Philip Roth - Fantasma Sai de Cena
Lançamento no Brasil: 18/06/2008 - Ler aqui um trecho em pdf disponibilizado pela Editora.
Philip Roth (1933-2018) coloca em cena, mais uma vez (talvez pela última vez), o seu alter ego Nathan Zuckerman em um romance que conta o sofrimento do personagem predileto do autor durante a triste e solitária passagem pela velhice e suas complicações, um tema difícil e espinhoso no qual poucos escritores contemporâneos se arriscariam, talvez apenas Coetzee. Zuckerman retorna de seu auto-exílio no campo após onze anos para tentar um tratamento que minimize os efeitos constrangedores da incontinência urinária e impotência sexual, ambas decorrentes da remoção de próstata. A abertura do romance é um belo exemplo do estilo claro e direto de Philip Roth que mostra logo no início ao que veio:
"Fazia onze anos que eu não ia a Nova York. Com exceção da viagem a Boston para remover uma próstata cancerosa, eu passara aqueles onze anos praticamente sem sair de casa numa estrada rural nos montes Berkshire, e além disso pouco lia jornal ou ouvia o noticiário, desde o 11 de setembro, três anos antes; sem nenhuma sensação de perda - apenas, no início, uma espécie de ressecamento interior -, eu deixara de habitar não apenas o mundo maior mas também o momento presente. O impulso de estar nele e fazer parte dele, eu já havia matado muito antes."
Zuckerman, aos 71 anos, vai encontrar uma Nova York muito diferente de sua época. Manhattan em plena fase da reeleição de Bush em 2004, após a crise de 11 de setembro, é uma cidade tomada por telefones celulares e o pavor por novos atos terroristas. Ele caminha como um fantasma sem conseguir se adaptar e encontra Amy Bellette que conheceu quando era uma linda estudante de literatura e amante do seu ídolo literário, E. I. Lonoff - um escritor fictício morto há 30 anos e agora esquecido do público. O contraponto para o estado terminal de Zuckerman é representado pelo jovem e impetuoso Richard Kliman que pretende escrever uma biografia de Lonoff revelando pontos obscuros e comprometedores do escritor.
O quadro de personagens se completa com o jovem casal de escritores Billy e Jamie que pretende abandonar Nova York, trocando de residência com Zuckerman pelo período de um ano. Neste ponto, Roth que faz do seu personagem-escritor Zuckerman uma fonte de objetividade e lucidez para os seus comentários sobre a vida e a sociedade americana (autobiográficos talvez), faz também com que ele se apaixone por Jamie, quarenta anos mais nova. Obviamente que Zuckerman, prisioneiro do seu próprio corpo decadente, não consegue concretizar essa paixão de nenhuma forma possível, exceto pela ficção, passando a escrever diálogos imaginários que são intercalados com a narrativa.
A literatura parece ser a única salvação para o debilitado Nathan Zuckerman que além de não poder controlar a própria bexiga e, o que é pior, o seu vigor sexual, começa a sofrer lapsos de memória que representam uma senilidade incontornável e que podem encerrar definitivamente a sua carreira como escritor. Philip Roth não tem mesmo pena de seus personagens, assim como a vida "real".
O quadro de personagens se completa com o jovem casal de escritores Billy e Jamie que pretende abandonar Nova York, trocando de residência com Zuckerman pelo período de um ano. Neste ponto, Roth que faz do seu personagem-escritor Zuckerman uma fonte de objetividade e lucidez para os seus comentários sobre a vida e a sociedade americana (autobiográficos talvez), faz também com que ele se apaixone por Jamie, quarenta anos mais nova. Obviamente que Zuckerman, prisioneiro do seu próprio corpo decadente, não consegue concretizar essa paixão de nenhuma forma possível, exceto pela ficção, passando a escrever diálogos imaginários que são intercalados com a narrativa.
A literatura parece ser a única salvação para o debilitado Nathan Zuckerman que além de não poder controlar a própria bexiga e, o que é pior, o seu vigor sexual, começa a sofrer lapsos de memória que representam uma senilidade incontornável e que podem encerrar definitivamente a sua carreira como escritor. Philip Roth não tem mesmo pena de seus personagens, assim como a vida "real".
Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Fantasma Sai de Cena de Philip Roth
Comentários
Seguindo mais um para a lista de espera.
Valeu, Alexandre.
Beijos
Mas pra falar de velhice e de morte, quer dizer, da transitoriedade da vida, acho que continuo preferindo a perspectiva de outro americano, autor de livros que com toda a certeza você conhece muito bem: um deles começa com o personagem encontrando sua perfeita mulher morta no carro, na garagem. suicidio. O outro livro tem como personagem central um advogado baixinho que é "commis d'office" na defesa em apelaçao de um acusado de assassinato e que clama inocência. O que esses livros têm em comum é a aceitaçao implicita das conjunturas da vida. O que me incomoda no livro que você resenhou - brilhantemente, como sempre - é um certo lamento implicito. - Oh, por que fiquei incontinente, por que fiquei impotente! Suponho que no livro nao falte o tom auto-sarcastico, que na verdade é auto-comiserativo. Estarei errada?
Penso que o romance a ser escrito deveria partir da constataçao: fiquei incontinente e impotente porque me livrei de um câncer de prostata. Porque sou um felizardo que nao vai morrer de uma morte horrivel. Pude escolher nao morrer assim. E duro viver assim mas se nao sou uma pessoa embrutecida, sei que o sexo e o amor nao se resumem ao ato sexual executado de forma classica. E que a vida é grande. E que quando a gente chega no limite dela - gente da nossa estampa - sempre pode tomar o numero certo de pilulas para dormir eternamente.
Suponho que o excelente autor de Pornoy nao teve câncer de prostata e nunca acompanhou a evoluçao de um.
Querido Kovacs, espero nao ter abusado de sua hospitalidade. E que, atualmente, todo livro que me pareça apresentar a vida como triste, amarga, madrasta ou sem saida me parece bobo. Gente, a morte nos espera ali mesmo. e quem nao esta satisfeito sempre pode pegar um atalho pra saida, nao é mesmo?
Beijos,
Eliana
O Complexo de LPortnoy marcou minha formaçao literaria.
Mas nao gosto da perspectiva lamurienta travestida de realista que, a partir de sua brilhante resenha, percebo nesse romance.
Um romancista que nao parte da transitoriedade intrinseca da vida? Que se surpreende com as mutaçoes do corpo? Que nao se sente agraciado por ter-se salvado da morte por câncer de prostata? E que nao se suicida? ( Ou sera que se suicida? Ou sera que o narrador critica o personagem, que ha uma distância entre os dois?)
Beijo e merci pela instigante resenha.
Eliana
Li e adorei, e como sempre os personagens de Roth nos fazem pensar e refletir sobre o tempo, os relacionamentos, as escolhas neste processo de vida.
Li o "Entre Nós", onde ele conversa com Primo Levi, Ivan Klíma, Kundera e outros grandes escritores, uma excelente leitura que me levou a conhecer outros autores.
Um grande romancista, um intelectual de nosso tempo que pensa a modernidade.
Ops: adorei o novo visul do mundo de K: leve e solto e com a sua qualidade de sempre.
bjs.
Pelo que li nos comentários do seu post sobre este livro e autor que não li, vi um crivo bastante severo, como assim deve ser.
Gosto desta temática porque ela confronta o status quo de um mundo paradisíaco que prega o riso fácil e bestial, onde a felicidade é apregoada em detrimento não apenas da razão, mas como se fôssemos obrigados a negligenciar as outras instâncias do ser - tal se a vida fosse um simulacro ou qualquer coisa que o dito em voz baixa devesse ser execrado, camuflado ou
sinônimo de vexame.
Neste sentido, P.R. merece aplauso por nos mostrar as letrinhas miúdas de rodapé que figuram nos panfletos do marketing feliz que hoje em dia parece ser tão usual.
Abraços,
Bento.
Na experiência literária [e da arte em geral] a vida se põe assim como uma espécie de alinhavo, talvez um ensaio a respeito daquilo que se crê, do que se objetiva. Ou daquilo que se sente.
Mas a vida é tão mais forte, tão mais pulsante e abrangente, que nem sempre deixa margem para registros mais fidedignos sem que recaia no mero palrear.
Uma coisa é o cadafalso para aquele que tece o destino de um homem 'de papel'; outra coisa é o cadafalso para aquele que cruza em silêncio os degraus rumo a corda áspera.
Assim os dias ácidos na tessitura da escrivaninha não são os mesmos para aqueles que, em pés trôpegos, atravessam os dias gélidos e convulsos de quem ronda o calendário do mundo.
Então, gosto muito de quem tenta aproximar estes dois mundos.
Abraços e obrigado pelo texto,
Bento.
Muito agradecido por colocar uma abordagem diferente e instigante por aqui. Sou tão apaixonado pelo estilo narrativo de Philip Roth que deixo de perceber certas colocações que você destacou.
Mas a vida é tão mais forte, tão mais pulsante e abrangente, que nem sempre deixa margem para registros mais fidedignos sem que recaia no mero palrear.
O trecho que você comentou acima mostra bem a impossibilidade da tarefa de registrar e/ou recriar a vida na literatura, mas é dessa busca que nasce a verdadeira arte. Um tema maravilhoso e inesgotável.
UFA!
Como estou lendo o Proust (finalmente), e uso os 'intervalos' para os livros teóricos, vou demorar a voltar ao Roth; mas quando voltar, já sei onde encontrar um comentário/resenha que valha a pena... Abração!
Obrigada pela dica!
Uma boa semana!
Beijos.
Anny
A arte é insuficiente para expressar a vida. E é bom que assim o seja. Não se deve fundamentar a arte como fac-simile da vida. É preciso que Ela tenha sua própria exuberância.
A arte jamais deve vir como subproduto - pensando assim, que ela tenha suas alegorias, seja seu próprio fomento, seu clímax e anti-clímax.
Porque a vida, a vida mesmo está prenhe de si - É Sujeito e predicado. Jamais objeto. E é pela vida que que traçamos nossos gestos, diria acenos: Leves, levíssimos... Diáfanos, ousaria dizer.
E por diáfanos, transitórios. Mas nunca, indeléveis. Sendo assim, que o viver nos arrebate como a arte costuma fazer.
Obrigado, sinceramente, por este Mundo - que transitório, por certo, não é.
Bento.