Jorge Sá Earp - As amarras
Jorge Sá Earp - As amarras - Editora 7 Letras - 176 Páginas - Foto de capa Nathan Dumlao / Unsplash - Lançamento: 26/03/2020.
Eusébio é um arquiteto insatisfeito com a profissão e o casamento com Aglaia, antiga amiga de infância; uma união que foi resultante apenas das pressões familiares e sociais para manter os padrões de comportamento supostamente normais de uma classe média tradicional. Afinal, apesar dos avanços na área do reconhecimento da divesidade sexual, ainda existe o preconceito contra a comunidade LGBT, o que provoca relações artificiais como a descrita aqui.
As amarras que impedem a felicidade de Eusébio bem poderiam levar o romance para um caminho trágico, mas a condução da narrativa de forma bem-humorada e em primeira pessoa, torna a leitura leve e divertida ao acompanharmos os erros e acertos do protagonista para realizar os seus desejos reprimidos. Ao começar a escrever peças de teatro, ele conhece Fabiano, um jovem ator por quem se apaixona, e acaba descobrindo a sua vocação profissional para a cenografia.
"Algumas pessoas entrando ainda, vão se acomodando nos lugares ainda vazios. Fixo o olhar ansioso na porta aberta da igreja e o céu já escuro ao fundo. As flores brancas enfeitando os recostos margeiam o corredor. Todos me olham, me analisam, vejo que uns têm uma expressão apatetada de alegria, enquanto outros fingem uma grande emoção. Não procuro minha mãe, que se estiver à beira do choro, minha vontade seria pular daqui, desse poleiro onde me botaram, sob o foco principal da cena, e agarrar o seu pescoço para um lento e doloroso estrangulamento. É ela a culpada desse casamento; foi ela quem me estimulou a casar com essa imbecil da Aglaia, urdiu todas as fibras de tecido venenoso para que eu caísse nessa armadilha; ela e meu pai, o dr. Floresta, e mais tia Carmita e tio Nelsinho. [...] Ela vem se aproximando, os dois vêm se aproximando, tio Nelsinho, vermelho, gordo, calvo, e Aglaia linda, mas aos poucos sua beleza à primeira vista adquire aos meus olhos um ar ameaçador: algo como ave que se transforma em serpente. E seus olhos antes resplandecentes adquirem um brilho amarelo como o da cobra prestes a estender a língua e com as presas cheias de veneno" (p. 19 / 21)
Nada é fácil para Eusébio – na festa de casamento ele se interessa por Inair, um dos garçons contratados, este impulso dará início a uma série de problemas para manter as aparências, principalmente quando ele é chantageado pelo rapaz. No entanto, as coisas começam realmente a fugir ao controle quando ele não resiste aos encantos de Tarcísio, seu cunhado, e parte para o assédio em uma tórrida cena no vestiário do clube. Será que existe espaço para uma frágil felicidade possível, ainda mantendo o casamento, ou o nosso protagonista terá a coragem necessária de abandonar as máscaras e assumir a sua vida paralela?
"Via Tarcísio, o que era inevitável, nos almoços alternados de domingo. Já tinha dito: cada mês reservávamos dois fins de semana, ou melhor, os 'Domini dei', para os pais, ora os meus ora os de Aglaia. Por isso tinha de vê-lo ao redor da mesa retangular larga, juntamente com meus sogros e Heitor. Toda vez que nos encontrávamos, Tarcísio mantinha a fisionomia fechada, sem sorrisos. Por momentos mesmo, abaixava a cabeça se eu o encarava um pouco mais apenas por sociabilidade. Sim, eu ainda sentia atração por meu cunhado, mas ao mesmo tempo, o outro lado da moeda era uma Medusa lançando raios de reprovação contra o meu comportamento no banheiro do clube. Assim, a troca de palavras entre nós dois se reduzira ao absolutamente essencial ou social, como os cumprimentos de praxe." (p. 145)
Sobre o autor: Jorge Sá Earp nasceu no Rio de Janeiro em, em 1955. Cursou Letras na PUC-Rio. Como diplomata, serviu na Polônia, Holanda, Gabão, Bélgica, Itália, Romênia, Equador e Costa Rica. Contista e romancista, é autor de Ponto de fuga (romance, 1995; vencedor do prêmio Nestlé de Literatura), O jogo dos gatos pardos (2001), Areias pretas (2004), O novelo (2008), As marés de Tuala (2010), Bandido e mocinho (2012), Quatro em Cartago (2016) e A Praça do Mercado (2018), entre outros.
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