Lygia Fagundes Telles - Antes do Baile Verde
Lygia Fagundes Telles - Antes do Baile Verde - 208 páginas - Lançamento original 1970, reeditado pela Companhia das Letras em 2009.
Seleção de dezoito contos escritos entre 1949 e 1969, hoje todos clássicos da literatura nacional que justificam porque Lygia Fagundes Telles foi agraciada com o Prêmio Camões 2005 e que merecem muito bem ser incluídos em qualquer antologia universal. A inspiração dos textos está na sensibilidade do olhar que revela os impasses da existência nas grandes cidades, a solidão compartilhada no desgaste dos casamentos falidos, o isolamento da vida em uma sociedade injusta e desigual ou a perda das ilusões na busca da felicidade a qualquer preço, enfim, todos os pequenos dramas anônimos da classe média.
A construção de cada narrativa é um exercício de originalidade onde Lygia vai esboçando com virtuosismo e sutileza as motivações e intenções dos personagens, sempre priorizando uma abordagem psicológica em detrimento da ação. Mas como realizar a mágica de captar a essência do homem que, segundo a própria autora é indefinível: "Por mais que tente você não consegue defini-lo totalmente. O ser humano é inalcançável, inacessível e incontrolável".
Em "Os Objetos", Miguel e Lorena mantêm um diálogo desconexo com base em uma série de objetos que fazem a ligação entre passado e presente, um globo de vidro que é um peso de papel sem utilidade mas que parece uma bolha de sabão ou uma bola de cristal, uma adaga na forma de meia-lua de prata, mas "para que serve uma adaga fora do peito?" e assim sucessivamente os objetos servem como ponto de apoio à autora, ajudando a conduzir e revelar os detalhes da narrativa até o final surpreendente e não conclusivo que deixa o leitor sem fôlego. O que, por uma associação com a "adaga", me lembra agora uma citação de Isaac Babel sobre o bom final de um conto: "Nenhum ferro pode penetrar no coração humano de maneira tão gélida como um ponto colocado no momento exato". Lygia sabe fazer isto muito bem.
No conto que empresta o título ao livro, "Antes do Baile Verde", a autora revela a sua trama por meio de contrastes. Enquanto as duas protagonistas, Tatisa e a empregada da casa Lu, preparam a fantasia de Tatisa para o baile de carnaval, colando lantejoulas na saia para formar uma constelação desordenada, o pai de Tatisa agoniza no quarto ao lado entre a vida e a morte. As duas acompanham da janela a passagem do rancho e a alegria da festa repleta de música e movimento enquanto discutem as probabilidades da morte do pai de Tatisa, justamente naquela noite. Será que a consciência da filha a impedirá de participar do baile e acompanhar os últimos momentos do pai moribundo? Outra aula de literatura imperdível.
Lygia presta homenagem ao estilo de Edgar Allan Poe com o ótimo e mórbido "Venha Ver o Pôr do Sol" onde Ricardo e Raquel, um casal de ex-namorados, resolve se encontrar em um cemitério abandonado à pedido de Ricardo sob o pretexto de um último encontro de despedida. Aos poucos vai se descortinando através dos diálogos precisos e também de pequenos sinais no comportamento de Ricardo as suas verdadeiras intenções de vingança, principalmente quando convida Raquel para entrar no seu jazigo de família. O leitor percebe aos poucos que, apesar do título e do início romântico, não haverá um final feliz para este casal.
Mas é com "O Menino", conto que encerra esta antologia, que percebemos toda a riqueza do arsenal criativo da autora. Um menino vai ao cinema com a bela mãe de quem se orgulha, uma situação simples e de segurança afetiva, mas as intenções do conto são muito mais complexas e, para isso, Lygia descreve uma série de transformações no pobre protagonista que passa de criança a adulto em poucos momentos, numa grande confusão emocional, ao presenciar sinais do adultério da mãe no conforto da sala de projeções. Ele percebe "a mão pequena e branca, muito branca" da mãe pousar "devagarinho nos joelhos do homem que acabara de chegar". A brutalidade da revelação e a quebra da inocência e confiança do filho são narrados em etapas até o retorno à casa e o encontro com o pai "feio e bom" na cadeira de balanço, lendo o jornal. Mais um final que dá um nó na garganta.
A construção de cada narrativa é um exercício de originalidade onde Lygia vai esboçando com virtuosismo e sutileza as motivações e intenções dos personagens, sempre priorizando uma abordagem psicológica em detrimento da ação. Mas como realizar a mágica de captar a essência do homem que, segundo a própria autora é indefinível: "Por mais que tente você não consegue defini-lo totalmente. O ser humano é inalcançável, inacessível e incontrolável".
Em "Os Objetos", Miguel e Lorena mantêm um diálogo desconexo com base em uma série de objetos que fazem a ligação entre passado e presente, um globo de vidro que é um peso de papel sem utilidade mas que parece uma bolha de sabão ou uma bola de cristal, uma adaga na forma de meia-lua de prata, mas "para que serve uma adaga fora do peito?" e assim sucessivamente os objetos servem como ponto de apoio à autora, ajudando a conduzir e revelar os detalhes da narrativa até o final surpreendente e não conclusivo que deixa o leitor sem fôlego. O que, por uma associação com a "adaga", me lembra agora uma citação de Isaac Babel sobre o bom final de um conto: "Nenhum ferro pode penetrar no coração humano de maneira tão gélida como um ponto colocado no momento exato". Lygia sabe fazer isto muito bem.
No conto que empresta o título ao livro, "Antes do Baile Verde", a autora revela a sua trama por meio de contrastes. Enquanto as duas protagonistas, Tatisa e a empregada da casa Lu, preparam a fantasia de Tatisa para o baile de carnaval, colando lantejoulas na saia para formar uma constelação desordenada, o pai de Tatisa agoniza no quarto ao lado entre a vida e a morte. As duas acompanham da janela a passagem do rancho e a alegria da festa repleta de música e movimento enquanto discutem as probabilidades da morte do pai de Tatisa, justamente naquela noite. Será que a consciência da filha a impedirá de participar do baile e acompanhar os últimos momentos do pai moribundo? Outra aula de literatura imperdível.
Lygia presta homenagem ao estilo de Edgar Allan Poe com o ótimo e mórbido "Venha Ver o Pôr do Sol" onde Ricardo e Raquel, um casal de ex-namorados, resolve se encontrar em um cemitério abandonado à pedido de Ricardo sob o pretexto de um último encontro de despedida. Aos poucos vai se descortinando através dos diálogos precisos e também de pequenos sinais no comportamento de Ricardo as suas verdadeiras intenções de vingança, principalmente quando convida Raquel para entrar no seu jazigo de família. O leitor percebe aos poucos que, apesar do título e do início romântico, não haverá um final feliz para este casal.
Mas é com "O Menino", conto que encerra esta antologia, que percebemos toda a riqueza do arsenal criativo da autora. Um menino vai ao cinema com a bela mãe de quem se orgulha, uma situação simples e de segurança afetiva, mas as intenções do conto são muito mais complexas e, para isso, Lygia descreve uma série de transformações no pobre protagonista que passa de criança a adulto em poucos momentos, numa grande confusão emocional, ao presenciar sinais do adultério da mãe no conforto da sala de projeções. Ele percebe "a mão pequena e branca, muito branca" da mãe pousar "devagarinho nos joelhos do homem que acabara de chegar". A brutalidade da revelação e a quebra da inocência e confiança do filho são narrados em etapas até o retorno à casa e o encontro com o pai "feio e bom" na cadeira de balanço, lendo o jornal. Mais um final que dá um nó na garganta.
"O texto de Lygia prima pela unidade, pela densidade, pela extraordinária dignidade que confere à língua portuguesa, mesmo quando trata de temas ou situações sórdidas, perversas, violentas. Ler Lygia Fagundes Telles, para quem é dado a esses requintes, traz o prazer da descoberta da beleza, da sonoridade e da expressividade." - Caio Fernando Abreu
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