Os cães coloridos, dois poetas brasileiros que não podemos esquecer
Rodrigo de Souza Leão e Alberto da Cunha Melo |
A vida de Rodrigo de Souza Leão (1965-2009), escritor, jornalista, músico e pintor carioca, foi muito curta para tanto talento acumulado. Ficou conhecido pelo seu livro "Todos os Cachorros são Azuis" (Editora 7Letras, 2008) quando foi selecionado entre os 50 finalistas do Prêmio Portugal Telecom, edição 2009. Ele recebeu aos 17 anos o diagnóstico de esquizofrenia paranoide, agravada por transtorno obsessivo compulsivo, mas isso não foi obstáculo para a sua criação artística, muito pelo contrário, porque, estranhamente consciente de suas “limitações” psíquicas, ele atingiu um grau de lucidez surpreendente, mesmo tendo passado a maior parte de sua vida fechado em um apartamento. Rodrigo não é tão conhecido por sua poesia, mas o pequeno exemplo abaixo mostra a sua força de poeta.
EU
(Rodrigo de Souza Leão)
Morri sem conhecer Rodrigo
Há quem diga que ele
Olhava muito o próprio umbigo
Mas não é isso não
Tinha fome de Leão
Queria tudo agora
Foi
Chegada a hora
O pernambucano José Alberto Tavares da Cunha Melo (1942-2007), apesar de ter publicado 17 livros, não é conhecido e, principalmente, reconhecido pelo grande público brasileiro como certamente seria se fosse originário do badalado eixo Rio-São Paulo. O poeta conseguiu maior projeção nacional com o lançamento do seu livro "O Cão de Olhos Amarelos", (Editora A Girafa, 227 páginas), uma edição comemorativa dos seus 40 anos de poesia, premiado pela Academia Brasileira de Letras, em 2007, como o melhor livro de poesia publicado no ano de 2006. Ainda é muito pouco para um autor que dispensa apresentações e explicações. Por exemplo, não consigo imaginar título menos poético do que Relógio de Ponto, mas leiam com atenção o poema abaixo e certamente ficarão surpreendidos pela força e originalidade das imagens e, afinal, não há motivos para preocupação pois, como diz o poeta, tudo que levamos a sério torna-se amargo, mesmo as vitórias.
RELÓGIO DE PONTO
(Alberto da Cunha Melo)
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.
Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas.
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