B. Traven - O tesouro de Sierra Madre
Como já havia comentado na resenha de O navio da morte , do mesmo autor, causa espanto — sobretudo em nossa era de superexposição nas mídias sociais — o anonimato que envolve a figura de B. Traven. Sob este pseudônimo se esconde um romancista, supostamente alemão, cujo nome verdadeiro, nacionalidade, data e local de nascimento são todos imprecisos. O que se tem como razoavelmente certo é que Traven viveu durante anos no México, cenário recorrente de sua ficção – incluindo O tesouro de Sierra Madre (1927), cuja adaptação cinematográfica de 1948, dirigida por John Huston e estrelada por Humphrey Bogart, tornou-se um clássico, apesar do tom violento e sombrio, pouco ao gosto das produções da época, rendendo três Oscars: melhor diretor, roteiro adaptado e ator coadjuvante.
Neste romance, destaca-se também, assim como em outras obras de Traven, uma orientação política de tendência anarquista/socialista e uma forte crítica ao capitalismo predatório, presente na indústria petrolífera e mineradora, bem como à ação alienadora da Igreja Católica no processo de devastação das culturas originárias na América Latina no passado. A narrativa acompanha três aventureiros que, sem alternativas de sobrevivência, partem em busca de ouro no interior do México na década de 1920, período pós-revolução em que grupos de criminosos assolavam o país. A ganância, somada à luta pela sobrevivência em um ambiente árido e hostil, corrói lentamente o caráter desses homens, conduzindo-os a um processo de degradação moral semelhante a outras histórias sobre a corrida do ouro.
"O banco no qual Dobbs estava sentado não era nada confortável. Uma perna quebrada, a outra inclinada para baixo: estar sentado ali parecia castigo. Se ele merecia ser punido, ou se aquele castigo lhe era injusto, como a maioria dos castigos, não era algo em que Dobbs estivesse pensando naquele exato momento. Provavelmente ele só perceberia todo o seu desconforto, se alguém lhe perguntasse se estava bem instalado ali. Os pensamentos que perturbavam Dobbs eram os mesmos que perturbam tantas pessoas. Era a questão: "Como eu arranjo dinheiro?". Quando já se tem algum dinheiro, torna-se mais fácil arranjar mais, porque é possível investir em algum negócio. Mas, quando não se tem nada, é difícil chegar a uma solução satisfatória para essa questão. Dobbs não tinha nada. Podemos dizer tranquilamente que ele tinha menos que nada, porque não possuía sequer uma roupa inteira — o que em certas circunstâncias, pode ser considerado um modesto capital inicial." (p. 14)
Podemos dividir o romance em três partes. A primeira acompanha o encontro traçado pelo destino de Dobbs, Curtin e Howard, bem como a preparação para a jornada: três homens sem perspectivas, unidos mais pela necessidade do que pela afinidade, que decidem apostar tudo em uma expedição arriscada rumo às montanhas mexicanas. Em seguida, o núcleo mais intenso da história: o trabalho exaustivo de mineração, descrito com realismo e os inúmeros perigos que cercam o trio — desde a hostilidade da natureza selvagem até a ameaça constante de bandidos que rondam a região. Por fim, a narrativa avança para o percurso de retorno, etapa que se revela talvez a mais difícil. Carregando o fruto de meses de esforço, os homens já se encontram física e emocionalmente devastados.
"Depois de duas semanas, eles puderam começar com o trabalho produtivo. Aquilo sim podia ser chamado de trabalho. Trabalhavam feito condenados estúpidos. Durante o dia, fazia muito calor e, à noite, muito frio. O acampamento ficava bem no alto das montanhas, em Sierra Madre. Não havia estrada que levasse até lá, apenas uma trilha de mula para se chegar até a água. Para chegar à estação de trem mais próxima, demorava de dez a doze dias de cavalgada. E o trajeto incluía passagens íngremes e sendas nas montanhas, cruzava rios e desfiladeiros, sempre ao longo de precipícios rochosos e pontiagudos. No caminho todo havia apenas algumas pequenas aldeias indígenas. 'Eu nunca ralei tanto na vida', disse Curtin certa manhã, quando Howard o despertou ainda antes de o sol nascer. Mas ele se levantou, selou as mulas e foi buscar a quantidade de água necessária para o dia, mesmo sem ter nada no estômago desde as sete horas." (pp. 76-7)
Destaque, mais uma vez, para a bem‑cuidada edição publicada pelo Selo Quimera da Editora 7Letras, cujo projeto gráfico une passado e presente ao resgatar elementos tipográficos clássicos, incluindo posfácio de Alcir Pécora, particularmente esclarecedor. O texto crítico ajuda a situar o leitor no contexto histórico e político da obra, além de oferecer referências e interpretações que enriquecem a experiência de leitura. B. Traven é um autor pouco conhecido do público, envolto em mistério, mas cuja obra permanece atual ao explorar os limites da condição humana e antecipar discussões sobre preservação ambiental — um tema que ele já abordava com lucidez ainda nos anos 1920.
"Só havia uma saída. Curtin precisava fazer com Dobbs o que Dobbs pretendia fazer com Curtin. Não havia outra forma de se salvar. Devore, ou será devorado. Não existe outra lei. Eu não quero ficar com a parte dele, pensou Curtin, mas tenho que me livrar dele. O velho fica com a parte dele, eu com a minha, e a do canalha, eu enterro. Bem, não quero ficar rico às custas dele, mas a minha vida vale tanto quanto a dele. Ele estava com a mão esquerda, que segurava o cachimbo, encostada no peito. A mão direita estava apoiada no joelho. Agora, ele puxava lentamente a mão direita em sua direção e a deixou deslizar de volta para o bolso, na altura do quadril. Só que, no mesmo instante, Dobbs sacou seu revólver. 'Um movimento, rapaz', ele gritou, 'e eu atiro.' Curtin manteve as mãos paradas. [...]" (p. 191)
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