J. D. Salinger - The Catcher in the Rye

O Apanhador no Campo de Centeio

J. D. Salinger - The Catcher in the Rye - 288 Páginas - Editora Little, Brown and Company - Lançamento: Julho/1951
Publicado no Brasil pela Editora do Autor como "O Apanhador no Campo de Centeio", relançamento: Janeiro/2016,
tradução de Álvaro Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster

Esta é mais uma prova da importância de reler os clássicos ao longo da vida, não sei se mudam os livros ou mudam as pessoas, mas a experiência da leitura nunca é a mesma, posso garantir. Assim foi também com "O Apanhador no Campo de Centeio" que lembro de  já ter lido há muito tempo, quando tinha dezesseis anos, a idade do protagonista imaginado por Salinger, o angustiado e rebelde adolescente Holden Caufield, o narrador nada confiável deste romance que foi considerado um dos clássicos do século XX pela crítica mundial, influenciando gerações de escritores e os movimentos de contracultura dos anos sessenta e setenta. Contudo, o fato é que, na época, não achei nada de excepcional no livro, apenas um pouco divertido. Talvez esperasse algo um pouco mais tradicional, no estilo de "As Aventuras de Huckleberry Finn" de Mark Twain. O estilo direto de Salinger fica claro logo no parágrafo de abertura, uma narrativa em tom confessional e muito coloquial, como se o narrador conversasse com o leitor. Infelizmente, é impossível para os tradutores converter as gírias dos anos quarenta e cinquenta das ruas de Nova York para o nosso tempo, tornando algumas expressões um pouco forçadas.
"Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro. E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu no último Natal, pouco antes de sofrer um esgotamento e de mandarem para aqui, onde estou me recuperando." (Capítulo 1 - Pág. 7)
À partir deste ponto, Caulfield descreve em detalhes um final de semana incomum em que conversa com colegas, professores, motoristas de taxi, namoradas em potencial, uma prostituta e até mesmo duas freiras, enquanto mata o tempo vagando pelas ruas da cidade de Nova York, adiando a volta para casa por ter sido expulso de mais um colégio interno por notas insuficientes em todas as matérias, exceto língua inglesa. A inadequação é uma constante neste fascinante personagem que bem poderia ser chamado de "looser" por uma boa parte da sociedade de consumo pós-guerra norte-americana, uma expressão tão tipicamente local para todos aqueles que não se enquadram no sonho americano. Um romance que poderia ser chamado "de formação", não fosse a total falta de interesse de Caulfield no amadurecimento. Ele é ingênuo e rebelde ao mesmo tempo e o seu maior medo é tornar-se um adulto.
"Eu estava cercado de imbecis. Sem brincadeira. Na outra mesinha, bem perto do meu lado esquerdo, praticamente em cima de mim, tinha um casal com umas caras feiosas pra burro. Tinham mais ou menos a minha idade, ou um pouquinho mais. Era engraçado. A gente via logo que eles estavam tomando um cuidado tremendo pra não beber a consumação mínima muito depressa. Fiquei ouvindo algum tempo a conversa deles, porque não tinha mesmo mais nada pra fazer. Ele estava contando a ela uma droga dum jogo de futebol que tinha visto naquela tarde. E descreveu todas as jogadas da droga da partida, da primeira à última! — sem brincadeira. Era o sujeito mais chato que já encontrei em toda a minha vida. E dava para ver que a garota dele nem estava interessada na droga do jogo, mas ela era ainda mais feiosa do que ele, por isso eu acho que tinha mesmo de ouvir. O negócio não é mole para as garotas feias. Às vezes, elas me dão muita pena, nem gosto de olhar para elas, especialmente quando estão com um idiota que fica contando toda uma porcaria duma partida de futebol." (Capítulo 12 - Pág. 104)
Holden Caufield, apesar de ser um narrador pouco confiável, só demonstra em todo o romance a sua simpatia incondicional por dois personagens, o irmão três anos mais novo, Allie, que morreu de leucemia e a irmã, Phoebe, de apenas dez anos, com quem ele adora conversar. Não resta dúvida de que Salinger escreveu uma obra sobre solidão e inadequação (não confundir com alienação) que, apesar de protagonizada por um jovem de dezesseis anos, consegue expressar sentimentos de pessoas de todas as idades quando confrontadas com as exigências de uma sociedade e uma vida sem sentido. Na verdade, é impossível não simpatizar e até mesmo não se identificar com o rebelde Holden Caufield em muitas das situações do livro. O próprio autor nunca se adaptou, vivendo recluso por toda a vida e escreveu muito pouca coisa além deste romance definitivo.
"Não tenho nada contra os advogados, mas o negócio não me atrai. Até que é bacana quando um advogado está sempre salvando a vida dos sujeitos inocentes e coisas assim, mas um cara que é advogado não faz nada disso. Só faz ganhar um dinheirão, e jogar golfe, e jogar bridge, e comprar carros, e beber martíni, e fazer pinta de bacana. Mesmo se a gente salvasse as vidas dos sujeitos e tudo, como é que ia saber se estava fazendo o troço porque queria mesmo salvar a vida deles, ou porque queria era ser um advogado bom pra burro, pra todo mundo bater nas costas da gente e dar parabéns no tribunal quando acaba a porcaria do julgamento, os repórteres e tudo, como aparece na droga dos filmes? Como é que eu ia saber se não era na verdade um cretino? O problema é que não ia saber." (Capítulo 22, Pág. 203)
O livro foi banido de algumas escolas norte-americanas por conter linguagem ofensiva, quando o verdadeiro motivo para a censura, se é que pode haver um motivo para isso, foi ter demonstrado a incoerência e absurdo de uma sociedade doente. Outra curiosidade sobre o livro foi ter influenciado o assassino de John Lennon, segundo declarações do próprio em 1980. Não existe nenhuma passagem do romance que possa induzir a um ato violento como este, mas sem dúvida comprova o grau de demência do nosso mundo contemporâneo, pobre Holden Caufield.

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