Nicole Krauss - Floresta Escura

Literatura contemporânea
Nicole Krauss - Floresta Escura - Editora Companhia das Letras - 304 Páginas - Tradução de Sara Grünhagen - Lançamento: 2018

A escritora norte-americana de ascendência judaica Nicole Krauss é reconhecida pela crítica como um nome de destaque na literatura contemporânea em língua inglesa. No seu quarto romance, Floresta Escura, ela apresenta uma curiosa reflexão sobre perda e transformação. Em narrativas paralelas e capítulos alternados, descreve a saga de dois protagonistas que não têm nada em comum, exceto o desconforto com suas vidas atuais. Jules Epstein é um advogado de 68 anos que decide doar grande parte de sua riqueza, após a morte dos pais e o seu processo de divórcio. Já Nicole (sem sobrenome), é uma personagem que evidencia um mecanismo claro de metaficção, ela é uma autora com a carreira já consolidada, mas que passa por um bloqueio criativo para escrever o próximo romance.

A narrativa tem início com o desaparecimento de Jules Epstein em Tel Aviv, com a família e amigos perplexos diante da mudança de comportamento de um homem que sempre havia demonstrado uma personalidade forte. Em uma narrativa conduzida em terceira pessoa, o leitor vai reconstituindo aos poucos a trajetória de Epstein em Tel Aviv, resultado de uma viagem que tinha o objetivo inicial de escolher um projeto para patrocínio em homenagem à memória dos pais e assume um caráter totalmente novo por influência de um estranho rabino que pretende reunir os descendentes do rei Davi, incluindo o próprio Epstein.
"Nos últimos meses, tornara-se difícil entrar em contato com Epstein. Suas respostas não chegavam mais de supetão, não importava mais a hora do dia ou da noite. Ele sempre tivera a última palavra porque nunca deixava de responder. Mas, aos poucos, suas mensagens foram se tornando cada vez mais escassas. O tempo se expandia entre elas porque havia se expandido nele: as vinte e quatro horas que Epstein antes preenchia com tudo o que havia debaixo do sol foram substituídas por uma escala de milhares de anos. A família e os amigos se acostumaram com seus silêncios irregulares; por isso, na primeira semana de fevereiro, quando ele deixou de dar sinal de vida, ninguém se alarmou de imediato. [...]" (p. 14)
As partes do romance que descrevem as ações de Nicole são feitas em primeira pessoa, ampliando o caráter de metaficção. Aos trinta e nove anos, ela toma uma decisão intempestiva ao viajar para Tel Aviv e se hospedar no hotel HIlton, onde lembra de ter passado bons momentos na sua infância, acreditando que lá poderá encontrar a inspiração para o novo romance. Com um afastamento cada vez mais evidente em seu próprio casamento, Nicole deixa o marido e os dois filhos em Nova York para se dedicar a uma busca pessoal que representará muito mais do que um simples tema para o próximo livro.
"Então ele me perguntou como estavam as coisas comigo e o que eu andara fazendo desde que partira. Essa simples pergunta, tão raramente feita, me pareceu vasta naquele momento. Respondê-la era tão impossível quanto lhe dizer o que eu tinha feito e como as coisas se passaram comigo durante a década em que estávamos casados. Esse tempo todo nós tínhamos trocado palavras, mas em dado momento as palavras pareceram ter perdido seu poder e propósito, e agora, como um navio sem velas, não pareciam mais nos levar a lugar algum: as palavras trocadas não nos aproximavam, nem um do outro nem de qualquer tipo de entendimento. As palavras que queríamos usar, não podíamos usar – a rigidez causada pelo medo as impedia –, e as palavras que podíamos usar eram, para mim, irrelevantes." (p. 140)
Não fica claro para o leitor se Nicole e Epstein viajam para Israel na mesma linha do tempo porque, na verdade,  não há conexão entre as suas histórias de vida anteriores ou em Tel Aviv, exceto o fato de hospedarem-se no mesmo hotel Hilton. Um terceiro personagem certamente surpreenderá o leitor, ninguém menos que Franz Kafka. Nicole é convidada por um professor de literatura local para um projeto irrecusável: terminar uma peça inacabada de Kafka e ter acesso a obras inéditas do autor de Metamorfose que não teria morrido de tuberculose antes da guerra, mas sim viajado para Israel e permanecido incógnito por muitos anos.
"'Quanto à publicação das ditas obras incabadas', continuou Friedman, 'não percebe  quão brilhante foi isso? Pense só: que escritor não ia querer que seus contos, livros e peças fossem publicados sob a alegação de que permaneceram inacabados? De que ele morreu, ou então foi impedido, antes de poder deixá-los no estado de perfeição que imaginara, que existia dentro dele, e que ele teria podido revelar em sua obra se ao menos tivesse tido mais tempo?' [...] Perguntei onde Kafka tinha morado, e Friedman me disse que, logo que chegou, ele ficou hospedado numa casa perto dos Bergmann. Sua saúde foi melhorando de maneira progressiva ao longo do verão. O sigilo era primordial e, fora do pequeno círculo cabalístico diretamente envolvido, a única pessoa que sabia era a irmã de Kafka, Ottla. No instante em que desembarcou do navio em Haifa, ele já não era mais o escritor Kafka. Era um simples judeu magro e debilitado de Praga, convalescendo no clima quente de seu novo país." (p. 204)

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