André Giusti - Só vale a pena se houver encanto

André Giusti
André Giusti - Só vale a pena se houver encanto - Editora Caos & Letras - 360 Páginas - Projeto gráfico: Cristiano Silva - Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2025.

Depois da excelente coletânea de contos As filhas moravam com ele, André Giusti estreia no romance com um protagonista que carrega muito de si: Alessandro Romani, jornalista e escritor, um sobrevivente de classe média e meia-idade, apaixonado por rock, blues e bons vinhos. Traz nas costas o peso de demissões, amores fracassados, conflitos pessoais e familiares, além de uma consciência política incômoda nas redações e assessorias de imprensa de Brasília entre 2002 e 2016. É provável que, como eu, o leitor se identifique com algumas das desventuras e conquistas desse anti-herói que tenta preservar sua integridade — e o vínculo com as três filhas — enquanto a sociedade restringe suas opções e o afasta dos sonhos da juventude.

Alguns eventos recentes da política nacional são retratados como pano de fundo da trajetória pessoal de Alessandro Romani. Por exemplo, as manifestações de 2013 e o movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff, cercado de polarização e controvérsias quanto à sua legitimidade, demonstram a instabilidade institucional do período. Além disso, o romance lança um olhar crítico sobre a maneira como o jornalismo pode se transformar em instrumento de marketing político, moldado pelas conveniências e interesses das esferas de poder locais. Enquanto isso, a necessidade de pagar as contas, encontrar algum sentido para as questões existenciais e, se possível, dar continuidade à atividade de escritor, permeiam o cotidiano do atormentado Alessandro.

"Eu tinha trinta e quatro anos quando fui convidado pela primeira vez a 'procurar novos desafios'. Estava escrevendo para o noticiário da hora do almoço uma nota sobre a loura psicopata que mandou matar pai e mãe, quando o telefone da minha mesa tocou. Era Marisaura Abrantes, diretora de jornalismo da Rede Nacional de Rádio e Televisão, a Rena, como a empresa era chamada. Pediu que eu subisse à sua sala e lá, de cara para o Pão de Açúcar, com o frio do ar-condicionado penetrando meus ossos, ela me disse, como se estivesse em sua turma de MBA, que o grupo precisava de reengenharia, de mais sinergia, de fazer mais com menos. Ou seja, dar mais lucro. Eu sacava de fazer notícia, e nada de administração, mas aquele papo não parecia nem um pouco bom para o meu lado. Olhava para ela, esperando que chegasse aonde deveria naquela conversa. E ela chegou. 'Preciso da sua vaga, Romani', disparou. E foi a primeira vez que parei para pensar — não exatamente naquela hora, é claro — que nada nessa vida é verdadeiramente nosso. 'Preciso te demitir', e virou para o outro lado. Seu preparo de executiva não chegava ao ponto de anunciar aquilo e continuar me olhando nos olhos." (p. 11)

O romance tem uma extensão considerável, mas o estilo coloquial e fluido de André Giusti mantém o leitor envolvido do início ao fim. Os diálogos, ágeis e bem inseridos na narrativa em primeira pessoa, reforçam o tom confessional que torna a ficção ainda mais convincente. Outro ponto alto do livro é a "trilha sonora": clássicos do blues — de Albert King a Stevie Ray Vaughan, entre muitos outros — acompanham o protagonista em suas desilusões amorosas e profissionais, enquanto ele pilota seu Puma conversível vermelho, ano 1974, pelas ruas e avenidas de Brasília.

"No fim da tarde, Renata me pediu que eu passasse na casa dos pais dela. Quando chegou, me avisou que, na semana seguinte, tiraria suas coisas do apartamento, estava indo para um outro, que era de sua família e que acabara de desalugar. Notei que estava sem aliança. Ela havia tirado antes ou naquele dia? Eu não havia reparado nisso depois que ela saiu de casa. Disse que eu poderia ficar no nosso apartamento até tudo se ajeitar, e eu me perguntei o que era, afinal, se ajeitar. Era a forma de ela dizer que o casamento realmente havia acabado, e, embora me parecesse sem sentido tentarmos dar uma chance à continuidade de todos aqueles anos juntos, confesso que fiquei triste de não enxergar nela nem um esboço de intenção de nos reconciliarmos, algo que, de minha parte, também não demonstrei. Nossa história como marido e mulher se encerrava sem que nenhum dos dois tivesse lutado por ela. Mesmo aquele esforço que fiz, de acordar cedo aos fins de semana para irmos juntos ao parque, me parecia agora aquém do que eu deveria e poderia realmente ter feito. [...]" (p. 160)

De repente nos pegamos torcendo por Alessandro Romani, mesmo sabendo que ele dificilmente encontrará espaço para ser verdadeiramente feliz em uma sociedade que privilegia apenas a imagem do vencedor e o êxito financeiro. É um livro recomendado tanto pelo entretenimento que proporciona quanto pela reflexão que desperta sobre os reveses da vida, os amores perdidos e a persistência dos desejos, mesmo quando o tempo já não parece a nosso favor. Afinal, concordo com a reflexão de uma das personagens: "A juventude deveria ser como uma casa de praia a que a gente vai de vez em quando com a pessoa que só conheceu na meia-idade".

"Se Deus realmente existe, deve ter sido ele quem me levou até em casa, e mais: quem me ajudou a subir os três andares. Entrei e nem acendi a luz, desabando no sofá feito um pugilista que vai a nocaute. 'Que vergonha, Alessandro Romani! Dirigir bêbado e vomitar no meio da rua', reconheci dentro da pouca consciência que me restava. Não sei quanto tempo depois, me levantei. Fui até a cozinha e bebi um litro d'água. Desabei de novo, agora por ali mesmo, em um canto, encostado à geladeira. Não sei se sonhei, mas comecei a ver Renata no fogão preparando o lanche de sábado, perguntando se eu havia posto vinho para gelar. Da sala, vinham as vozes dos personagens dos desenhos animados. Uma das meninas passou pelo corredor, reclamando de uma das irmãs. Parecia tudo tão real, como real era a culpa desesperada que me assaltou de repente, gritando que eu havia posto minha vida pela janela. Encolhi-me no canto, pensei nos meus pais. Perguntei, chorando, por que estavam me faltando justamente no momento mais difícil da merda da minha existência. Não consegui saber se foi mesmo sonho ou delírio de bêbado, só sei que acordei com o dia já claro, a cabeça sendo dinamitada e um vazio no estômago que era a extensão do vazio da própria vida." (199)

Sobre o autor: André Giusti nasceu na cidade do Rio de Janeiro e mora em Brasília desde o final dos anos 90. Tem dez livros publicados entre contos, crônicas e poemas. O mais recente é As filhas moravam com ele (Caos & Letras, 2023), semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. É jornalista com 36 anos de experiência. Já foi repórter, apresentador e chefe de redação no Sistema Globo de Rádio e no Grupo Bandeirantes de Comunicação. Só vale a pena se houver encanto é seu primeiro romance.

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