Graciliano Ramos - Conversas

Literatura brasileira
Graciliano Ramos - Conversas - Editora Record - 420 páginas - Organização Ieda Lebensztayn e Thiago Mia Salla - Lançamento 2014.

Graciliano Ramos (1892-1953) sempre foi conhecido como homem ensimesmado e avesso a conversas, costumava declarar inclusive que não gostava de vizinhos. Essa postura intimista do autor reveste a iniciativa desta edição de uma importância ainda maior porque, devido à característica arredia do velho Graça, como era chamado nos encontros na livraria José Olympio no Rio de Janeiro pelos amigos intelectuais da época como: Aurélio Buarque de Holanda, José Lins do Rego e Otto Maria Carpeaux, entre outros (provando que ele não era assim tão introspectivo), existe hoje uma carência de informações sobre o seu modo de pensar e fazer literatura o que justifica este livro como um resgate do nosso patrimônio cultural e uma chance de conhecermos um pouco mais dos pensamentos do autor de "Vidas Secas", uma das obras mais importantes já escritas em nosso país. 

O livro reúne material publicado sobre Graciliano Ramos em jornais e revistas desde 1910 até 1953 e é organizado de forma cronológica em três partes: 1) entrevistas, 2) enquetes e depoimentos e 3) causos (pequenos eventos folclóricos de caráter anedótico), acrescentando ainda os seguintes anexos: índice onomástico, cronologia, bibliografia completa e referências de antologias, entrevistas e obras em colaboração. Selecionei abaixo algumas passagens do pensamento de Graciliano sobre literatura, política e outras questões importantes da época.

Publicado em 1947 na Tribuna Popular, diário fundado por intelectuais e militantes ligados ao Partido Comunista do Brasil, sobre o período em que esteve preso no presídio de Ilha Grande (que seria descrito em detalhes por Graciliano no livro "Memórias do Cárcere", lançado postumamente em 1953):
Recordando Olga Benário Prestes 
— Olga Benário Prestes foi minha vizinha de cubículo. Ela estava na sala 4 e eu no cubículo 50, no Pavilhão dos Primários. Lembro-me bastante da sua figura, da sua energia. Da noite em que a retiraram, a fim de enviá-la para a Alemanha, não me esqueço nunca. Eu estava, então, na Sala da Capela. De lá ouvíamos os protestos das outras mulheres e os gritos dos policiais. Inventaram que ela seria levada, em virtude da sua gravidez, para o hospital Gaffrée e Guinle. Mas assim que se viram na rua os policiais desfizeram-se da amiga e do médico, que acompanhavam Olga Benário. Uma única vez falei com ela; foi numa das minhas transferências, quando me despedi de todos os companheiros de prisão.
O capítulo Ilha Grande 
— Na Colônia Correcional, na Ilha Grande, recebi como todos os outros presos a minha "zebra", a roupa de listas azuis, logo depois da chegada. Como os demais, tive a minha cabeça raspada. As cabeças eram raspadas para que os tijolos, que se carregavam, doessem mais. Mas essa satisfação eu não dei aos policiais de Ilha Grande, pois logo depois caí doente, com uma febre violenta. Fiquei numa esteira, imprestável.
As heranças do presídio 
— Depois da febre — continua Graciliano Ramos — tive uma polinevrite, que me reduziu à expressão mais simples. Depois da polinevrite, em consequência dos maus tratos e da fome, veio a tuberculose. Por causa do meu estado de saúde, bastante grave, não passei mais tempo na Ilha Grande, com aquela vestimenta de "zebra", com a cabeça raspada, tomando uma canequinha de café todas as manhãs com um pãozinho que chamamos de "marrocos" (...) As camas eram feitas com areia da praia. Havia um excesso de mosquitos e a comida vinha sempre cheia de moscas; pulgas, carrapatos, toda sorte de parasitas infestavam as camas.
Publicado em 1949 na Folha da Manhã, jornal que daria origem à Folha de São Paulo: "Afirma Graciliano Ramos: 'Não me considero um escritor'":
Sobre livros 
— Não gosto de nenhum dos meus livros, e, na literatura do mundo inteiro, para mim o maior livro não é um livro de literatura e sim a Bíblia. No entanto, gosto de Cervantes, Rabelais, Balzac, Tolstoi e Dostoievski. No Brasil, entre os romancistas aprecio Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. Ainda, entre os contistas prefiro Machado de Assis, João Alphonsus e Marques Rebelo (...) Gosto da Bíblia, não porque ela me traga algum conforto moral. Talvez a prefira por uma tendência atávica. Gosto também da Divina Comédia de Dante. Estudei até o italiano somente para conhecer esta obra no original.
O homem 
— Não tenho saudades de nada. Não tenho predileções por nenhum prato. Odeio esportes. Não gosto de praias. Detesto viagens. Sou um animal sedentário; nasci para ostra: caramujo. Não tenho preferências por nenhuma cidade, por nenhum bairro. Vivo bem onde estou. O que não quero é mudar-me. Ainda hoje estaria lá nos sertões das Alagoas se não viesse preso para cá. Sim, vim preso num porão de navio, sem pagar passagem...
Finalmente, uma bonita citação do velho Graça já conhecida sobre o ofício de escrever para Joel Silveira em 1938, mas que vale a pena recordar no seu contexto original:
— Quem escreve deve ter todo o cuidado para a coisa não sair molhada. Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal. Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Sabe como elas fazem? Elas começam com uma primeira lavada. Molham a roupa suja na beira da lago ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer.

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