Amós Oz - Judas
Amós Oz - Judas - Editora Companhia das Letras - 368 páginas - tradução direta do hebraico por Paulo Geiger - Lançamento no Brasil: 07/11/2014.
Amós Oz (1939-2018) sempre foi uma referência na área de cultura, citado nas listas de favoritos de cada ano ao prêmio Nobel de literatura, mas, por outro lado, muito criticado em Israel devido à sua posição política, já que foi um defensor de uma solução pacifista para os conflitos entre judeus israelenses e árabes palestinos, uma posição que parece cada vez mais difícil de defender devido à herança de ódio na região do Oriente Médio. Tem sido considerado, por movimentos sionistas radicais, como um traidor da causa israelense. Não é por acaso, portanto, que tenha surgido a ideia da traição como tema central deste ensaio/romance. Segundo declarações de Amós Oz, o conceito de traição pode ser relativo porque o traidor é "aquele que, por vezes, se atreve a mudar uma situação" e "os traidores são aqueles que mais amam, podendo estar à frente do seu tempo".
Esta é a história de um inverno no final de 1959 e início de 1960 em Jerusalém, uma fase difícil na vida do protagonista, o estudante Shmuel Asch de vinte e cinco anos, que passa por várias perdas de uma só vez: é abandonado pela namorada que se casa com o namorado anterior, seus pais entram em falência e não podem mais financiar seus estudos e, finalmente, não consegue mais progredir na pesquisa que preparava na universidade, uma análise sobre a imagem de Jesus na visão dos judeus, que passa por um impasse criativo. Shmuel decide responder a um anúncio no quadro de avisos do campus que oferecia moradia gratuita para estudante na condição de ser acompanhante, durante cinco horas por noite, de um inválido de setenta anos, "homem ilustrado e de grande cultura", conforme o texto do anúncio, escrito em uma caligrafia feminina "caprichada e agradável".
Assim, o jovem Shmuel Asch passa a habitar em um clima de mistério a mesma casa com o velho Ghershom Wald e Atalia Abravanel, autora do anúncio, mulher mais velha, mas ainda bonita e sensual, por quem o nosso abatido e carente protagonista acaba se apaixonando (como não poderia deixar de ser). A princípio, ele não tem conhecimento sobre os motivos que levaram os dois a conviver naquela casa, mas com o passar do tempo vai descobrindo, juntamente com o leitor, que o passado deles está intimamente relacionado à história da criação do Estado de Israel, desde a decisão das Nações Unidas de 1947 pela divisão da Palestina Britânica em dois estados, um judeu e outro árabe e a consequente Guerra Civil de 1947-1948 sob o comando de David Ben Gurion que decretou a independência, provocando novos conflitos na região que prosseguem até a atualidade. Amós Oz utiliza os diálogos entre os personagens para mostrar as consequências das ações extremistas, de ambos os lados, em um caminho sem volta de violência e destruição.
Amós Oz (1939-2018) sempre foi uma referência na área de cultura, citado nas listas de favoritos de cada ano ao prêmio Nobel de literatura, mas, por outro lado, muito criticado em Israel devido à sua posição política, já que foi um defensor de uma solução pacifista para os conflitos entre judeus israelenses e árabes palestinos, uma posição que parece cada vez mais difícil de defender devido à herança de ódio na região do Oriente Médio. Tem sido considerado, por movimentos sionistas radicais, como um traidor da causa israelense. Não é por acaso, portanto, que tenha surgido a ideia da traição como tema central deste ensaio/romance. Segundo declarações de Amós Oz, o conceito de traição pode ser relativo porque o traidor é "aquele que, por vezes, se atreve a mudar uma situação" e "os traidores são aqueles que mais amam, podendo estar à frente do seu tempo".
Esta é a história de um inverno no final de 1959 e início de 1960 em Jerusalém, uma fase difícil na vida do protagonista, o estudante Shmuel Asch de vinte e cinco anos, que passa por várias perdas de uma só vez: é abandonado pela namorada que se casa com o namorado anterior, seus pais entram em falência e não podem mais financiar seus estudos e, finalmente, não consegue mais progredir na pesquisa que preparava na universidade, uma análise sobre a imagem de Jesus na visão dos judeus, que passa por um impasse criativo. Shmuel decide responder a um anúncio no quadro de avisos do campus que oferecia moradia gratuita para estudante na condição de ser acompanhante, durante cinco horas por noite, de um inválido de setenta anos, "homem ilustrado e de grande cultura", conforme o texto do anúncio, escrito em uma caligrafia feminina "caprichada e agradável".
Assim, o jovem Shmuel Asch passa a habitar em um clima de mistério a mesma casa com o velho Ghershom Wald e Atalia Abravanel, autora do anúncio, mulher mais velha, mas ainda bonita e sensual, por quem o nosso abatido e carente protagonista acaba se apaixonando (como não poderia deixar de ser). A princípio, ele não tem conhecimento sobre os motivos que levaram os dois a conviver naquela casa, mas com o passar do tempo vai descobrindo, juntamente com o leitor, que o passado deles está intimamente relacionado à história da criação do Estado de Israel, desde a decisão das Nações Unidas de 1947 pela divisão da Palestina Britânica em dois estados, um judeu e outro árabe e a consequente Guerra Civil de 1947-1948 sob o comando de David Ben Gurion que decretou a independência, provocando novos conflitos na região que prosseguem até a atualidade. Amós Oz utiliza os diálogos entre os personagens para mostrar as consequências das ações extremistas, de ambos os lados, em um caminho sem volta de violência e destruição.
"A verdade é que toda a força no mundo não pode transformar uma pessoa que odeia você numa pessoa que gosta de você. Pode transformar quem odeia num escravo, mas não em alguém que goste de você. Nem com toda a força do mundo se pode transformar uma pessoa fanática numa pessoa sensata. E nem com toda a força do mundo se pode transformar quem está ávido por vingança num amigo. E aí está, são exatamente esses os problemas existenciais do Estado de Israel: transformar quem o odeia em quem o estime, um fanático num moderado, um agente de represália e vingança num amigo. Estarei dizendo com isso que nossa força militar não é necessária? De forma alguma. Eu nunca poderia pensar numa tolice assim. Eu sei tanto quanto você que a força, nossa força militar, em todos os momentos, mesmo neste momento em que você e eu estamos aqui discutindo, está postada entre nós e nossa morte. Essa força tem o poder de evitar por enquanto que sejamos exterminados. Com a condição de que lembremos sempre, a cada momento, que em nosso caso a força só pode impedir. Não pode apaziguar nem trazer uma solução. Só pode evitar a catástrofe por algum tempo." (pág. 124)Em contraste com a situação política contemporânea e o debate sobre uma eventual solução pacífica para a convivência entre judeus e árabes, Amós Oz abre espaço para uma teoria sobre a formação da religião cristã em outra polêmica, como se já não bastasse o questionamento sobre a criação do Estado de Israel, que apresenta alguns argumentos (na pesquisa de Shmuel Asch) para inocentar e redimir o mais famoso traidor da humanidade, ninguém menos do que Judas Iscariotes. Segundo a abordagem do romance, um personagem histórico que ficou injustamente marcado, ao longo dos séculos, por uma traição que na verdade nunca existiu.
"Judas Iscariotes é o fundador da religião cristã. Ele era um homem abastado da Judeia, ao contrário dos demais apóstolos, que eram simples pescadores e agricultores de aldeias longínquas da Galileia. Os sacerdotes de Jerusalém tinham ouvido boatos estranhos sobre um excêntrico milagreiro da Galileia que fazia coisas prodigiosas e atraía adeptos aqui e ali, em aldeias e vilas esquecidas, até as margens do mar da Galileia, por meio de todo tipo de milagres provincianos, ele assim como dezenas de pseudoprofetas e milagreiros, a maioria dos quais eram charlatões e também loucos. Só que esse galileu atraía um pouco mais de crentes do que os outros embusteiros, e sua fama crescia cada vez mais. Por isso os sacerdotes de Jerusalém decidiram escolher Judas Iscariotes, um homem abastado, culto, inteligente, profundo conhecedor da Torá escrita e da Torá oral, e próximo dos fariseus e do sacerdócio, e enviá-lo para se juntar ao grupo dos crentes que seguiam o rapaz galileu de aldeia em aldeia, fazer-se passar por um deles para informar aos sacerdotes de Jerusalém qual era a verdadeira natureza daquele excêntrico e se ele representava de fato algum perigo especial (...) O homem que fora enviado pelos sacerdotes de Jerusalém para espionar o embusteiro galileu e seus seguidores, para desmascará-lo, passou a ser um de seus mais entusiasmados crentes (...) O mais entusiasta dos apóstolos. E além disso: foi o primeiro homem a acreditar piamente na divindade de Jesus." (págs. 171 - 173)Ficção, política, história e religião, estão presentes neste romance/ensaio que ultrapassa a classificação de literatura, embora também seja — e do melhor tipo — principalmente em um dos capítulos finais que descreve os últimos momentos de Judas, presenciando a crucificação de Jesus até o seu suicídio, uma sensação de desconforto que só lembro de ter passado ao ler outro clássico, "O Evangelho segundo Jesus Cristo", de José Saramago. Todos esses elementos elevam o texto de Amós Oz a um nível de obra indispensável para compreender melhor os conflitos do nosso tempo, se é que isto é possível.
"A principal tragédia dos homens, Shaltiel costumava dizer, não é que perseguidos e oprimidos aspirem a se libertar e se aprumar. Não. O grande mal é que os oprimidos anseiam secretamente por se tornar os opressores de seus opressores. Os perseguidos sonham em ser perseguidores. Os escravos sonham ser senhores." (pág. 260)
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