Cães e literatura

A primeira citação sobre cães na literatura, que me ocorre no momento, é na Odisséia de Homero, quando Ulisses, após longo exílio e diversas venturas, retorna à ilha de ítaca disfarçado de mendigo e é reconhecido apenas por Argos seu cão já velho e sem forças para qualquer outra ação além de abanar o rabo ao reencontrar o dono. Ulisses então chora; nem mesmo o deus Poseidon, com toda a sua fúria e poder havia conseguido fazê-lo chorar.
A passagem acima está destacada na introdução do excelente: “Da dificuldade de ser cão” de Roger Grenier (Editora Companhia das Letras - Publicação de 2002), onde são apresentadas várias histórias sobre famosos autores como Camus, Sartre, Voltaire, Kafka e seus amigos cães. Este outro trecho, por exemplo, citação de Maeterlink sobre o privilégio de ser cão é fantástico: “Ele é o único ser vivo que encontrou e reconhece um deus incontestável, tangível, irrecusável e definitivo. Ele sabe a quem dedicar o melhor de si, sabe a quem se dar acima de si mesmo. Ele não precisa buscar uma força perfeita, superior e infinita nas trevas, as mentiras sucessivas, as hipóteses e os sonhos”.
Napoleão, no "Memorial de Santa Helena", conta que percorreu um campo de batalha na Itália do qual os mortos ainda não haviam sido retirados. Um cachorro está ao lado do cadáver de seu dono, geme, lambe-lhe o rosto. "Nunca nada, em nenhum dos meus campos de batalha, me impressionou tanto", declara Napoleão, que afirmou, aliás, que a morte de um milhão de homens não era nada para ele. "Eu havia, sem emoção, ordenado batalhas, que deveriam decidir o futuro do exército; havia visto, com o olho seco, serem executados movimentos que levariam à perda de muitos entre nós; e aqui eu ficava emocionado, ficava perturbado pelos gritos e pela dor de um cão!...".
O tema secundário em "Flush" de Virginia Woolf, é a vida de Elizabeth Barret-Browning. Mas só a conheceremos através da biografia de seu cão Flush. Os cães vivem essencialmente em um mundo olfativo. Um cheiro basta para liberar um milhão de lembranças. "Mesmo a religião era um cheiro para Flush...". Virginia Woolf assegura que nem Swimburne, nem mesmo Shakespeare, seriam capazes de descrever a infinidade de cheiros percebidos por Flush e de dizer o que significavam para ele.
José Saramago utliza-se frequentemente de um cão na maioria de seus romances. É o caso do cão que lambia as lágrimas no "Ensaio sobre a Cegueira" ou das apariçoes do vira-lata em "História do Cerco de Lisboa" como no trecho a seguir: "O cão não se movera, apenas deixara descair a cabeça, o beiço rente ao chão. As costelas salientes, como de cristo crucificado, tremem-lhe nos encaixes da espinha, este animal é um rematado idiota, com a teima de viver nas Escadinhas de S. Crispim onde tem passado fomes de rabo, desprezando as abundâncias de Lisboa, Europa e Mundo (...)".
Comentários
http://www.cracatoa.com.br/2007/09/19/cachorro-vira-lata-um-ser-especial/
Abraços!
um abraço,
clara lopez
Beijos em todos! E no Pingo... esse bebedor de água mineral!
Parabéns de novo. Excelente.
Beijo.
Um beijo nele. :)
Quase chorei na última vez que li o trecho que descreve a morte da Baleia... Triste demais... :(
Certamente é um dos personagens caninos mais representativos da literatura brasileira. Obrigado pela oportuna lembrança e volte sempre!
Lessing.Melhor ainda,com um post
sobre Cães e Literatura, que expressa seu amor a eles.Muito bom.
Bom mesmo.
Beijos
Passei por cima dele várias vezes, pois sabia que ficaria assim: vontade de chorar e com saudades de Pink.
Quem é ela?
Uma salsicha sem-vergonha, que pertence à minha irmã caçula e que foi peça fundamental na cura de uma depressão grave que tive ano passado. Elas moram a 700km de mim, e as vejo a cada 15 dias que demoram muito pra passar...
Sem dúvida,´um cão sabe lamber uma lágrima.
Beijos e aquela coisa toda.
Na minha infância também tive um pequinês. Ele se chamava Duque e, com o passar do tempo, adotou a minha mãe como dona.
Um cão afasta fantasmas, sejam eles quais forem.
Voltei neste post para registrar mui emocionada meu incondicional e eterno amor pela Baleia do meu amado Graciliano.
Sabe que devo reler (de novo) porque de tempos em tempos eu morro de saudades dela. E, vou falar em off, até hoje eu choro às vezes... como agora...
Beijo. :(
Dê uma olhada neste texto de Manoel, publicado na folha de sp (Sinapse), acho que gostará de ler, se já não leu!
Há outras dicas de livros que falam de cachorros, recentemente li Niki a história de um cão. Lindíssimo! Você vai gostar pelo que li dos teus comentários e resenhas. Um prazer conhecê-lo.
lumdila
não consigo te passar o link, tentei mais uma vez, desculpe.
lumdila
O livro “Da dificuldade de ser cão” de Roger Grenier (Editora Companhia das Letras - Publicação de 2002) é ótimo, presente de um grande amigo, recomendo muito para os amantes dos cães!
Lumdila, obrigado pelos comentários em que se percebe o seu amor pela literatura, será sempre bem vinda por aqui.
quando li a Odisseia, foi precisamente a parte que mais me emocionou, a parte em que o cão reconhece Ulisses.
Em a Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera também me marcou o capítulo da morte do cão.
Excelente texto.
Bjs transatlânticos
Ana T.
EU ESTOU SEM PALAVRAS PARA RELATAR O MEU SOFRIMENTO, POR CONTA DA MINHA SEPARAÇÃO DA LAILA , A FILA MAIS SIMPÁTICA, MAIS MEIGA QUE EU JÁ TIVE.
CACHORRO É TUDO DE BOM.
LEMBREI DE TODAS AS PESSOAS QUE EU CONHECI, E QUE TINHAM UM GRANDE AMOR PELOS CÃES, E CHEQUEI ATÉ AQUI.
UM ABRAÇO, FIQUE COM DEUS.
Profunda admiradora de cães, recomendo a imprescindível leitura de: "Cão como nós" do português Manoel Alegre. É um dos mais belos textos aos quais tive acesso sobre estas sensíveis criaturas que nos acompanham com desvelado amor ao longo de nossa trajetória. Grande abraço, JACIREMA
Já ouvi falar do livro que você recomendou, fica incluído na minha lista das próximas leituras.
Leio sempre o seu blog, além de ser estudante de letras, sou apaixonada pela literatura.
Um abraço, Thais.
Beijos.
Beijos.