Lauren Groff - Destinos e Fúrias
Lauren Groff - Destinos e Fúrias - Editora Intrínseca - 368 Páginas - Tradução de Adalgisa Campos da Silva - Lançamento no Brasil 2015.
Este é aquele tipo de romance tão comentado e premiado que acaba criando uma expectativa quanto à real qualidade da obra ou simplesmente como um resultado do processo de marketing da editora. Terceiro livro da carreira de Lauren Groff, foi indicado como 'best-seller' pelo New York Times, livro do ano pela Amazon, The Washington Post, NPR, Time e finalista do National Book Award de 2015, como se não bastasse toda badalação na mídia especializada, foi citado como o livro favorito do ano de 2015 pelo presidente Barack Obama pela revista "People", ganhando ainda mais visibilidade.
Na minha avaliação, o livro tem o grande mérito de encontrar uma forma original para falar do casamento em nossos dias, tema já um pouco fora de moda e, de certa forma, um tanto o quanto esgotado na literatura. É dividido em duas partes, cada uma refletindo o ponto de vista de um dos personagens, enquanto a primeira metade, "Destinos", é integralmente baseada na versão de Lotto para o relacionamento, uma visão na qual o dramaturgo exalta as virtudes da esposa "invisível" dedicada ao desenvolvimento de sua carreira, a segunda, "Fúrias" — que reflete com muito mais precisão a realidade dos fatos — é a perspectiva da esposa, Mathilde, que revela as reais motivações por trás dos eventos narrados pelo marido, uma solução narrativa muito engenhosa da autora que nos permite acompanhar a intimidade e as motivações do casal ao longo de vinte e dois anos. Afinal todo casamento é exatamente isso, uma vida compartilhada, mas não exatamente igual, cada um dos cônjuges com o seu ponto de vista, talvez alguns segredos, na melhor das hipóteses meias verdades ou verdades não declaradas. O resultado é uma imagem externa nem sempre real, como bem sabemos.
"Terminou muito depressa. Quando ela gritou, as gaivotas escondidas pela duna dispararam em direção às nuvens baixas. Mais tarde, ela mostraria ao marido a escoriação causada pela fricção da oitava vértebra contra a concha de um mexilhão enquanto ele metia de novo e de novo. Os dois estavam com os corpos tão colados que, quando riram, a risada dele vinha da barriga dela, e a dela saía da garganta dele. Ele beijou-lhe as maçãs do rosto, a clavícula e a parte pálida do pulso com veias azuis, que pareciam raízes. Aquela terrível fome, que ele achou que seria saciada, não foi. O fim estava aparente no começo.
— Minha esposa — disse. — Minha.
Talvez em vez de vesti-la, ele pudesse engoli-la inteira.
— Ah, é? — respondeu ela. — Certo. Porque sou uma posse. Porque minha família real me trocou por três mulas e um balde de manteiga.
— Amo seu balde de manteiga — comentou ele. — Agora é 'meu' balde de manteiga. Tão salgada. Tão doce.
— Pare — pediu ela. Perdera o sorriso, tão tímido e contrastante que deixara o marido espantado de vê-la de perto sem um. — Ninguém é de ninguém. Fizemos algo grandioso. É novidade.
Pensativo, ele olhou para ela e mordeu com delicadeza a ponta do seu nariz. Ele a amara com todas as forças durante aquelas duas semanas e, amando tanto assim, a considerara transparente, um prato de vidro. Através dela ele conseguia rapidamente ver sua bondade. Mas vidro é algo frágil, portanto ele teria que ser cuidadoso.
— Você tem razão — disse ele; pensando 'Não', pensando em quão profundamente pertenciam um ao outro. Sem dúvida.
Entre a pele dele e a dela havia o menor dos espaços, mal cabia ar, mal cabia a camada de suor que começava a esfriar. Mesmo assim, uma terceira pessoa, o casamento dos dois, se insinuara ali." (Primeira parte - "Destinos" - págs. 10 e 11)
O casal, principalmente devido ao carisma de Lotto, é invejado pelos amigos, mesmo durante os primeiros anos difíceis quando dividiam um pequeno apartamento em Manhattan e enquanto ele tentava consolidar sem sucesso uma carreira de ator de peças de Shakespeare até descobrir o seu verdadeiro talento como escritor e dramaturgo, sempre apoiado pela esposa que trabalhava para pagar as contas da casa. As peças de Lotto tem inspiração em personagens da mitologia grega e cada uma delas, resumida no texto, também é baseada em momentos do relacionamento. O casamento sempre foi contrário à vontade da mãe rica de Lotto que corta todo o apoio financeiro ao filho o que concede um charme ainda maior ao jovem casal em busca da felicidade e do seu lugar na sociedade.
"Sim, é verdade que houve, por um breve período, uma felicidade absoluta, era 'certeza', e a dominava por completo. Dia escuro, praia pedregosa. Ela se sentia alegre, mesmo quando surgiam pequenas irritações, as moscas de areia que mordiam, o frio que entranhava em seus ossos e as pedras afiadas na praia de Maine que abriram seu dedo do pé como uma uva fatiada e a fizeram voltar mancando para a casa que lhes emprestaram para o dia do casamento. Eles tinham vinte e dois anos. O mundo transbordava de potencial. Estavam tão bem como jamais estariam. Ela mantinha as mãos aquecidas nas costas do novo marido e sentia os músculos remexendo sob a pele dele. Uma concha espetou a coluna dela. Ela sentia que estava devorando ele. Primeira consumação como marido e mulher. Ela imaginou uma jiboia engolindo um veado.
Se ele tinha defeitos, ela não conseguia identificá-los. E talvez isso fosse verdade, talvez ela tivesse encontrado a única pessoa sem defeitos no mundo. Mesmo se tivesse sonhado com ele, ela não conseguiria inventar alguém assim. Inocente, encantador, engraçado, fiel. Rico. Lancelot Satterwhite. Lotto. Eles tinham se casado naquela manhã. Ela estava agradecida à areia que entrava nas partes impróprias e a deixava assada. Não conseguia confiar na forma pura do prazer.
Mas a primeira consumação conjugal dos dois terminou rápido demais. Ele riu no ouvido dela; ela, no pescoço dele. Não importava. Suas identidades distintas haviam desaparecido. Ela não estava mais sozinha. Tinha sido esmagada pela gratidão. Lotto a ajudou a se levantar, e eles se curvaram para pegar as roupas, e o oceano do outro lado da duna os aplaudiu. Ela passou o fim de semana todo cantando de alegria." (Segunda parte - "Fúrias" - pág. 216)
Como bem define um dos professores de Lotto na faculdade: "não há diferença entre tragédia e comédia, é tudo uma questão de perspectiva. Narrar é construir uma paisagem, e tragédia é comédia é drama. Só depende de como a pessoa está vendo." É verdade também que "toda história tem dois lados", como antecede o texto promocional do livro e a autora consegue surpreender no desenvolvimento da trama, principalmente ao revelar os segredos de Mathilde, nos mostrando mais uma vez que que nada é o que realmente parece na vida e no casamento, como já imaginávamos.
Na minha avaliação, o livro tem o grande mérito de encontrar uma forma original para falar do casamento em nossos dias, tema já um pouco fora de moda e, de certa forma, um tanto o quanto esgotado na literatura. É dividido em duas partes, cada uma refletindo o ponto de vista de um dos personagens, enquanto a primeira metade, "Destinos", é integralmente baseada na versão de Lotto para o relacionamento, uma visão na qual o dramaturgo exalta as virtudes da esposa "invisível" dedicada ao desenvolvimento de sua carreira, a segunda, "Fúrias" — que reflete com muito mais precisão a realidade dos fatos — é a perspectiva da esposa, Mathilde, que revela as reais motivações por trás dos eventos narrados pelo marido, uma solução narrativa muito engenhosa da autora que nos permite acompanhar a intimidade e as motivações do casal ao longo de vinte e dois anos. Afinal todo casamento é exatamente isso, uma vida compartilhada, mas não exatamente igual, cada um dos cônjuges com o seu ponto de vista, talvez alguns segredos, na melhor das hipóteses meias verdades ou verdades não declaradas. O resultado é uma imagem externa nem sempre real, como bem sabemos.
"Terminou muito depressa. Quando ela gritou, as gaivotas escondidas pela duna dispararam em direção às nuvens baixas. Mais tarde, ela mostraria ao marido a escoriação causada pela fricção da oitava vértebra contra a concha de um mexilhão enquanto ele metia de novo e de novo. Os dois estavam com os corpos tão colados que, quando riram, a risada dele vinha da barriga dela, e a dela saía da garganta dele. Ele beijou-lhe as maçãs do rosto, a clavícula e a parte pálida do pulso com veias azuis, que pareciam raízes. Aquela terrível fome, que ele achou que seria saciada, não foi. O fim estava aparente no começo.
— Minha esposa — disse. — Minha.
Talvez em vez de vesti-la, ele pudesse engoli-la inteira.
— Ah, é? — respondeu ela. — Certo. Porque sou uma posse. Porque minha família real me trocou por três mulas e um balde de manteiga.
— Amo seu balde de manteiga — comentou ele. — Agora é 'meu' balde de manteiga. Tão salgada. Tão doce.
— Pare — pediu ela. Perdera o sorriso, tão tímido e contrastante que deixara o marido espantado de vê-la de perto sem um. — Ninguém é de ninguém. Fizemos algo grandioso. É novidade.
Pensativo, ele olhou para ela e mordeu com delicadeza a ponta do seu nariz. Ele a amara com todas as forças durante aquelas duas semanas e, amando tanto assim, a considerara transparente, um prato de vidro. Através dela ele conseguia rapidamente ver sua bondade. Mas vidro é algo frágil, portanto ele teria que ser cuidadoso.
— Você tem razão — disse ele; pensando 'Não', pensando em quão profundamente pertenciam um ao outro. Sem dúvida.
Entre a pele dele e a dela havia o menor dos espaços, mal cabia ar, mal cabia a camada de suor que começava a esfriar. Mesmo assim, uma terceira pessoa, o casamento dos dois, se insinuara ali." (Primeira parte - "Destinos" - págs. 10 e 11)
O casal, principalmente devido ao carisma de Lotto, é invejado pelos amigos, mesmo durante os primeiros anos difíceis quando dividiam um pequeno apartamento em Manhattan e enquanto ele tentava consolidar sem sucesso uma carreira de ator de peças de Shakespeare até descobrir o seu verdadeiro talento como escritor e dramaturgo, sempre apoiado pela esposa que trabalhava para pagar as contas da casa. As peças de Lotto tem inspiração em personagens da mitologia grega e cada uma delas, resumida no texto, também é baseada em momentos do relacionamento. O casamento sempre foi contrário à vontade da mãe rica de Lotto que corta todo o apoio financeiro ao filho o que concede um charme ainda maior ao jovem casal em busca da felicidade e do seu lugar na sociedade.
"Sim, é verdade que houve, por um breve período, uma felicidade absoluta, era 'certeza', e a dominava por completo. Dia escuro, praia pedregosa. Ela se sentia alegre, mesmo quando surgiam pequenas irritações, as moscas de areia que mordiam, o frio que entranhava em seus ossos e as pedras afiadas na praia de Maine que abriram seu dedo do pé como uma uva fatiada e a fizeram voltar mancando para a casa que lhes emprestaram para o dia do casamento. Eles tinham vinte e dois anos. O mundo transbordava de potencial. Estavam tão bem como jamais estariam. Ela mantinha as mãos aquecidas nas costas do novo marido e sentia os músculos remexendo sob a pele dele. Uma concha espetou a coluna dela. Ela sentia que estava devorando ele. Primeira consumação como marido e mulher. Ela imaginou uma jiboia engolindo um veado.
Se ele tinha defeitos, ela não conseguia identificá-los. E talvez isso fosse verdade, talvez ela tivesse encontrado a única pessoa sem defeitos no mundo. Mesmo se tivesse sonhado com ele, ela não conseguiria inventar alguém assim. Inocente, encantador, engraçado, fiel. Rico. Lancelot Satterwhite. Lotto. Eles tinham se casado naquela manhã. Ela estava agradecida à areia que entrava nas partes impróprias e a deixava assada. Não conseguia confiar na forma pura do prazer.
Mas a primeira consumação conjugal dos dois terminou rápido demais. Ele riu no ouvido dela; ela, no pescoço dele. Não importava. Suas identidades distintas haviam desaparecido. Ela não estava mais sozinha. Tinha sido esmagada pela gratidão. Lotto a ajudou a se levantar, e eles se curvaram para pegar as roupas, e o oceano do outro lado da duna os aplaudiu. Ela passou o fim de semana todo cantando de alegria." (Segunda parte - "Fúrias" - pág. 216)
Como bem define um dos professores de Lotto na faculdade: "não há diferença entre tragédia e comédia, é tudo uma questão de perspectiva. Narrar é construir uma paisagem, e tragédia é comédia é drama. Só depende de como a pessoa está vendo." É verdade também que "toda história tem dois lados", como antecede o texto promocional do livro e a autora consegue surpreender no desenvolvimento da trama, principalmente ao revelar os segredos de Mathilde, nos mostrando mais uma vez que que nada é o que realmente parece na vida e no casamento, como já imaginávamos.
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