Ensaio Sobre a Cegueira - O Filme

Fernando MeirellesNinguém melhor do que o próprio José Saramago para avaliar a adaptação cinematográfica, dirigida por Fernando Meirelles, para o seu já clássico romance "Ensaio Sobre a Cegueira". Em entrevista para o Jornal O Globo, publicada em 10/09, Saramago definiu o filme da seguinte forma: "O resultado da adaptação de Fernando Meirelles é mais do que satisfatório. Considero-o até brilhante. O essencial da história está ali, como seria de esperar, mas, sobretudo encontrei na narrativa fílmica o mesmo espírito e o mesmo impulso humanístico que me levaram a escrever o livro. Nem Fernando Meirelles nem eu pensamos que vamos salvar a humanidade, mas somos conscientes de que, quer como artistas, quer como cidadãos, levamos a cabo um trabalho responsável".

Fernando Meirelles que escreve muito bem, como podemos conferir no blog de blindness, definiu o livro da seguinte maneira: "A primeira imagem que me veio ao ler o “Ensaio Sobre a Cegueira” foi a da nossa civilização como uma complexa estrutura, como aquelas que se formam ao acaso no jogo de pega-varetas. De repente, uma vareta é retirada (a visão) e a estrutura toda desaba. Me interessei por esta história porque ela expõe a fragilidade desta civilização que consideramos tão sólida. Em nossa sociedade, os limites do que achamos que é civilizado são rompidos cotidianamente, mas parece que não nos damos conta, a barbárie está instalada e não vemos ou não queremos ver. Para mim, era sobre isso o livro. A metáfora da cegueira branca ilustra nossa falta de visão. “Eu não acho que ficamos cegos”, diz um personagem. “Acho que somos cegos. Cegos que podem ver, mas não vêem”. Por quanto sofrimento precisamos passar para que consigamos abrir os olhos e ver? Essa foi a primeira questão que me coloquei ao fechar a última página".

Acredito que nenhum cineasta poderia ter sido capaz de converter a prosa Saramaguiana de maneira integral para as telas, mas Fernando Meirelles definitivamente chegou bem perto. Ele conseguiu mostrar os extremos presentes no homem, desde o egoísmo que leva à barbárie e degradação, até a esperança e solidariedade que Julianne Moore interpretou de maneira impecável, citando o próprio livro: "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

As atuações de Gael García Bernal como o líder ditador da Ala 3 do Hospital de cegos e de Danny Glover como o velho da venda preta são perfeitas (vale lembrar que, assim como no livro, os personagens não são identificados por nomes para ressaltar a perda de identidade original após a epidemia de cegueira). A brasileira Alice Braga também não compromete em meio ao elenco de celebridades do nível de Juliane Moore.

A trilha sonora foi outro acerto do diretor, pois a escolha do grupo mineiro Uakti destacou o caráter de indefinição geográfica e temporal do livro. Como Fernando Meirelles já tinha comentado em seu blog: "a idéia de fazer a trilha com o Uakti foi justamente trabalhar com timbres desconhecidos, com o intuito de colocar o espectador num universo sonoro tão novo quanto o mundo da cegueira. Orquestra, quartetos de cordas, pianos ou violões, por serem muito usados no cinema, nos falam de emoções de um mundo mais conhecido, e neste filme a música deveria levar o espectador para outro lugar".

O filme iniciou hoje no circuito comercial em 95 salas de cinema espalhadas por todo o território brasileiro, mas só estréia no mercado americano no dia 26/09 e em Portugal no dia 13 de novembro.

Comentários

Maria Augusta disse…
Durante o Festival de Cannes este filme foi recebido com certa frieza pelo publico. Mas depois de ler aqui o que o próprio Saramago escreveu sobre ele, fiquei com vontade de assisti-lo, espero que passe aqui em breve.
Abraços e um bom domingo para você.
Alexandre Kovacs disse…
Maria Augusta, é um filme com uma temática pesada e que pode até não agradar ao grande público (caso do festival de Cannes), mas foi extremamente bem sucedido ao representar a essência do romance de Saramago. Obrigado pela visita sempre bem vinda.
Barros (RBA) disse…
Estou curioso para ver como foi traduzido para o cinema este tema do nosso grande Saramago. Deve ter sido uma tarefa das mais difíceis.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Barros, pelo que conheço das suas preferências o filme vai agradar em cheio. Obrigado pela visita!
Kovacs e Barros, tambem imagino que deva ter sido uma tarefa dificil adaptar o maneirismo de Saramago - do qual gosto muito - para o cinema. Lembro que o Ensaio foi um daqueles livros impactantes para mim. As cenas da reclusao, dos mercenarios controlando a comida, o estupro da protagonista que se nao me engano eh a unica que ve... a falta de higiniene do local... sao cenas nitidas ainda hoje.

Abraco, Chico
Alexandre Kovacs disse…
Chico, todas as passagens que você destacou estão presentes e muito bem produzidas no filme, mas acho realmente impossível para qualquer cineasta decodificar de forma completa a prosa caudalosa de Saramago.

O filme, de qualquer modo, é imperdível principalmente para aqueles que foram "atingidos" anteriormente pelo romance de Saramago.
JLM disse…
Eu, geralmente qdo gosto de um filme vou atrás do livro. Foi oq aconteceu recentemente com As Diabólicas, O Bigode e Dexter.

Mas Saramago é um caso à parte. E pensar q em mtos fóruns de literatura em Portugal ele é bastante escurraçado, acredito q principalmente por ser leitura obrigatória escolar para os adolescentes. Praticamente oq ocorre com o Machado de Assis por aqui. Nada obrigado agrada.

Este é um dos livros/filmes de Saramago q já estão na minha fila ziliométrica (se é q essa palavra existe) de próximas leituras e sessões.

1 abraço.
Alexandre Kovacs disse…
Jefferson, o ideal seria ler o livro primeiro. Ainda há bastante tempo, pois este romance é tão envolvente que você certamente terminará antes do filme sair de cartaz. Obrigado pela visita e comentário.
Leila Silva disse…
Eu vi o filme este fim de semana, muito muito bom. Já tinha lido o livro há alguns anos e estava ansiosa pelo filme. Valeu a pena.
Alexandre Kovacs disse…
Leila silva, compartilho da sua opinião e sei que também é fã de Saramago. Obrigado pela visita!
Athena disse…
Já li vários livros do Saramago mas, na minha opinião, o "Ensaio sobre a Cegueira" é, sem dúvida, o melhor, o mais brilhante de todos eles. Foi dos melhores livros que li até hoje e, por isso, estou um com um pouco de medo de me desiludir com a adaptação cinematográfica apesar da opinião do Saramago sobre esta. De qualquer forma, estou ansiosa que o filme estreie em Portugal.
Alexandre Kovacs disse…
Athena, Também compartilhava do seu mesmo receio sobre a perda de qualidade do material literário na passagem para o cinema. Todavia, Fernando Meirelles não decepcionou em nada os fãs de Saramago. Tenho certeza de que o filme será um sucesso, principalmente em Portugal. Obrigado pela visita e volte sempre!
Iza disse…
Kovacs, ontem fui assitir o Ensaio..

Gostei muito. Só achei que a chegada dos doentes ao hospital-manicômio não nos dá a mesma idéia do livro de toda a população está cega, tb gostaria que o Meirelles tivesse explorado mais a relação da mulher do médico com o cachorro que no livro acho tão simbólica. Mas o filme é muito bem feito, sinestésico, a música caiu como uma luva e a fotografia está linda! É maravilhoso ver o grande público indo aos cinemas, quem nunca tocaria num livro de Saramago. Ainda voi escrever mais no meu blog e te aviso.
um abraço
Alexandre Kovacs disse…
Izabella, seria realmente impossível para Fernando Meirelles reproduzir integralmente os detalhes do romance de Saramago (até pela necessidade de retorno comercial do filme), mas como escrevi na postagem ele chegou bem perto. Vou ler a sua resenha com interesse. Obrigado pela visita.

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