várias coletâneas de contos, com histórias lentas e ambientadas em cidades do interior do Canadá, inspiradas na vida de gente comum, mas nem por isso de simples entendimento (como a vida nunca é). Na verdade, seus textos são densos, não lineares, com pouca ação narrativa e foco na construção psicológica dos personagens, normalmente mulheres, que reagem a situações inusitadas. Dear Life, segundo a própria autora declarou, será seu último livro, reunindo alguns contos publicados em revistas literárias especializadas como: Harper´s Magazine, New Yorker e Granta, entre outras. A última parte, chamada "Finale", apresenta quatro narrativas autobiográficas inéditas (segundo a autora, essas histórias são autobiográficas em sentimento, mas não inteiramente de fato). Caso Dear Life seja mesmo seu último livro, podemos afirmar que é um belo final de carreira.
O conto de abertura, "To reach Japan" (Que chegue ao Japão) é um bom exemplo do estilo de Alice Munro. Greta é uma mulher casada, com aspirações literárias, que se despede do marido e parte com a filha pequena em uma viagem de trem noturno para Toronto. Durante a viagem ela tem uma aventura de sexo casual com um estranho e não encontra a filha ao retornar para o seu leito. Munro lida com a tensão entre família, carreira e desejo. Tensão que fica clara em uma carta-poema que a protagonista preparou em um passado recente para um outro desconhecido que ela encontrou em uma festa de uma revista literária: "Writing this letter is like putting a note in a bottle — and hoping it will reach japan (Escrever esta carta é como colocar uma nota em uma garrafa — e esperar que chegue ao Japão)". Tudo isso em um único conto.
Em "In sight of the lake" (Com vista para o lago), a história é desenvolvida com base em outra de suas fixações, a progressiva debilidade humana devido à doença. A protagonista, Nancy, está esquecendo de pequenos eventos cotidianos e marca uma consulta com um médico de uma cidade vizinha. Ela decide viajar um dia antes para não ter dificuldades de encontrar o endereço. Imaginação e realidade se confundem quando a narrativa caminha para um desfecho surpreendente, como todo conto deveria ter.
"Night", é um dos quatro contos autobiográficos do final e o seguinte trecho mostra como as guinadas da vida podem acontecer em nossa própria mente, através da loucura: “A ideia estava ali e balançava na minha cabeça. A ideia de que eu podia estrangular a minha irmã mais nova, que dormia na cama embaixo da minha e que eu amava mais do que qualquer pessoa no mundo. Eu podia fazer isso não por ciúme, por maldade, ou por raiva, mas por loucura, que podia estar deitada ali bem do meu lado durante a noite”. Alice Munro, como todo grande autor, nos ensina a riqueza extraordinária de qualquer existência.
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