Juan Carlos Onetti - Junta-cadáveres

Juan Carlos Onetti - Junta-cadáveres - Editora Planeta - 317 páginas - Publicação 2005 - Tradução de Luis Reyes Gil.

Neste livro de 1964, novamente o uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) utiliza-se da cidade fictícia de Santa María para narrar os atos desesperados de seus personagens, sempre fracassados e sem rumo. Este romance apresenta uma faceta talvez um pouco mais bem humorada do que em "A vida breve", mesmo que se trate, na verdade, de humor negro e cáustico, começando pelo título surpreendente, alcunha do protagonista Larsen devido à sua experiência em arregimentar prostitutas pobres, velhas e consumidas, na tarefa insólita de montar o "prostíbulo ideal" em Santa María.

Os serviços de Larsen são contratados pelo farmacêutico e vereador da cidade Barthé que, após doze anos de tentativas fracassadas, consegue aprovar o "seu velho ideal civilizador" com a Câmara de Santa María o que lhe renderá dez pesos por futuro freguês das prostitutas. O médico Díaz Grey, outro personagem de "A vida breve" será o intermediário nesta negociação que consistirá no voto de Barthé para o processo de concessão do porto da cidade em troca da aprovação do prostíbulo pela Câmara.

A narrativa parcial é feita pelo jovem Jorge Malabia de dezesseis anos de idade, que participa da trama secundária do livro através de um relacionamento proibido com a louca Julita, viúva de seu irmão. A crítica de Francisco J.C. Dantas, no prefácio do romance, chama a atenção para a importância da originalidade narrativa: "É impressionante a liberdade com que Jorge Malabia flexiona o foco narrativo, não de maneira graciosa, mas orgânica, propiciando à sua escrita aquela dose de aparente irregularidade que leva o leitor a se sentir dentro de um mundo natural que está se movimentando em secreta turbulência, e não diante de um esquema rígido e ortodoxo. A par disso, os episódios se cruzam e alternam no tempo e na ordem sequencial, de tal forma que podem levar o leitor desavisado a pensar numa dimensão aleatória."

A chegada de Larsen com as três prostitutas: Maria Bonita, Irene e Nelly, irá perturbar a ordem da pacata e cínica cidade de Santa María. O trecho a seguir, pensamento de Larsen, logo na abertura do romance é como uma síntese do que está por vir: "Assim que eu contar a elas que estamos chegando vão começar a conversar, a pintar-se, lembram do seu ofício, estão ficando mais feias e velhas, fazem cara de mocinha, baixam os olhos para examinar as mãos. São três e não demorei quinze dias. Barthé tem mais do que merece, ele e toda a cidade, embora talvez riam ao vê-las e continuem rindo durante dias ou semanas. Já não têm quinze anos e estão vestidas de jeito a esfriar o ânimo de um fauno. Mas são gente, são boas, são alegres e sabem trabalhar."

Inicialmente a reação dos moradores é de indiferença e silêncio, mas a hostilidade acaba evoluindo para uma cruzada moralista e impiedosa, sob a liderança do padre Bergner e seu sobrinho alcoólatra Marcos (irmão de Julita), desencadeando uma série de cartas anônimas "legítimas", escritas pelas moças da Ação Cooperadora que denunciam a princípio as visitas de irmãos, noivos, filhos e maridos ao prostíbulo. Estas cartas anônimas acabam "despertando a inquietude de diversos odiadores" e "remoçando ofensas".

Comentários

Desta vez entro muda e saio calada. Nunca li Onetti.
Alexandre Kovacs disse…
Sonia, até este ano também ainda não havia lido nada de Onetti, mas fiquei bastante impressionado com "A vida breve" e "Junta-cadáveres".

Considerei ambos os livros bem difíceis, mas compensadores. A originalidade é marcante e percebe-se a influência direta em outros autores latino-americanos.
Anônimo disse…
Interessante... ouvi dizer que Gabriel Gárcia Marquez dialoga com este livro e com Pedro Páramo, principalmente na formação da cidade MACONDO.
Alexandre Kovacs disse…
Eduardo, bem lembrado, Macondo e Santa María são dois belos exemplos de cidades imaginárias. É uma boa idéia para uma futura postagem (sem falar em Juan Rulfo).
Anônimo disse…
Sua resenha me deixou bastante interessada no livro... Aliás, seu blogue todo tem várias resenhas de livros ótimos... Só para aumentar a minha listinha...

Beijos,
Alexandre Kovacs disse…
Cintia, tenho o mesmo problema com as listas intermináveis.

Acho que a citação abaixo resume bem o tema:

"Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outra maneira de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido."

Almada Negreiros (1893 - 1970) - pintor e escritor português.

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