Emily Dickinson - O exílio da poesia
Emily Dickinson (1830-1886) formou, juntamente com Walt Whitman e Edgar Allan Poe, a base de toda a poesia americana do século XIX e adotou técnicas que seriam desenvolvidas pelos movimentos modernistas do próximo século. Harold Bloom define bem a essência do trabalho de Dickinson: "Se é possível a algum poeta partir do zero a cada novo poema, é questionável. Mas se alguém é capaz de fazê-lo, esse alguém é Emily Dickinson".
É um fato extraordinário que todo o seu legado poético tenha sido desenvolvido à partir de uma vida reclusa. O trecho a seguir, citação da introdução de "Poemas de Emily Dickinson" da editora Hucitec em tradução de Idelma Ribeiro de Faria, desenvolve esta idéia: "Em sua cidadezinha rural não a poderiam compreender. Consideravam-na uma excêntrica, um ser fora da realidade, um "mito" (como em Amherst era apelidada), especialmente depois que decidiu vestir-se apenas de branco. Seu pai sentia-se perplexo ante seu procedimento que não obedecia aos parâmetros convencionais. Sua mãe considerava-a um mistério e uma constante surpresa. Emily, deliberadamente, isolou-se em si mesma. Seu exílio foi a alternativa lógica para realizar-se como ser humano ímpar, dando corpo a sua genialidade".
O exemplo abaixo demonstra a dificuldade de tradução do poema "A word is dead" de Dickinson.
A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.
Conforme comentário de Aíla de Oliveira Gomes em "Emily Dickinson - uma centena de poemas" da Editora da Universidade de São Paulo, este poema é traiçoeiro para o tradutor devido à impossibilidade da manutenção monossilábica de "word" que extrapola a simplicidade do verso original quando traduzido para o esquema trissilábico de "palavra". Também a simplicidade de "some say" na versão abaixo foi um pouco adulterada pelo formalismo de "Dir-se-ia", "a rima e a medida curta dos versos o exigiram" justifica a tradutora em suas notas. Vejamos o resultado final obtido na tradução de Aíla de Oliveira:
Uma palavra morre
Quando é dita -
Dir-se-ia -
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.
A tradução abaixo, de José Lino Grunewald em "Grandes Poetas da Língua Inglesa do Século XIX", Editora Nova Fronteira, consegue alcançar um efeito mais próximo do poema original:
Palavra é morta
Quando está dita,
Dizem uns.
Digo:inicia
A só viver
Em tal dia.
No meu entendimento, a tradução a seguir, de Idelma Ribeiro de Faria, conseguiu cumprir seu objetivo, preservando a simplicidade do original:
Uma palavra morre
Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia.
Quando está dita,
Dizem uns.
Digo:inicia
A só viver
Em tal dia.
No meu entendimento, a tradução a seguir, de Idelma Ribeiro de Faria, conseguiu cumprir seu objetivo, preservando a simplicidade do original:
Uma palavra morre
Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia.
O poema "A word is dead" é muito citado como exemplo da técnica pré-modernista de Dickinson, muito bem explicada nas notas biográficas de José Lino Grunewald: "(...) poemas concisos, curtos, versos secos e precisos (a profundidade captada num breve flash verbal). Em matéria de quantidade de palavras ou linhas, iam quase sempre apenas um pouco além do haicai ou do epigrama".
Comentários
Realmente, existem poetas dificílimos de traduzir.
Existem muitas edições traduzidas de Emily Dickinson no mercado editorial brasileiro, mas é sempre interessante a comparação de diferentes traduções para alcançarmos um resultado próximo do original.